Julgo não estar muito enganado ao pensar que quem acompanhe este blog encontra algum grau de diversidade, nunca completo, muito menos exaustivo, mas suficientemente amplo para notar que o campo das leituras não se cinge a este ou aquele género, território, tipologia, ou caminho. Um dos géneros ausentes, tipicamente, é aquele dos super-heróis (mas também o western, o da high-fantasy), ele mesmo um género que alberga toda uma outra panóplia de diferenciações, escalas, sub-géneros, cruzamentos e forças. Poderá mesmo até dar-se a impressão de que não leio ou cultivo esse género (houve fases, leitura infantil, juvenil, abandono e retorno). Isso não é totalmente verdade, mas o facto de escrever pouco sobre os títulos que acompanho deve-se a uma circunstância muito específica, desde logo às características incontornáveis da esmagadora maioria da produção desse género. O que se segue não é um estudo profundo, antes um conjunto de notas de leitura de títulos que me interessaram por uma ou outra razão relacionados com este género. (Mais)
Todos apontam, hoje em dia, a importância de Watchmen, de Moore e Gibbons (1986-87), e de Batman: The Dark Knight Returns, de Frank Miller (1986), para o desenvolvimento de uma abordagem mais “adulta” do género, o que mereceria três ordens de qualificação. Em primeiro lugar, uma reapreciação da origem exacta do género dos super-heróis que, não obstante ter sido publicado em veículos dirigidos sobretudo a adolescentes para uma leitura rápida, descartável e até mesmo nos interstícios da moral desejada pela sociedade da sua época, empregavam largamente temas de violência (o Batman de Finger e Kane pouco se importava com a morte dos vilões, o Super-Homem de Siegel e Shuster é, basicamente, um bruto à la Cagney ou Bogart) que viriam a desaparecer com as constantes editorializações, e sobretudo depois da instituição, nos anos 50, do Comics Code, esse sim, que levaria ao Batman “camp” da série de televisão, e às aventuras espatafúrdias e infantilóides dos comics das décadas seguintes. Em segundo lugar, para uma reconsideração da inflexão das histórias dos super-heróis para o “mundo real”, para a articulação desses universos de fantasia com os elementos e realidades mais imediatos dos seus leitores com que conseguiria dialogar (desenvolvimento urbano, crime “normal”, drogas, assuntos socias desde o racismo ao feminismo passando pela posição dos Estados Unidos em relação a guerras poucos claras, como as do Vietname), iniciada sobretudo pela dupla do escritor Dennis O’Neil e do artista Neil Adams (primeiro, sobretudo, com o Arqueiro Verde e o Lanterna Verde, e depois com uma mão-cheia de histórias com o Batman), no fim da década de 60 (sob a influência dos underground comix que cada vez mais se faziam notar). Em terceiro lugar, tem a ver com a própria natureza deste género, que precisa de ser abordada mais largamente, e que tentaremos.
Há um pequeno livro, de natureza académica, intitulado How to read superhero comics and why, de Geoff Klock (2002), que mencionei um par de vezes, que ajuda a cartografar esta complexa história. O livro não é mais do que uma aplicação, quiçá problemática, das teorias da influência de Harold Bloom sobre um grupo restrito de obras de super-heróis contemporâneas. O aspecto central é o desenvolvimento de uma linha de continuidade da presença de um discurso pós-moderno, desconstrutivo, revisionista, nos superheróis, começando com esses títulos mais famosos e depois explorando os títulos que se lhe seguiram (e que mencionaremos adiante). Não estou seguro se as duas questões do seu título são respondidas satisfatoriamente. O “porquê” prender-se-á com inclinações e apetências, já que não é preciso ler-se nada. E pode ser-se um forte leitor de banda desenhada sem jamais virar uma página destes heróis. O “como” já se relaciona com a complexa história do género. Se Watchmen e TDKR são dois pólos importantes, sem dúvida, a verdade é que não estavam num deserto de recriações. Um ano antes a DC tinha feito convergir (e “limpar”) os seus vários “universos ficcionais” com o Crise nas Infinitas Terras, a Marvel havia lançado a sua linha Epic em 1982 (onde se publicaram inúmeros títulos tentativamente “desconstrucionistas” e “adultos” em relação aos super-heróis), e outras experiências haviam sido tentadas. Uma delas é Squadron Supreme, de Mark Gruenwald e colaboradores (reza a lenda que, depois de morrer, o escritor foi cremado e as cinzas misturadas nas tintas da primeira edição desta série em livro; na minha edição, a segunda, há mesmo uma nota a informar que isso é verdade, mas já não havendo cinzas nesse volume), iniciado em 1985, no qual encontraremos algumas raízes das premissas que abririam as portas a autores mais cosmopolitas como Moore e Morrison e, até certo ponto, o próprio Miller. Já para não falar de Straczynski, que repescaria este grupo numa nova versão, moderna, em 2006.
Contudo, os próprios Frank Miller e Alan Moore devem ser adicionado a essas experiências anteriores. Moore com o trabalho que desenvolveu com Marvelman/Miracleman (de 1982 a 1989) e V for Vendetta (1982-85), em Inglaterra, e com Swamp Thing em 1983 já nos Estados Unidos (e que permitiria fundar a linha da Vertigo, que levaria ao Sandman de Neil Gaiman, por exemplo). Miller com o trabalho que desenvolveu com a personagem Demolidor (iniciado em 1979, e directo herdeiro de Adams e O’Neill), quer os trabalhos que ele próprio desenhou, quer aqueles que escreveu para Bill Sienckiewicz e David Mazzucchelli, e, um ano mais tarde, com este último desenhador, com Batman: Year One (que julgo mesmo superior a TDKR, e que daria origem a abordagens similares nessa mesma companhia a outras das suas personagens-trademarks). Há em Miller a busca por um tratamento destas personagens no interior de uma certa plausabilidade, de possibilidades físicas sem fantasia, e a circunscrição do seu espaço de acção a uma unidade relativamente coesa (um bairro, uma cidade, etc.). As raízes dessa transformação encontram-se no contacto de Miller com as gekiga (mangá) de samurais de Sanpei Shirato e Kazuo Koike, entre outros (pense-se em Ronin e nos elementos de artes marciais orientais).
Nessa mesma época, mas um pouco mais obscuro, é a série New Statesmen, escrita por John Smith e desenhada por Jim Baikie, publicada na revista britânica Crisis, entre 1988 e 89. De certa forma, este título é um herdeiro imediato de Watchmen (e V for Vendetta), transformando a Inglaterra num dos estados dos E.U.A., revistos como um “fascismo feliz”, e no qual existe a possibilidade de criar uma super-força por meios artificiais, levando aos Optimen. As consequências políticas e sociais são abordadas nesta série, mas não com a seriedade e ou profundidade (se se aceitar que elas existem, claro) de Watchmen ou mesmo de Miracleman), e até de um modo algo rebuscado e com uma trama ligeiramente confusa. Menos obscuro, e cujas repercussões foram uma mescla de aprovação e frisson no seu tempo, inclusive em Portugal, através das edições brasileiras, e falhanço completo, foi o projecto da Marvel do “Novo Universo”, com vários títulos e autores publicados a partir de 1986 (personagens tais como Justice, Máscara Nocturna, Psi-Force, etc.). A premissa era precisamente a da existência de super-heróis no “nosso” mundo real, e a origem de seres com capacidades extraordinárias devia-se a um misterioso acontecimento a que se dava o nome de “Evento Branco”, uma espécie de relâmpago à escala planetária. Os espectadores da série televisiva Heroes aperceber-se-ão imediatamente da origem de uma ideia. O mais importante, no que nos interessa, foi a tentativa de revitalização desta ideia com Warren Ellis em 2006 com newuniversal, que transformou todas essas histórias e personagens numa só, unida, tessitura; muito promissor, mas neste momento – como tantos outros projectos relativos a este género, cheios de passos maiores que as pernas – está numa espécie de hiato, para não dizer “abismo editorial”. Ainda na Marvel, uma rápida menção é necessária a The Shadowline Saga (iniciada em 1987, e perdendo o fôlego em 90), que mais do que interesse arqueológico e arquivístico, não deixa de ter sido um percursor de muitos projectos que viriam. Reunindo uma troupe de qualidade de escritores e desenhadores, o projecto em si é muito desigual, mas almejava a uma unidade e um significado que estava aquém do tempo certo.
Warren Ellis, que acabámos de citar, é o responsável por muitos dos melhores títulos de uma nova vida da ficção científica contemporânea na banda desenhada mainstream (ou midstream, se preferirem) de língua inglesa, mas o seu contributo crescentemente politizado no género dos super-heróis é também marcante, primeiro com StormWatch (entre 1996 e 98) e depois com dois spin-offs, The Authority e Planetary (ambas as séries iniciadas em 1999, se bem que Ellis apenas continue a segunda), sendo esta última série sobre “arqueólogos da imaginação”, acabando por se tornar uma espécie de homenagem e recuperação de elementos famosos da ficção popular: Sherlock Holmes, Drácula, Godzilla e companhia, filmes de acção de Hong Kong, heróis do pulp, e praticamente todos os mais famosos superheróis da Marvel e DC (com muitos episódios jogando com versões “destruídas” dessas mesmas personagens, algo que Ellis já havia experimentado em Ruins, da Marvel). Na editora Apparat, Ellis criou uma pequena série de comics que partiam da ideia de um mundo paralelo ao nosso em que os super-heróis não se haviam tornado o género mais visível e com mais dendrites na cultura popular. É desde logo necessário ter em conta que, em relação à obra de um autor em particular, me referirei somente àqueles trabalhos que pertencerão, indiscutivelmente, a esse género. Ellis é interessante por insistir neste diálogo do género com a sua própria génese no pulp, o que permite revisitações históricas e significativas (até certo ponto, é o que Moore também faz com The League of Extraordinary Gentlemen).
Outros cruzamentos desta natureza são com os que se verificam com as personagens de vários universos (sobretudo) cinematográficos, desde os Aliens ao Predador, passando por Tarzan, Terminator, Máscara, etc. Uma curiosa variação desse tema foi a trilogia do casal Lofficier e Ted McKeever (e colaboradores) em que se cruzou o Superhomem, o Batman e a Mulher Maravilha com, respectivamente, os ambientes narrativos de Metropolis, Nosferatu e O Anjo Azul. Escusado será sublinhar o carácter negligenciável de todo este material. Mais criativo e não desprovido de interesse é o “telenovelesco” Ultra, dos irmãos Joshua e Jonathan Luna, de que falámos.
Ainda em relação a Ellis, e no que diz respeito especificamente à dimensão da ficção científica no território dos super-heróis, as suas repercussões viriam a sentir-se sobretudo na mini-série Iron Man: Extremis, transformando a relação entre o corpo do herói Stark e a sua armadura, e a trilogia Galactus (Ultimate Nightmare, Ultimate Secret e Ultimate Extinction). A série Nextwave: Agents of H.A.T.E. unia as linhas da FC, acção e humor... como se Morrison fosse convidado a escrever para a Cartoon Network (ou melhor, a Adult Swim).
Esta questão do humor não pode ser deixada de lado. Não só pela reintrodução de um tom irónico e auto-derisório nos títulos principais das grandes companhias (as quais, como a Marvel, apenas se permitiam ao ridículo em títulos muito especiais, desde What the ?! a Peter Porker, Spider-Ham, ou a versões “ape” e “zombie” dos heróis), passando pela presença de personagens como o Lobo de Keith Giffen (surgido nos anos 1980, mas com maior sucesso nos 90), a série Madman, de Mike Allred, como pela exploração do ridículo da premissa destas personagens – poderes extraordinários, tendências para um melodrama exarcebado, vestes vistosas, um certo grau de maniqueísmo moral, simplificação esquemática da natureza humana, alienação da morte enquanto parte intrínseca da experiência, e, as mais das vezes, atitudes conservadoras e retrógadas no que diz respeito à sexualidade, feminismo, ecologia, etc. (para um mais exacto estudo deste género em particular, aconselho a leitura do académico Superhero: The Secret Origin of a Genre, de Peter Coogan, debatido parcialmente quando da discussão do CSR). Mas mesmo nas mãos daqueles autores que julgamos capazes de criar trabalhos de outra natureza, ora mais experimentais ora mais humanos, a tendência é sempre a da maravilha perante estas personagens e as possibilidades de aventura que eles permitem: veja-se a antologia Coober Skeeber Marvel Benefit Book (editado pela Highwater) e os dois livros Bizarro Comics e Bizarro World, reunindo a nata da cena indie norte-americana, os Super F*ckers de James Kochalka, e as participações nos títulos mainstream de Eddie Campbell, Jon J Muth, Farel Dalrymple, James Sturm (como escritor do notável Fantastic Four: Unstable Molecules) entre tantos outros (Brubaker, hoje responsável pelo Capitão América, Demolidor e X-Men da Marvel, era também um autor da cena independente – com Lowlife - , antes de se aproximar da Vertigo e depois da DC-mãe).
Do núcleo de 1986, o mainstream exploraria a vertente da violência sem salvação, o que desbancaria nos trabalhos de autores como Jim Lee, Rob Liefeld e Todd McFarlane (o trio do “horror aos mínimos olímpicos” mas que marcaria grande parte dos anos 1990, independentemente da tentativa do próprio Moore em requalificar as personagens Supreme, WildC.A.T.S., e outros). Kurt Busiek faria um esforço titânico em recuperar o sentimento de maravilha do género em muitas das suas histórias, sobretudo na série Marvels (de que Ruins de Ellis, acima mencionado, era o contraponto) e depois Astro City. O Marshal Law de Pat Mills e Kevin O’Neill nasce de uma outra veia: a de um confessado ódio ao género e, através de um humor negro, de violência extrema e de uma desconstrução que emprega mais a chave de fendas nos dentes do que a retórica, a destruição massiva do contigente dessa espécie de personagens. Garth Ennis pertence à mesma veia, conforme se depreende das aventuras do seu Kev com The Authority e o mais recente The Boys (sobre uma espécie de grupo humano de agentes que colocam os superheróis no seu lugar, se possível de nariz a sangrar; uma mescla de história de espionagem, acção de alta octanagem, e um humor de taberna, cheio de sexo, drogas, violência e música pop). Mesmo os títulos de super-heróis em que trabalha, por mais mainstream que sejam (Thor, Nick Fury, Punisher), acabam sempre numa espécie de orgia de sangue, ossos quebrados e órgãos internos transformados em adereços de adornamento externo.
É claro que os parâmetros se tornam cada vez mais espectaculares, a escala cada vez mais gigantesca, as paradas cada vez mais infinitas (não, não é lapso conceptual): os Authority lutam contra Deus (literalmente, o Criador, ainda que na forma de uma imensa pirâmide transgaláctica sentiente), o planeta Terra na versão Marvel é sistematicamente ameaçado por alienígenas como os Kree, os Skrull, o Império Sh’iar, o Aniquilador, ou todas as variações e combinações possíveis, e na versão DC é a própria ideia da infinitude dos universos compossíveis próprios das décadas de existência de histórias, e a conflituosa e paradoxal necessidade de arrumar a “continuidade” (isto é, a coerência dogmática desse mesmo “universo ficcional”) que põe em perigo a “vida” das suas personagens e mundos...
Tentemos apresentar um breve leque de outros autores relativamente interessantes neste complexo contributo.
Peter Milligan: usando tanto temas controversos como uma verve muito específica de humor, de entre os títulos que criou, citem-se pelo menos, Rogan Gosh de 1990 (com Brandan McCarthy, uma excelente e “tripada” aventura de ficção-científica neo-hindu, bem antes do Vimanarama de Morrison, de 2005), Enigma (com Duncan Fegredo, de 1993, uma mescla de super-heróis e telenovela psico-sexual), X-Statix (de 2001, com Mike Allred, que traz personagens de segunda categoria dos X-Men para um quadro de crítica aos meios de comunicação social e à indústria do entretenimento) e The Programme (ressuscitando a Guerra Fria e “aquecendo-a” pela presença de superheróis nos dois Estados beligerantes).
Steve Parkhouse: com David Lloyd, reinventaria em 1979 Night Raven, trazendo essa personagem para um ambiente contemporâneo e estabelecendo a ideia de repescar heróis antigos para os novos tempos, ao mesmo tempo que permitindo um certo “crescimento conceptual”, colocando-os em situações relativamente mais realistas e sérias (alta finança, corrupção política, temas controversos), abrindo caminho, por exemplo, aos trabalhos de Moore Marvelman/Miracleman ou V for Vendetta (com Lloyd, precisamente).
Rick Veitch: trabalhou sensivelmente na mesma altura, numa aproximação análoga a de Moore, ainda que buscando ecos mais espirituais (à la Castañeda, como Morrison) em The One. The Last Word in Superheroics (1989), e, mais tarde, com os seus dois títulos “paródias” ao mainstream, Bratpack (1992) e The Maximortal (2002). Esta “trilogia” é indispensável para compreender o crescente revisionismo do género.
J. M. Straczynski: famoso pela sua série de televisão Babylon 5 e pelo argumento de Changeling/A troca, de Clint Eastwood, e que citámos atrás a propósito da sua versão do Squadron Supreme, intitulada Supreme Power (iniciada com Gary Frank em 2006), faz através deste título uma variação da premissa de Watchmen e do “New Universe”, na medida em que explora as consequências mais realistas e políticas do surgimento de seres com tamanhos poderes na nossa esfera de existência. Ainda uma variação desse tema é um outro seu título, anterior (e que lhe tinha aberto as portas para as companhias principais), Rising Stars, iniciado em 1999 e terminado em 2005, com toda uma bateria de artistas. Dos vários outros títulos explorados no mainstream dos super-heróis deste escritor dado às grandes narrativas e redes ficcionais criadas pelos seus personagens, talvez se destaque com maior merecimento o “arco narrativo” The Other, com o Homem-Aranha (em que este descobre que os seus poderes, tal como o de muitas outras personagens do seu universo, se relacionam com totens/naguais, isto é, espíritos animais protectores) e o “seu” Thor (que faz regressar este deus à Terra, dando a entender os poderes que os mortais conferem à sua própria existência, através da fé, dedicação e ritual... sendo parte desse ritual, subentende-se, o da nossa leitura destes livros). Straczynski também explorou a ideia das “variações internas” com Bullet Points, um outro universo em que a distribuição de poderes é feita por personagens diferentes (p.ex., Steve Rogers é o Homem de Ferro, Peter Parker o Hulk, Bruce Banner o Homem-Aranha, etc.), com consequências de variação sobre as “linhas narrativas” que constituem dogma ou cânone do imaginário Marvel.
Mark Millar: mais um dos autores britânicos que viria a revitalizar numa segunda onda a banda desenhada mainstream norte-americana (se bem que confesse desconhecer a sua obra no Reino Unido). Dos seus vários títulos, mais ou menos expectáveis, mais ou menos surpreendentes, sublinhe-se The Ultimates (uma versão contemporânea, muito politizada e cinematográfica do grupo Vingadores: Capitão América, Thor, Vespa, Hulk, etc.; muito interessante, para quem goste de hiperbolizações conscientes), Wanted (cuja versão em banda desenhada, editada por cá pela Bdmania, é mais interessante e demente que o filme), Kick-Ass (de certa forma, uma continuação do que a DC chamara de Real World, mas com contornos mais espectaculares, heróicos e épicos à escala dos prédios de um subúrbio), Superman: Red Son (um Super-Homem comunista), e os seus contributos para The Authority e Ultimate Fantastic Four.
Brian K. Vaughn: destaque especial para a série Ex Machina (na qual uma das torres gémeas foi salva pelo super-herói Great Machine, que se canditaria e ganharia as eleições a mayor da cidade de Nova Iorque) e a mini-série The Hood (na qual o protagonista, ou “herói”, é um pequeno meliante que, graças à descoberta de uma mão-cheia de objectos mágicos, se tornará um dos grandes chefes do crime organizado de Nova Iorque, colocando-o frente a frente com muitos dos seus super-heróis).
Brian Michael Bendis: havendo começado com uma série de livros de autor, policiais, como Jinx, A.K.A. Goldfish e Torso (anos 90), onde se notava já uma das suas características principais, o uso de uma barreira quase inatacável e realista de diálogos, deu os primeiros passos no território dos super-heróis com passos tímidos no absolutamente embrutecido Spawn (se bem que o título de Bendis, Sam and Twitch, tenha as suas qualidades de policial) e subitamente com o maravilhoso arco do Demolidor, que duraria mais de dez livros (trade paperbacks). Esta é uma leitura excelente, colocando o Demolidor numa trama familiar, centrada na sua cidade, com uma história que reúne todas as memórias dos leitores dos mesmos livros dos anos 60 e 70, colocando todas as personagens em situações plausíveis e a escalas caseiras. Seguir-se-ia o controlo de toda uma série de trabalhos no centro do mainstream, inclusive os grandes eventos comerciais, potencialmente secundários no que diz respeito à qualidade de desenvolvimento possível das personagens. Uma excepção leve é a do Ultimate Spider-man, ainda que seja um título mais adolescente que o comum, e a sua série Powers (com Michael Avon Oeming, editado em Portugal pela Devir), uma espécie de Top Ten (de Moore, Ha e Cannon), ou seja “A Balada de Hill Street + Super-heróis”, mas em que há menos fantasia e mais trabalho de rotina.
Ed Brubaker: para além dos títulos já citados, e repetindo a ideia, este autor fez um decalque sobre o território dos super-heróis das características mais prementes do género policial, o que funciona melhor em certos dos seus títulos. Assim, é na editora interna da DC, a Wildstorm, que ele apresenta a sua série Sleeper, cruzamento de géneros (irmanado ao Top Ten e a Powers). Mais ao centro das personagens de fantasia, encontram-se vários níveis de proficiência e rigor. Enfim, a meu ver, o autor domina melhor essa sua famosa capacidade na estruturação de novelas de crime e noir, cuja faceta mais comum é a utilização de longos monólogos interiores que levam a uma narração intimista das angústias das personagens, em títulos como Catwoman, Gotham Central, e Demolidor (num seguimento concertado à fase de Bendis), e pior em Capitão América (apesar de não serem desprovido de interesse os “arcos narrativos” que tem desenvolvido nesse título). A razão prende-se ao facto de que, nos primeiros destes títulos, a circunferência de acção é menor, e permite tratar todas as personagens, mesmo que com os fantasiosos super-poderes, como se encerrados numa rede “controlável” de relações e de peso, ao passo que na saga do grande soldado americano já há a necessidade de não só jogar com as obrigações contratuais das decisões estratégico-comerciais da empresa, que influenciam as narrativas (a “Guerra Secreta”, a “Guerra Civil” entre os super-heróis, “Aniquilação”, a “Invasão Secreta” Skrull, etc.), como implica envolver um imaginário muito mais espectacularizado e fantasioso (o Caveira Vermelha sobrevivendo no cérebro de um general russo, depois no corpo de um robot, balas que lançam uma pessoa numa aventura transtemporal, e deus ex machina do género).
Haveria muitos outros autores a citar, como J. M. DeMatteis (sobretudo pela sua divertida Justice League International), Matt Fraction (com Thor: Ages of Thunder ou, com Brubaker, Immortal Iron Fist), Joe Casey, Kevin Smith, Mark Waid, Paul Jenkins (sobretudo com Sentry, o qual deve, a mais de uma instância, a ideias de Alan Moore), Brian Azzarello, Neil Gaiman (que é francamente mais interessante nas suas próprias histórias do que o que faz para super-heróis, com excepção para um curta de Swamp Thing; o seu Eternals, o Marvel: 1602 e o Whatever Happened to the Caped Crusader? são pouco memoráveis), John Ostrander (Suicide Squad), Joss Whedon, Jeph Loeb, Rachel Pollack e Gail Simone (mulheres ímpares num mundo de homens), entre os outros que se foram citando. Um caso muito particular e excepcional é a autora, escritora e artista Carla Speed McNeil, cuja saga trans-genérica Finder mereceria uma análise destacada e competente. E se apenas me refiro a escritores (Morrison e Moore faziam-no, mas abandonaram essa faceta há muito), como se depreende, isso deve-se ao facto de que nesta indústria os artistas, por melhores que sejam e por mais fãs que agregem, são recorrentemente comutáveis, sem perda para a narrativa. Nem sempre se verificam os melhores “casamentos”, e por vezes a meio de uma série há substituições (normalmente para pior). Por exemplo, tento seguir a obra de Warren Ellis quase toda, mas por vezes é uma tortura ocular...
Terminemos esta listagem, portanto, com Grant Morrison: este autor começou com a sua verve experimentalista sobre os super-heróis em Zenith (com Steve Yeowell, em 1987; poder-se-ia talvez recuar ao Captain Clyde, desenhado pelo próprio, um super-heróis desempregado escocês de 1978, influenciadíssimo por Jim Starlin, mas nunca apanhei este material para além de duas tiras), mas dar-lhe-ia continuidade em muito do seu trabalho mais “pessoal” sobre o género (isto é, onde o risco da sua inventabilidade não comprometeria a necessária curva de vendas), com Animal Man, Doom Patrol, Kid Eternity, Flex Mentallo, The Invisibles, passando, claro está, pelos trabalhos sobre títulos mais centrais das companhias para que trabalhou, como a Justice League of America ou os X-Men, pelo Batman, desde o seu primeiro título com o personagem, Arkham Asylum (com Dave McKean, de 1989) aos títulos que agora estão sob a sua responsabilidade (Batman e Batman & Robin). Morrison chegou mesmo a “matar” Batman, fazendo este papel ocupado pelo antigo Robin/Asa Nocturna... A “morte” nos universos dos super-heróis nunca é decisiva, porém, como se entende com um número sem fim de personagens (Capitão América, Super-Homem, Fénix, Colossus, Bucky, etc.). Mais recentemente, Morrison veria a sua responsabilidade na DC assumir novos e mais activos contornos, tornando-o o responsável pela excelente série All-Star Superman (uma espécie de revisitação das histórias leves, divertidas mas muito legíveis da década de 1950-60, de Mort Weisinger e Curt Swann e companhia; era à qual serviu de epitáfio a famosa história de Alan Moore, com Dave Gibbons, Whatever happened to the Men of Tomorrow?, de 1986), e outras séries mais alargadas que obrigam à leitura de (quase) todo o universo DC: Seven Soldiers, 52, Final Crisis... De todos estes trabalhos recentes, talvez possa arriscar dizer que é o título do Super-Homem aquele que eventualmente conquistaria novos leitores sem grandes preocupações de controlo do “universo”, leitores que procurassem histórias curtas, divertidas, e satisfatórias como um breve cigarro (que não “pensativo” como os de Pessoa).
Mas no final de contas, uma das dimensões de interesse da leitura dos títulos de super-heróis é precisamente a desses mesmos “universos” plenos de referências obscuras, de variações de uns títulos para outros, quer internamente à mesma companhia (com “intraversos” e “multiversos”, “versões Ultimate” e “Elseworlds”) quer entre diferentes companhias. Neste último ponto, a razão está no facto de que personagens como os membros dos Squadron Supreme, dos Watchmen, ou dos The Authority respondem a modelos mais famosos da DC e/ou Marvel. Por exemplo: a partir do modelo-padrão do Super-Homem actuam o Doctor Manhattan dos Watchmen, o Hyperion do Squadron Supreme (e depois o do Supreme Power), o Apollo dos The Authority, o Mr. Majestic dos WildC.A.T.S., o Homelander dos The Boys, o Sentry da Marvel, o Supreme, e a misteriosa “figura paternal” do Jimmy Corrigan de Chris Ware. Quanto ao padrão do Batman, daria origem a alguns dos elementos do Owlman e o Rorschach dos Watchmen, o Nighthawk do Squadron Supreme (e depois o do Supreme Power), o Midnighter dos The Authority. Poderíamos continuar com este exercício, relativamente fácil de expandir e verificar.
Mas o que me importa mais perguntar é se não estará previsto na própria existência dessas personagens essa ideia de variação. Por duas razões. A primeira está na própria génese dos super-heróis modelos. Ainda que arrisque a apresentar uma mera tentativa e esquemática lista de influências, podemos dizer que o Super-Homem é ele mesmo padronizado a partir de personagens anteriores como Hugo Hercules, Doc Savage, Gladiator, Captain Easy, entre outros, e que o Batman é idealizado com elementos do Zorro, do Shadow e do Spider, do Fantasma, de The Clock, de Dick Tracy e a sua troupe de inimigos altamente estilizados e loucos. Estas personagens não são, portanto, totalmente “originais” num sentido prístino, são elas mesmas adaptações de papéis e elementos existentes anteriormente e adaptadas a uma necessidade ficcional do seu tempo: o homem-forte e o detective teatral trazidos para um mundo apenas um grau mais acima na escala da fantasia (e que a iriam escalar ainda mais com o tempo). Essa natureza de adaptação ao tempo verificar-se-ia quase sempre, sendo dois grandes momentos o período de criação de Stan Lee, Ditko e Kirby na Marvel dos anos 60 (no espaço de dois três anos inventam-se o Quarteto Fantástico, o Hulk, o Thor, o Homem-Aranha, o Doutor Estranho, o Homem de Ferro, o Demolidor, os X-Men, ressuscita-se o Capitão América...), introduzindo super-heróis com problemas diários e terrenos (problemas de dinheiro e amor para Peter Parker, angústias para o Coisa... e alcoolismo para o Homem de Ferro, que iria desembocar na famosa história Demon in a Bottle, de 1979) e a saga “cósmica” de Jim Starlin com o seu Warlock do final dos anos 70 (que tarda a ser reunida em livro) e a morte, por cancro, do Capitão Marvel, em 1982 (num tempo em que a morte das personagens ainda significava a morte, e não uma jogatina para vender mais papel). Mas estamos a deixar de fora tanta coisa... desde a Doom Patrol original (de Arnold Drake e artistas, surgindo em 1963, escassos meses antes dos X-Men, mas bem mais estrambólicos - ainda que provavelmente moldados no Quarteto Fantástico, esses sim, anteriores; enfim, não foi Morrison nem Rachel Pollack quem lhes incutiu essa inflexão absurda) ao período Steranko de Nick Fury, em 1968... Em suma, a experimentação de géneros e estranheza faz parte, não é revisão moderna.
A segunda razão prende-se com o aparecimento, no seio das histórias dessas personagens, de “versões” deles mesmos. Para ficarmos pelos dois mais famosos, repare-se na existência de: o Super-Homem vermelho e o Super-Homem Azul, o Ultraman e o Owlman (inventados por Morrison na JLA), o Nightwing e o Flamebird, o Bizarro, o Bat-mite, o Super-Soldier e o Dark Claw (da Amalgam, crossover com a Marvel, misturando o Super-Homem com o Capitão América e o Batman com o Wolverine), já para não falar do bat-cão, do bat-cavalo... haveria algum bat-morcego? Mais, não temos também nesse modelo do Batman a origem do Morcego Vermelho e do Superpato? Este jogo não tem fim. Já para não falar das dezenas de versões da “Elseworlds”, em que “personagens familiares como o passado parecem tão novas como o amanhã”, e aí pululam os Batmen pirata, príncipe egípcio, mosqueteiro, vitoriano, cowboy, vampiro, monstro de Frankenstein, e Super-Homens rei da selva, nazi, britânico, mau, soldado da Guerra Civil Americana. E, não nos podemos esquecer as versões que os misturam: em Superman:Speeding Bullets, Kal-El é adoptado não pelos Kent mas pelos Wayne. A última nota nesta veia é a capacidade de, presentemente (mais uma das tendências e estratégias narrativas estreadas por Alan Moore), se poderem visitar numa só história as versões históricas pelas quais todas estas personagens atravessaram, sendo a de Batman aquela que mais tem sido revisitada nesse jogo. Um exemplo é Planetary-Batman: Night on Earth, de Warren Ellis com John Cassaday. Isto é, numa qualquer premissa fantástica da história (um portal transdimensional, a derrocada dos multiversos, a convergência dos imaginários, o cruzamento de perspectivas radicalmente diferentes), observamos a mesma personagem em todos os seus avatares, por mais contraditórios que sejam entre si. Mas não o são, porque fazem parte da sua memória...
Ou seja, apesar da sucessão de revisões, revisionismos, ou, na gíria da indústria, “ret-cons”, essa não é propriamente uma surpresa... É parte integrante, faz parte da natureza intrínseca do género. O exemplo máximo e mais famoso é talvez o que John Byrne operou sobre o Super-Homem, em 1986, depois da Crise, reescrevendo basicamente tudo do zero. Mais tarde, essa mesma revisão seria revista, e assim sucessivamente. Por vezes, essa visitação a um passado ficcional pode tomar contornos humorísticos, como na série de Moore, 1963. Este autor introduziria a “memória falsa” das personagens tintada pelos estilos históricos desta banda desenhada, se não estou em erro, primeiro em Supreme, e que depois seria imitado por muitos outros autores (Jenkins com Sentry, Bendis com Demolidor, etc.). A escrita, hoje em dia, de todos estes imaginários, é como um complexo mecanismo de espelhos, em que cada movimento faz surgir tantos novos reflexos como faz desaparecer outros. Mas a própria origem destas personagens nasce, como toda a cultura, de modelos anteriores, são eles mesmos revisões desses modelos e papéis pré-existentes (o Super-Homem como um Moisés – um órfão - contemporâneo versus o Lex Luthor/Faraó, ou o Batman como um Édipo - um órfão - contemporâneo versus o Joker/Esfinge; estas interpretações são semi-patetas, mas todas as interpretações básicas o são...). Há portanto um equilíbrio interessante entre o “autoral” e o “comercial”, na medida em que os autores são dirigidos a um entrosamento da sua escrita e invenção individual nas obrigações editoriais. Aliás, os escritores trabalham sobre as bibliotecas das suas personagens, e sob a condução e directrizes editoriais. E é por isso que é curioso revisitar as bases lançadas por autores como Jack Kirby, que formou elementos quase que por acaso, e que agora coalescem num “universo coerente”, como víramos a propósito de The Eternals.
É preciso entender como as ideias transitam de um título para outro, nesse contínuo trabalho de, mais do que escrita, reescrita. Algumas coisas são muito simples: desde que o “campo de tachyons” surgiu, neste emprego, em Watchmen, ei-lo como uma espécie de McGuffin para explicar tudo o que se mantém inexplicável no território da ficção científica, ou melhor, do fantástico científico. Outras são mais vagas, conceptuais: a ideia de um fluxo de tempo no qual se pode entrar e sair, a de um plano de existência no qual tudo o que alguma vez se imaginou ou pensou é real e tangível, a de que o “universo” da banda desenhada pode criar portas com a “nossa” realidade e trocar objectos para proveitos suspeitos (veja-se The Authority, com um Kriegstein a criar super-heróis para o exército norte-americano, ou The Filth, para o resgate de armas incríveis do universo 2-D para o nosso). O próprio conceito de desconstrução do superherói, de tema e variação dos seus elementos, entrou em roda-livre. O tom irónico instalou-se, a capacidade metalinguística e metahistórica interna é agora moeda corrente em qualquer obra (lembrem-se como o Wolverine do primeiro filme dos X-Men é gozado pelo Ciclope quando este lhe pergunta se preferia, sobre o seu uniforme negro de cabedal – contributo de Morrison/Quitely -, um fato de spandex amarelo; ou vejam-se todos os diálogos de Bendis em Demolidor, para se caçarem referências obscuras a toda a história desse título e personagem). A polinização não é simples e por acaso natural, é imperativa e complexa.
Na década de 1940 e 50 era muito comum surgirem histórias do Super-Homem ou do Batman com um título curiossíssimo: “histórias imaginárias”.... Isto é, histórias que não fariam parte do “cânone” da empresa, que não seriam “parte íntegra” da continuidade das suas histórias, mas apenas breves e imaginárias versões (um Super-homem transformado em crocodilo, por exemplo). No entanto, como se perguntou Alan Moore uma vez, não são todas essas histórias imaginárias? É esse curioso balanço entre uma espécie de “verdade precisa” no interior desses universos e a “verdadeira memória” dos leitores de todas as histórias que torna esses paradoxos e tentativas de arrumação e bolsas de diferenciação e capacidade de variação em magníficas leituras cruzadas. Ou seja, o prazer está menos, provavelmente, nos títulos individuais, nas obras em si (apesar de existirem autores preferidos, quer escritores quer artistas) do que na contínua leitura cruzada, contínua, a um só tempo estruturante e fragmentadora. Por isso, quando a vexante questão das “graphic novels” se aplica às bandas desenhadas de super-heróis, tanto se pode referir a uma história completa e auto-conclusiva (como exemplo, Batman: Night Cries, de Archie Goodwin e Scott Hampton, ou Batman: Year 100, de Paul Pope) como aos “trade paperbacks” que reunem uma colecção dos comics mensais (p.ex. a saga do Batman: Hush, que junta duas dezenas de comics). Mas a questão é que mesmo que se leiam esses livros de uma só história, será bem complicado entender alguns dos jogos subtis da sua linguagem, das suas referências extra- e intertextuais se não se conhecer com algum rigor o que lhe está no passado (veja-se o que ocorre com o Joker, de Azzarello e Bermejo, que ganha na comparação com títulos anteriores, ou com o Final Crisis, de Morrison e colaboradores, ilegível sem toda a bateria restante). De certa forma, esta é uma das fortalezas deste género, é a de nos obrigar, na sua leitura, a uma rememoração das leituras passadas. Forçosamente. Não é uma mera opção cultural, é necessária para a sua interpretação e fruição. Por outro lado, é uma das suas fraquezas, já que a entrada nesse universo é difícil e lenta, e fechada a novos leitores ou leitores com preocupações diversas. Daí a dificuldade em falar de um ou outro título, sem arrastar com isso a consideração do que lhe está subjacente ou lhe é complementar ou que ecoa e que espelha, e assim sem fim... Daí a sua ausência geral do lerbd.
Grant Morrison almejava, com a sua contribuição ponderada e planeada, que o universo DC se viesse a tornar sentiente, baseado na teoria da emergência (isto é, em que movimentos ou elementos simples, ao se agregarem, pela simples mas imensa quantidade de interacções, farão emergir um movimento, sistema ou estrutura mais complexa do que a soma das partes). Mas há muito que estes universos o conseguiram, no pleno casamento que atingiram com a imaginação dos seus leitores.
Up, up, and away!
Notas: pelos empréstimos, alertas, convites à leitura, conversas, e debates acesos de nerdologia, agradecimentos a (sem ordem de especial) Vasco Lopes, Gonçalo Freitas, Marcos Farrajota, Daniel Maia, André Renato.
Nota suplementar: para garantir a honestidade intelectual, lembrei-me de dar a conhecer uma origem parcial de algumas das ideias aqui avançadas. Uma vez que havia lido o texto há algum tempo, só depois de o rever é que me apercebi de que devo em grande parte estas considerações a um texto de Henry Jenkins, cuja primeira parte (de três) encontram aqui. As outras podem procurar lá. As desculpas pelo aviso tardio...
Olá Pedro:
ResponderEliminarExcelente texto, mas...
Sinto falta de uma segunda parte, menos vôo de pássaro, mais problemática. Em que se abordem questões como "o corpo do super-herói como metáfora do corpo adolescente" ou (tema central neste género, segundo me parece) "a questão do vigilantismo como defesa da ortodoxia" ou, ainda, "heróis a cores num mundo a preto e branco: o maniqueísmo como limitação". Apesar de uma abordagem histórica (enfim... digamos assim para simplificar) bastante completa senti a falta de uma referência a Chris Claremont. Fico então à espera de novos desenvolvimentos :)
Não pode jamais este texto deixar de ser um voo de pássaro, uma ve que é um tema gigantesco. Todos esses temas, como sabes, já foram abordados de um modo ou de outro, e muitos outros até. Um que me seria eventualmente claro era a abordagem do conceito da compossibilidade (Leibniz, sobretudo, mas passando or muitos outros autores) aplicado à ideia dos "multiversos" (e outros que tais) nesta literatura. Mas o Jeff McLaughlin já fez algo similar no livro que ele próprio editou, "Comics as Philosophy". Não tendo lido o livro do Peter Coogan na íntegra, não sei se o contributo dele é particularmente forte, definitivo ou algo que o valha, mas pela amostra no "Comics Studies Reader" parece-me que sim.
ResponderEliminarQuando ao Claremont, sim, seria um nome a citar, especialmente por causa da saga da "Fénix Negra" e depois a sua morte (não definitiva). É claro que são mais as ausências do que as presenças no meu texto - Chaykin, por exemplo, ou mais atenção ao Ditko... - mas não se pode ter tudo nem queria ser (impossível) exaustivo.
Obrigado, e um abraço,
Pedro
Ótimo texto mesmo...
ResponderEliminarO mais interessante é ver todas as conjecturas e interligações entre personagens "bases" do imaginário coletivo que apesar de toda a mobilidade e espaço criativo que se possa experimentar se mantêm dentro do mesmo arquétipo... e apesar de toda direção pejorativa ou negativa que esse facto poderia levar, é justamente o mesmo que nos faz maravilhar com o o género!
Quanto aos roteiristas, senti falta do ótimo Peter David (Hulk, Superrgirl, Fallen Angel, X-Factor).
Parabéns!
Não era para ser "Uma palavrinha"?
ResponderEliminarLi o aviso, mas não dá para ajudar seu leitor com subtítulos!!