30 de dezembro de 2006
An Anthology of Graphic Fiction. AAVV (Yale University Press)
Sobre antologias já falámos muitas vezes, e o que elas significam enquanto gesto de agregação, de construção de critérios, de estabelecimento de prioridades e modelos.
A presente antologia foi compilada por Ivan Brunetti, ele mesmo autor de banda desenhada, quer num tom extremamente corrosivo e que se move nalguns graus de violência, ou de uma atenção subtil para com as biografias de outros artistas “incompreendidos” e “amaldiçoados” (Satie, Mondrian e Françoise Hardy, por exemplo). O outro aspecto importante é ser uma edição da Universidade de Yale, o que traz logo um peso de respeitabilidade grande... à partida, como veremos.
Brunetti confessa, enquanto editor, que as razões que o levaram a coleccionar os trabalhos aqui incluídos – apenas dos territórios norte-americanos, salvo uma excepção - se prendem com memórias pessoais, ou melhor, o facto de que estes trabalhos são aqueles que por mais tempo vibraram na sua memória pessoal ou que ele mais revisita nas suas leituras. Ora isto faz e não faz sentido, pois se de facto acreditarmos nisso, teríamos logo de nos perguntar porque é que não estão presentes quaisquer tiras de Schulz de uma forma mais directa, aparte dos trabalhos de homenagem ao mesmo por outros autores ou um artigo incluído desse autor; ou porque apenas se apresenta uma prancha de alguns autores clássicos; ou porque é o que o seu amigo Johnny Ryan não tem nada presente. Por outro lado, se bem que a antologia seja equilibrada em termos políticos, sexuais, estéticos e até cronológicos (mas o peso é bem maior nos trabalhos contemporâneos), algo nos deveria fazer perguntar porque é que não se apresentam quaisquer trabalhos de séries de aventuras, como as de Popeye, de Dick Tracy ou qualquer dos trabalhos de Milton Caniff (e já nem falamos de superheróis, obviamente). O problema não é estarem essas séries ausentes, pois isso teria a ver com uma escolha, que é sempre pessoal e intransmissível, mas falo das razões de fundo que levariam a essa opção, que não se torna clara na selecção final.
Há aspectos positivos: pela primeira vez temos acesso num só local o trabalho completo de Richard McGuire, Here, a meu ver um dos mais magníficos trabalhos na experimentação formal da banda desenhada, explorando as suas conturbadas relações entre espaço e tempo; mostra-se uma plataforma descomprometida e arriscada, ao colocar num mesmo objecto nomes tão sonantes na história e na contemporaneidade dos comics norte-americanos – Herriman, Sterrett, Crumb, Ware - como jovens com alguns mas recentes (e seguríssimos) passos – Huizenga, Heatley, Brinkman; denota alguma capacidade de arqueologia, ao repescar trabalhos menos acessíveis, como o de Mark Newgarden, de uma Raw, e trabalhos curtos de algumas outras antologias modernas contemporâneas; é uma estratégia inteligente em misturar banda desenhada tout court, objectos na fronteira e outras obras incategorizáveis (como as de Darger, ou até a de Panter); revela uma grande sensibilidade em juntar obras de tons tão dispersos e chega mesmo a arriscar-se inaugurar uma atenção, como na inclusão de Masereel numa obra destas...
Mas como disse, há alguns problemas na antologia, em termos gerais, e que o são paradoxalmente em relação às forças indicadas. Três. Em primeiro lugar, não me parece ser a promessa feita pelos parâmetros duma publicação deste tipo apresentar apenas excertos de unidades narrativas maiores. Quer dizer, se apresentar apenas três pranchas de Jimbo in Purgatory faz sentido, pelo próprio carácter fragmentário e citacional da obra de Panter, ou apenas uma “Sunday page” de muitas das séries clássicas (Krazy Kat, Polly and Her Pals e a contínua Gasoline Alley) apresentar apenas uma porção de uma história maior de Mark Beyer ou Richard Sala acaba por ser contraproducente em relação a uma visão do ritmo que cada um desses autores consegue criar, ou não é suficiente para entender as subtilezas da construção das personagens de Berlin de Jason Lutes ou de Maus de Spiegelman, e muito menos do fenómeno intricado que é o Jimmy Corrigan de Chris Ware. Poder-se-ia dizer que não havia outro modo de incluir estes trabalhos. Talvez a complementaridade de textos de introdução ajudasse. Em segundo lugar, a ausência de informações mais concretas da proveniência de cada trabalho (data, publicação, etc.) não torna esta antologia nem num instrumento de trabalho exacto nem sequer numa mais balizada forma de colocar os leitores menos familiarizados com estes trabalhos no caminho mais curto de uma descoberta mais acabada; o que a torna uma obra algo descoordenada perante os propósitos gerais de uma editora académica como a da Universidade de Yale. Finalmente, o título “ficção gráfica”, não obstante as desculpas do editor, não cobre precisamente o que é apresentado. Estas eternas questiúnculas sobre o nome não levam a grandes soluções se um equívoco (“comics”) é substituído por outro (“graphic novel”, “picto-fiction”, etc.); mais vale ficarmo-nos por uma denominação relativamente consensual em termos sociais, e aceitar que ele englobe os mais díspares objectos culturais (isto é, o mais amplo espectro do que a banda desenhada consegue atingir ontologicamente). É o que os próprios percursores indicados por Brunetti fizeram: as antologias do Smithsonian, e a McSweeney’s editada por Ware, etc.
Apesar de um bom conhecedor e leitor atento (até deste blog, se mo permitem) estar mais ou menos ciente de quase todos os autores e trabalhos incluídos nesta antologia, ela é, não obstante e passe o pleonasmo, mais uma antologia, e, enquanto tal, uma boa porta de entrada a um domínio tão amplo quanto a ignorância da esmagadora maioria dos leitores, inclusive aqueles que se deixam numa cegueira “aspectual” criada pela leitura de apenas um nicho da sua criação.
Nextwave. Warren Ellis e Stuart Immonen (Marvel)
A especulação sempre existiu na existência humana – a imaginação tem o seu papel, da ciência à religiosidade humanas. Mas a sua aplicação na literatura, limitando a especulação a formas de vida inexistentes ou soluções técnico-tecnológicas, e empregá-las para uma exploração das narrativas, é algo de mais recente na História. Voltaire e Cyrano de Bergerac são dois dos nomes indicados em muitas antologias ou estudos sobre a história da ficção científica, e o seu progresso e evolução arregimenta Mary Shelley, Conan Doyle, Edwin Abbott Abbott, H.G. Wells, Ray Bradbury, Stanislaw Lem, entre muitos, muitos outros... A ficção científica serve, afinal, não só como palco de especulação tecnológica (o laser, Gibson), como também de reflexão da condição humana (Bradbury), dos processos de socialização (Lem), da demanda por Deus (Clarke e Kubrick em 2001), da sexualidade (Rachel Pollack). É escusado falar do seu papel enquanto género narrativo em modos de expressão como o teatro, o cinema, a banda desenhada... Todavia, é também campo infinito de um divertimento sem fim. Warren Ellis é um autor que se apercebe de um modo muito fácil dos sentidos humorísticos que no fundo são possíveis de desenterrar nos universos da ficção científica, depois deste serem construídos, erguidos e com o riso, abalroados. Todos os seus títulos jogam na fímbria do encontro entre a ficção científica e outros géneros “clássicos” arrastados sobretudo pela indústria mainstream norte-americana de comics: desde o thriller de espionagem e policial (Transmetropolitan, Desolation Jones, Jack Cross) aos super-heróis (Authority, The Ultimates), até mesmo passando pela “arqueologia dos comics” (Planetary). E o humor sempre esteve presente...
Mas se ocupava um papel relativamente secundário e corrosivo nessoutros títulos, em Nextwave torna-se o verdadeiro motor da narrativa. Aliás, o enredo é tão básico, simples e tão dirigido “para a frente”, que recorda Little Nemo nesse aspecto: pouco importa a história global e os sentidos últimos de um suposto todo final, o que importa é a aventura a desfrutar nesse preciso momento da leitura. Nextwave é um grupo de superheróis da Liga Sem Honra, e cuja missão é seguir o plano terrorista de um grupo chamado Beyond e fundamentalmente dar cabo dos seus propósitos... Não há nada mais a acrescentar, a não ser uma lista ininterrupta e crescente de todos os clichés, por mais ridículos que eles sejam, do Universo Marvel, de toda a parafernália e chavões das aventuras dos superheróis, simplesmente para atingir a proverbial barrigada de riso.
Não é que deixem de existir percursores a esta estratégia. A própria Marvel sempre viveu a liberdade de fazer pouco de si mesma, sobretudo com títulos como What the...?, Marvel Tails, Crazy Magazine, Damage Control, o No-Prize Book e toda a série [nome do artista] Destroys the Marvel Universe. Mais recentemente, parece ter diminuído essa capacidade, a menos que se entenda a reedição de coisas espatafúrdias como Marvel Monster e uma saga como Marvel Zombies sob essa luz. Foi num desses títulos que surgiu o Forbush Man, por exemplo. Mais recentemente, poder-se-ia falar do título de Dan Brereton, Giantkiller. Neil Gaiman seria um indicador desse caminho, mas falta-lhe o humor; Grant Morrison é outra referência óbvia, mas há sempre um “sentido último” ao absurdo do escritor escocês. A filiação imediata é, mais uma afirmação óbvia, garantida por alguns dos títulos de Alan Moore, sobretudo a série 1963 (com os amigos artistas de Swamp Thing) e Top Ten (no qual Gene Ha enchia os cenários com todas as personagens de que se lembrava...). Tal como esses mesmos títulos, Nextwave é um título que terá um mais forte apelo entre os leitores hoje adultos que leram muitas Superaventuras Marvel e Heróis da TV, do que os leitores mais jovens que desconhecem esse material. O apelo chegará ao zero a quem não lê superheróis. A razão desse apelo é paradoxal: por um lado, fala à displicência com que se olha para trás, aos nos apercebermos do ridículo que eram essas aventuras, cheias de personagens coloridos e nada lógicos (mesmo para um universo onde a “suspensão da incredulidade” é rainha)... Jack of Hearts e Cristal (Dazzler em inglês) eram de facto o fundo dos fundos. Ellis desenterra essas personagens ridículas para as lançar num universo revisionista onde a única coisa que se pode ter por certa é violência gratuita e piadas sexistas ou sem nexo... Fing Fang Foom tem o seu papel, tal como Rorkannu (avatar de Dormammu, e se se lembram disso e dos Defenders, eis um excelente nível de alerta de “cromice aguda”).
Havendo menos espaço para essas explorações descomprometidas inauguradas pela Mad, devido aos novos balanços entre poderes judiciais e limitações da paródia criativa, e estar-se cada vez mais vergado às “necessidades do mercado”, Ellis consegue manter-se à tona da água ao criar mais um título, que seguramente chamará os seus leitores a levantar sobrolhos, mas a entender as razões últimas, de saúde mental e até existencial, que levam um autor deste peso a empregar a especulação em torno dos superheróis para, e não há outro modo de o dizer, “cuspir no prato de onde come”.
Nota: agradecimentos a Gonçalo Freitas, pelo empréstimo; a capa aqui mostrada é de uma edição especial, com informações de backstage sobre a série.
Sarjakuvia suomesta. Alguns títulos da Finlândia.
Não posso afirmar conhecer toda a produção de Marko Turunen, mas talvez não seja um erro, pelo menos crasso e redutor, dizer que ele explora dois caminhos paralelos. E o paralelismo aqui não serve de mera metáfora, mas verdadeira estrutura: pois são dois caminhos equidistantes em qualquer ponto do trajecto, o qual é partilhado.
Por um lado, temos uma espécie de “linha clara”, com a qual já trabalhara em Kill Bunny, vols. 1 & 2, e agora este Karhu (“Urso”). Violência, sexo, um humor feito de clichés e bitola baixa são os ingredientes, retirados de géneros bem diferentes daqueles que costumam ser os pertencentes a esta figuração. Mas é aí que reside a paródia, mais, a ironia desse uso “desviado”. Dentro do mesmo espaço de exploração, mas num meio diferente, inscreveria os seus curtos episódios na animação de volumes, que emprega personagens fisicamente análogos a uma família na qual os Moomins de Tova Janssen (recentemente reeditados pela Drawn & Quartely numa edição completista) também se encontram (na raiz?), mas que Turunen explora para pequenas rábulas absurdas. (Mais)
We are all looking for something new. AAVV (Re-Searcher)
Esta publicação é o catálogo em papel impresso da plataforma online (e de uma exposição) Re-Searcher, de Paula Balreira, que (re)apresenta toda uma série de artistas trabalhando numa área larguíssima a que podemos, de um modo mais ou menos inexacto, chamar de "ilustração". Eu preferiria ser mais materialista e dizer "desenho", eliminando assim as possibilidades de malentendidos, remetendo para outras experiências mais directas, como a Manual, de Alexandre Estrela, por exemplo, am antologiar autores que trabalham com tinta ou carvão sobre papel (ou outras superfícies)...
Encontrarão neste pequeno livro e no site nomes habituais da nossa praça, como André Lemos, Susa Monteiro, Bela Silva, Nuno Valério, Francisco Vidal, Filipe Abranches, e a sempre surpreendentemente livre Rosa Baptista. Outro motivo de felicidade é sempre encontrar trabalhos novos de Gonçalo Pena, que estamos em crer ser um dos mais fortes artistas vivos.
Estamos sempre há procura de alguma coisa nova, mas mesmo que as já conheçamos, virem de quadrantes diferentes ilumina-as de modo diverso.
26 de dezembro de 2006
El milagre de los pájaros. Ramiro Férnandez Saus (galeria Estampa)
Ramiro Fernández Saus é um pintor, e o seu trabalho mais conhecido é estabelecido nesse campo de criação, quer no seu país quer internacionalmente. Exemplos de artistas que tenham ou começado ou feito experiências no campo do cartoon ou da banda desenhada não faltam, e bastará citar Duchamp, Almada Negreiros, Lyonel Feininger, Rigo, para o exemplificar. Existem ainda experiências magníficas e que apagam limites entre a banda desenhada e as ditas “artes plásticas” ou “visuais”, usualmente cultivadas por elementos internos a essas artes - Max Ernst, Otto Dix, Lebedev, Eduardo Batarda, Philip Guston - mas também por “cultores” desta banda - Gerchner, Vaughn-James, Trondheim, etc..
El milagro de los pájaros é, pelo que entendo, um catálogo da galeria Estampa de uma série de doze quadros a óleo (50 x 61 cm), os quais foram expostos em conjunto com “un romance anónimo sobre el milagro de los pájaros”. Este catálogo pagina os quadros e o poema de modo a que possa ser lido como um livro ilustrado, nada confuso na sua forma e propósitos. Isto é, o peso e pertença ao campo da “pintura” é-lhe exterior, e não intrínseco. Mais, como se poderá ver, a própria insistência numa figuração de contornos trémulos, a existência de claras superfícies de cor coincidentes com espaços e objectos distintos, e a sua composição legível enquanto narrativa, em nada o aproxima de algumas das experiências atrás citadas. Não obstante, não deixa de ser este volume um caso interessante, e se não de charneira no que diz respeito a uma aproximação formal, estética, lançará, penso, algumas das questões mais pertinentes sobre quer a recepção e percepção social dos variados objectos culturais (e os nome e “pesos” que recebem) quer sobre os modos de divulgação e reprodução que afirmam a existência ontológica desses mesmos objectos.
Nota: agradecimentos a Richard Câmara, pela oferta.
O Hábito faz o Monstro #s 5 e 7. Lucas Almeida.
Já aqui havia falado deste fan, digo, zine, cujo mentor é sobretudo Lucas Almeida, apesar de surgirem trabalhos de outras pessoas (ou pseudónimos?). A atenção ao seu trabalho desdobra-se para além das arenas habituais, quer por ter ganho há pouco tempo o prémio dos Jovens Criadores na área de bd/ilustração, e por surgir como uma das “promessas para 2007” num artigo da revista do Expresso de 30 de Dezembro do ano a acabar.
Se o formato continua o mesmo, apesar da numeração soluçante (seguem-se agora apenas números primos), o conteúdo mostra-se bem mais variado mas sob o mesmo signo de liberdade dos melhores zines.
O número 7 é o que apresenta, até agora, aquela que me parece a maior e mais sustentada história da personagem-avatar do autor, o “Jovem”. Como se lerá na nota final, nasce o texto, um tecido de várias considerações sobre o amor, de um trabalho escolar do autor. A sua aplicação às aventuras desta personagem torna essas mesmas considerações ora em verborreia a ridicularizar ora numa lição sustentada por quem a apresenta (o demónio) ora numa lição negada pelo Jovem confuso... Nesse aspecto, recorda aquelas enormes notas criadas por Chester Brown em I Never Liked You, por exemplo. Mas a mistura de níveis e de tons, entre a profunda reflexão verbal sobre um complicado (se não o mais complicado) sentimento humano e a paródia das acções, também nos poderá remeter para os trabalhos de Miguel Carneiro, com o seu Sr. Pinhão.
A história de Johny Nero de João Alves, no número 5 (o número do “hálito” e “vómito”), é muito perturbadora, pois parece-se estar de alguma forma a falar da própria história que estamos a ver, e até sobre os propósitos dos desenhos e dos seus significados. Há um momento em que a personagem feminina (apenas o identificamos assim pelo penteado e as roupas, pois esta apropriação de uma outra banda desenhada apaga os rostos e transforma-os numa papa que pinga) aponta para uma folha – no interior das folhas que agarramos e lemos - totalmente a branco e diz “esta imagem bizarra.../...diz.../...tudo!”. Exacto!
A criação de imagens díspares e de objectos que se tornam de difícil categorização parecem não dizer nada, mas a sua bizarria são o mais comunicante possível.
Nota: para contacto, o email mantêm-se: lucasmalucas@hotmail.com
19 de dezembro de 2006
Mesinha de Cabeceira Popular # 200. AAVV (Chili Com Carne)
É escusado fazer aqui um historial de fanzines (não “zines”) que no primeiríssimo número se arrogam de poderes que jamais atingem, de querer mudar os panoramas da banda desenhada, de instigar novos valores e patamares de criação, de estabelecer uma contínua mostra de trabalhos mais ou menos alternativos, entre muitos outros fins propostos. A esmagadora maioria desses pequenos cometas é precisamente o de se dissiparem no resto da poeira.
Marcos Farrajota é um incansável agente das forças perenes do que de melhor se faz na frente fanzinística: autor, argumentista, desenhador, editor, publicador, distribuidor, publicitador, agitador, franco-atirador, crítico, desbragado ou nem tanto, feirante, enfim, um verdadeiro polimata envolvido numa área concorrida mas usualmente apenas em número. (Mais)
Zine de Joana Figueiredo.
Joana Figueiredo (Jucifer) já anda há muito tempo nos círculos dos zines de banda desenhada, sobretudo com o seu excelente Na Verdade Tenho 60 Anos, mas a cada novo gesto & passo, as peças integram-se numa ideia consolidada de que estamos perante uma autora acabada e com uma voz muito própria.
É mais credível que jamais vejamos Joana Figueiredo a criar um álbum ou livro no seu sentido mais clássico, não porque não tenha competência ou forças para isso, mas porque a sua linha de criação não se coaduna com esses objectivos classicizantes, e até traumáticos, que fazem acreditar muitos de que apenas o objecto-livro é sinal de qualidade ou de um bom nível de produção desta arte. Não há aqui nem esse desejo nem essa necessidade: os seus zines que surgem, ou os trabalhos curtos que se apresentam noutros zines, como o Mesinha de Cabeceira, desde sempre, mas com especial relevância para o seu último avatar.
I Know Mohammed is U’re Bitch. Eu vi-te no Martin Moniz com ele... #0 é o título exacto (incorrecções e tudo) deste zine e apresenta uma história de banda desenhada completa (com um par de uma espécie de terroristas pop, aqui retratados), e ainda desenhos soltos publicitários, uma bd a meias com Marte e uma bd deste, cujo traço está cada vez mais certeiro e objectividade serena. O humor de Joana Figueiredo não é, provavelmente, democrático, nem sequer acessível a um público alargado, e não por meras razões de visibilidade. É que o tipo de narrativas que tem criado (e que podem estar presentes em desenhos singulares também, por uma série de elementos incluídos neles) parecem ser feitos a partir dos acasos que todos poderíamos coleccionar a cada dia, se fôssemos mais atentos a eles, e dos absurdos que, no fundo, ditam e fundamentam as convenções sociais onde nos instalamos e que criam a “loucura da normalidade” (Arno Gruen), a qual aceitamos sem pestanejar. Estas pequenas histórias acabam por riscar a superfície dessa normalidade e, através do aparente absurdo dos desenhos, das figurações, das situações, das diegeses, estão antes a sublinhar algo que todos partilhamos e nos comanda os dias.
Apesar do “fuck the future” da personagem (idiota ou, pelo contrário, o mais radical dos “terroristas”), a verdade é que é um futuro que se constrói aqui para Joana Figueiredo.
Nota: para contacto da autora, jucifer@walla.com
10 de dezembro de 2006
Fun Home. Alison Bechdel (Houghton Mifflin)
Este é o primeiro livro de Alison Bechdel. Este não é o primeiro livro de Alison Bechdel. Para aqueles cultores da banda desenhada que, erradamente a meu ver, tornam o livro num patamar fetiche de maturação de um trabalho ou de uma obra ou sinal de visibilidade e dignidade dos mesmos, então poderíamos de facto dizer que é a primeira frase a mais correcta, já que Fun Home é o primeiro trabalho que Bechdel edita em formato de livro de modo imediato. Mas Bechdel já trabalha há alguns anos, autora de uma das mais idiossincráticas tiras de jornal das últimas décadas, em termos de conteúdo diegético: Dykes to watch out for (um jogo entre “Fufas com que ter cuidado” ou “a seguir com atenção”), sobre uma rede complexa e intricada familiar de personagens, cuja presença dos assuntos sexuais, o feminismo, a educação dos mais novos a uma abertura social descontraída, as contundências políticas dessa presença, as armadilhas morais, e uma descomprometida atitude se misturam dia após dia. E desta tira já foram editadas várias antologias e colecções.
Fun Home faz parte de uma grande família já tradicional na banda desenhada contemporânea norte-americana (e canadiana, e para além disso) a que se dá o nome, para bem ou para mal, de “autobiografia”. Sabemos que os cultores primeiros foram Justin Green, Harvey Pekar, Robert Crumb, apesar de podermos ir mais atrás, curiosamente com japoneses com relações nos Estados Unidos (Henry Yoshitaka Kiyama, Taro Yashima, Mine Okubo), e hoje há uma profusão imensa na qual poderíamos citar, desordenadamente, Seth, Chester Brown, Debbie Drechsler, Howard Cruse, Marjane Satrapi, David B., Fabrice Neaud, Frédéric Boilet, Phoebe Gloeckner... Mas apesar dos muitos exemplos que poderiam ser coligidos, e não obstante as diferenças entre todos estes trabalhos, a unicidade por direito de cada um, as forças específicas que perseguem, estou em crer que podemos criar dois grandes pólos de criação em termos gerais, que partilham a um só tempo um espaço geográfico e uma atitude. Por um lado, temos os do continente americano (Estados Unidos e Canadá) que usualmente perseguem fantasmas da vida maior que ela mesma (“bigger than life” é a expressão tutelar). É raro que as memórias e as autobiografias não lidem com algo que os transformou de uma maneira quase traumática: um cancro, a morte de um familiar, a descoberta de uma sexualidade ou precoce ou complicada (como todas?), uma violação, um aborto, um crime... As mais das vezes, a estruturação diegética é relativamente linear, com uma ou duas costumeiras analepses, para “arredondar” a história. Poderão, sem dúvida, criar obras magníficas ou duradouras (Binky Brown meets the Holy Virgin Mary, Stuck Rubber Baby, I Never Liked You) ou fulgurâncias mais delicodoces mas não de somenos importância (Blankets), mas em termos de osmose entre os comportamentos da memória humana e o seu acto de a transfigurar num relato não sofre grandes graus de alquimia artística. O mesmo não se passa com os autores francófonos, cuja figura tutelar, metapompo e fundador, é, sem dúvida alguma, Marcel Proust, que criou caminhos que se bifurcam, convergem e se im-plicam, e que por essa razão, ora directa ou indirecta, se entregam a uma maior exploração dos trâmites e labirintos da memória do que numa simples reapresentação dos factos que a compõem. Assim surgem Le Journal, L’Ascension du Haut Mal, Souvenir d’une Journée Parfaite.
O facto de se falar de auto-biografia não implica que tenha de haver uma completa e integrada coincidência entre o autor, o narrador e o protagonista. Muitas vezes podemos estar perante o recontar da vida do autor mas cujo centro de atenção é ocupado por um familiar (assim Chester Brown com a sua mãe em I Never Liked You, ou David B. com o seu irmão em L’Ascension...). Às vezes alcança-se ainda mais longe a convoluta vida da memória alheia, como E. Guibert o consegue quer em La Guerre d’Alan quer em Le Photographe.
Alison Bechdel conta aqui a história do seu pai, reconstrói parte da vida dele, e explora e expõe a rede de relações possíveis que ela mesmo estabeleceu com ele, durante a vida de modo silencioso, e após a morte do pai. A descoberta tardia das continuadas relações homossexuais que o pai mantinha com outros homens, mais jovens, despoleta essa rede de memórias. E é nesta palavra em que insisto, “rede”, que Alison Bechdel coloca a sua diferença de grau, se não de natureza, em relação aos seus congéneres norte-americanos. Se bem que estejamos também perante um acontecimento ou outro (socialmente) esmagador (a descoberta da sua sexualidade, a morte do pai, “o meu pai era gay”, o crescimento da adolescência para a vida de estudante universitária e adulta, etc.), Alison Bechdel não trata esse(s) acontecimento(s) de maneira explosiva. Bem pelo contrário, essa informação é-nos transmitida, assim como outras (a morte, as relações, os possíveis amantes), pelo material verbal, uma curta e simples afirmação, sem associar a nenhuma imagem conturbada ou pirotécnica. Como se fosse essa frase o ponto de partida para as explorações que se seguem. Porque a maior parte dessas descobertas e acontecimentos são também eles próprios iludidos pelas palavras que os nomeiam: “gay”, “lésbica”, “causa e consequência” são apenas marcos que ajudam a construir as frases com que comunicamos, mas nada ajuda a transmitir uma verdade mais cabal, uma “verdade erótica” como diz a autora...
Que os mapas não se confundem com os territórios, todos o sabemos. Mas isso apenas diz respeito e apenas funciona naquilo que, ilusivamente, chamamos de realidade (tangível, cronológica, externa). Nos campos da memória, é precisamente pela complicação de mapas que a construímos e alcançamos. Bechdel não só coteja, como justapõe e sobrepõe mapas diversos, o da vida do seu pai, o dela mesmo, o mapa do livro de colorir d’O Vento nos Salgueiros, o dos acontecimentos históricos circunstanciais, o das peças teatrais da mãe, o de muitas leituras – da qual se destaca, vezes sem conta e em muitas das suas facetas, À Procura do Tempo Perdido – o da sua escrita e desenho: o momento em que o pai completa com dois versos os da jovem Alison é apenas uma das instâncias dessa complementaridade aparente, onde a conjunção não apaga a distância e a dissemelhança. Um outro momento análogo, e onde a autora revela uma subtil perícia no modo artístico empregue (e aqui mostrado), é quando a jovem filha preenche um cheque para comprar uns livros da Mad, que o pai assinará, e a vinheta os mostra ligados num mesmo espaço contínuo e uma acção complementar (“bond”, diz o texto), mas que não deixa de ser “ténue”, cujo peso aumenta na representação do espaço da parede que separa as janelas pelas quais os vemos. Esta oscilação entre uma leveza e um peso, entre uma distância aguda e uma ligação inextricável, perpassa todo o livro. Tal como a contínua metalinguagem que procura associar e traduzir esses planos diversos uns aos outros e uns nos outros, “numa narrativa mais coerente” (pg. 196).
Para além disso, os mapas das memórias vão sendo redesenhados e sulcados sucessiva e cumulativamente por sinais (“cicatrizes”, se preferirem, ou “reescrita”), até a recordação original sumir-se na recordação presente: é a autora que o expressa pelos sinais gráficos do “acho eu” com que pauta o seu diário e, quem sabe, o próprio Fun Home. Esse jogo de reconstrução e renomeação começa pelo que é explícito pelo próprio título, já que “casa do divertimento” se refere à agência funerária onde o seu pai trabalhava, tendo-a herdado da família dele.
Em relação à pirotecnia mencionada, esta é evitada em todos os elementos de Fun Home. Ao contrário de alguns dos exemplos acima citados, não há nenhuma instância de figuração directa dos “pecados” ou das “faltas” cometidas, criando-se assim um espaço externo (etimologicamente “obs-ceno”) onde se encerram essas acções, cujas repercussões são sentidas (“em cena”) mas de uma forma diluída ou transfigurada, como no momento em que os ventos de uma tempestade súbita fustiga a casa e quebra árvores. O estilo de Bechdel é feito de contornos simples e eficazes, com pequenas moldagens dos rostos para a máxima eficácia da expressão das personagens, e a composição das páginas é regular, de grande legibilidade, afora os pequenos desvios integrados no programa narrativo. Mas tudo isto leva a um grau de simplicidade formal que é reequilibrado pelo rico e sonante vocabulário que utiliza nas suas frases, herança contínua das muitas leituras citadas e das experiências vividas, explícitas em Fun Home.
Não há mapas acabados, não há nomes completos, não há uma decisão final. Há uma linha de marcos espalhados que estabelecem as suas associações livres, esperando que possam desenhar uma constelação de onde emergirão sentidos, com que nós mesmos, leitores, estabeleceremos outras tantas relações. Fun Home é também um projecto de abrir os olhos e entender que o horizonte é bem maior do que gostaríamos que fosse. Não há mapas.
Fato de Macaco: o Símbolo. Rui Gamito (El Pep)
A personagem Fato-de-Macaco, de Rui Gamito, já havia sido apresentada numa outra história, publicada na colecção Lx Comics da Bedeteca de Lisboa (no. 8). Tal como esta aventura agora, O Símbolo, também essa outra era um pastiche dos mais variados géneros da cultura pop e pulp e até pimba. Mas se Fato-de-Macaco (Lx Comics) era um exercício relativamente linear e sem grandes sombras e projecção de significados, apenas o puro prazer de seguir a sequência, Fato-de-Macaco. O Símbolo, apresenta uma pequena dobra que o faz ganhar uma outra dimensão.
A personagem já parece querer dizer muito: precisamente por não dizer nada. Quer dizer, o corpo parece baseado numa mistura entre Conan, o Bárbaro, agentes secretos e o Bruce Willis de todos os filmes acerebrais que faz. Em O Símbolo, depara-se com a ameaça trazida por Ferdinand C. (baseado física e – a modo parcial – filosoficamente no Unabomber), e apenas lhe dirige ora questões, ora afirmações inócuas, ou frases banais de herói... O combate que se dá a punhos e explosões parece servir apenas de pirotecnia histriónica para sublinhar o erro de ambas as partes: as de Ferdinand C. em acreditar que é uma “revolução” que trará a consciência imediata a uma vida mais plena junto às pessoas, o herói, como todos os heróis, em querer manter o status quo (que parte de mãos misteriosas...) mesmo que isso lhe custe o seu próprio discernimento. O símbolo, afinal, é ubíquo e não esconde nada: a inércia das nossas vidas está arreigada a um ponto profundo.
Rui Gamito diverte-se, sem dúvida nenhuma, a criar esta história, pois ela, não se servindo do humor de um modo directo e não nos ofertando humor de uma forma clara, está toda sobre os signo do humor, e um humor que se esconde atrás do óbvio que nos distrai e apenas presenteia quem se esforça por vê-lo. Mais uma vez com a equipa de Virgin’s Trip, este livro sai com a chancela de el pep, mostrando o trabalho em consolidação de, talvez, o único verdadeiro atelier colectivo de banda desenhada do país. A parte de leão desta obra é de Gamito, todavia, e aqui ele deixa os seus largos contornos e traços, de uma aparente simplicidade e rapidez narrativa, serem preenchidos pelas cores e sombras de Rui Lacas, garantindo assim um maior peso à história apresentada. O excelente ensaio de Marte no final sublinha os aspectos panfletários que seriam possíveis, e parece-me acertar na mosca quando mostra, duvidando, o que Rui Gamito “quer mostrar”. É que não pode ser de um modo directo, correndo o risco de se soar um proselitista que além de incómodo é aborrecido; é preferível que seja feito como se se tratasse de uma brincadeira, de um rol de acção e furor de entretenimento, mas que mostra o seguinte: há algo que rebenta o mundo e no mundo para apenas mostrar, depois da poeira assentar, que pouco ou nada mudou. Pirotecnia em vão. Mas não a de Gamito.
9 de dezembro de 2006
La Pluie. Philippe de Pierpont e Eric Lambé (Casterman)
Uma coisa é ou não é. Se uma coisa é, ela tem de sê-lo de uma determinada maneira ou, por outras palavras, ela é assim/isto e não assim/aquilo. Para além disso, a coisa tem toda uma série de qualidades perceptíveis, que nascem da sua contingência, que podem ser a relação entre forma e matéria, a quantidade, o tempo e o lugar, a acção... Na filosofia, desde Aristóteles mas com um grande peso instituído por São Tomás de Aquino, é ente o que se chama qualquer coisa que é, essência ao ser de certa maneira dessa coisa, e acidentes às qualidades que essa coisa possui. São as diferenças entre essas noções o que permite classificar e organizar o universo. O homem muitas vezes enamora-se dos acidentes, sem reflectir sobre o facto de muitas vezes as coisas participarem da mesma essência, logo merecedoras de uma mesma atitude, respeito, amor. La Pluie, segundo trabalho da colaboração entre Pierpont e Lambé, é um exercício sobre os erros de perspectivação instigados por essa mesma falha. (Mais)
Un Ciel Radieux. Jiro Taniguchi (Casterman)
A proximidade da figura de Taniguchi e de Boilet vai dando frutos em termos editoriais, já que se nota por este título a rapidez com que um trabalho tão recente do autor japonês encontra a sua edição francesa. Mas isso não significa que o autor de O Homem que Caminha e da enorme e bela adaptação da saga literária Au Temps de Botchan mantenha sempre o mesmo nível das expectativas criadas por essoutras narrativas. Un Ciel Radieux parte de um expediente relativamente comum na ficção do fantástico no Japão: duas pessoas à beira da morte, e em que a alma de uma ocupa o corpo da outra (o mesmo se verificou num filme intitulado Segredo, de 2000, realizado por Takita Yojiro, em que a alma da mãe ocupa o corpo da filha). Nesta história em particular, essas pessoas são o jovem Takuya Onodera e o pai de família Kazuhiro Kubota, morrendo o corpo deste último no hospital depois de um acidente rodoviário entre os dois. Todavia, a alma ou o espírito de Kubota sobrevive durante algum tempo, comandando mesmo, no corpo de Onodera. Ao princípio, emerge o facto como uma terrível troca, mas quando a consciência do jovem Takuya começa a despertar “lá atrás”, sem grande controlo do corpo, as coisas começam a ganhar outros contornos, de desespero, de entendimento da fugacidade do tempo, das “verdadeiras coisas importantes” e um punhado de outros chavões um bocadinho delicodoces, mas não falsos, da existência humana.
Disse, acima, tratar-se do “fantástico”. Verbalmente, pela introdução e conclusão presentes na narração do próprio Takuya, tudo parece apontar a esse género literário, onde a dúvida dos acontecimentos se mantém suspensa precisamente para criar um ambiente mais forte em termos das pequenas pistas deixadas ao longo da narrativa. No entanto, como se entenderá pela diegese e pela representação, não é dado espaço ao leitor “duvidar” dessa situação: sabemos de modo inequívoco que essa situação (a alma de um homem no corpo de outro) se verifica, não há espaço para dúvidas. Logo, estamos no género do maravilhoso. Essa pequena confusão parece apenas uma questiúncula teórica, mas não é de somenos importância para nos apercebermos do algo deslocado tom de Un Ciel Radieux. Depois, todos os enredos deste tipo são sempre falhados nas suas interioridades, especialmente quando é necessário que as personagens exteriores se inteiram da verdade dessa situação incrível... o autor pretende apresentar crescendos de entendimento até chegar a uma comovedora cena em que a viúva de Kubota entende estar a falar com marido morto através do corpo do jovem; mas esse crescendo não seria necessário se o marido tivesse indicado uma informação qualquer que lhes pertencesse aos dois (e não seria necessário algo de dramático ou explosivo, indicar uma marca favorita de detergente ou lembrar ter perdido o passe social em Março seria tão eficaz como outra coisa qualquer...).
Depois, se no caso do filme citado se lançava uma conturbada rede de dúvidas em torno do incesto filial, aqui o tom positivo de “esperança no futuro” é por demais sentido para que se construa algo de surpreendente ou eficaz em termos humanos. É uma papa feita. Para além disso, se o estilo pouco expressivo e hirto das figuras de Taniguchi serve para as contemplações amenas de um flâneur japonês ou até para tragédias de escala doméstica, não se conduz bem num enredo tão melodramático. Esperemos outro Taniguchi.
Lily Love Peacock. Fred Bernard (Casterman)
Fred Bernard faz-nos necessariamente associar este livro como parte de um universo diegético maior, já que a protagonista, Lily Love Peacock, é a filha da protagonista dos dois livros anteriores de banda desenhada de Bernard a solo, a saber, Jeanne Picquigny, de La tendresse des crocodiles e L’ivresse du poulpe (na Seuil). Mas aqui seguimos somente a vida, numa analepse despoletada por um acidente, desta jovem moça, a sua relação com uma nova amiga, Rubis, e o seu esforço em mudar de vida.
A voz (perspectiva, ponto organizacional) parece de facto pertencer a esta jovem modelo (top), mundana e relativamente hedonista. As crises pelas quais atravessa, que se prendem com a consciência da futilidade do mundo em que se inscreve, do crescimento, do futuro, e até mesmo nos poucos casos em que temas reais, do nosso mundo, são indicados, parecem porém estar sempre sob um levíssimo signo da superficialidade, por vezes mesmo atroz. As angústias que a invadem de vez em quando jamais atingem um peso que a lance num verdadeiro conflito, gatilho narrativo que a transformasse numa personagem acabada, e apenas vemos uma pequena sucessão de acontecimentos ditados pela sua vontade (e porque pode: abandonar uma carreira de modelo para perseguir a de cantora de rock não me parece ser uma grande missão, nem sequer fechada sobre a “descoberta dela mesma”, mas uma mudança de pequenos prazeres; mais, o facto de existirem sempre obstáculos mínimos, ou nenhuns, a essas mudanças, sublinha essa mera passagem).
É deslocada, portanto, a “estranheza interior” de L.L.P. Não se coaduna às acções, experiências e mesmo verbalizações... É como se ela suspeitasse da banalidade do seu mundo, quisesse atingir um outro mundo mais aberto, mas o peso do umbigo não a deixasse fugir (continua a trabalhar, a mudar de roupas magníficas, a frequentar todas as capitais do mundo, etc.). Sendo ela quem escreve os poemas-canções, que se apresentam dactilografados ao longo do livro, temos acesso ainda a essa dimensão. Mas essas mesmas construções textuais são mais descritivas e falsamente portadoras de níveis segundos de importância ou significado que qualquer outra coisa. São eles que impõem um ritmo episódico à narrativa, servindo por vezes de separadores de cena; talvez se procure assim um certo tom diarístico, indirectamente, mas do mesmo modo incerto, irregular, apenas agindo a vontade do momento, as livres associações da memória e o modo como ela é estimulada das mais variadas maneiras. No entanto, não se cria propriamente uma personagem “redonda”, como soe dizer-se, mas um filtro de duas dimensões por onde passa esta sucessão de eventos, cuja unidade, lá está, apenas existe por esse filtro.
O desenho de Bernard é rápido, todos os traços de seres vivos ou objectos é feito pelo e com o mesmo traço, como que de esquisso, recordando-me toda uma geração francesa que associo à Charlie Mensuel (Gebé, Plantu, Cabu), apesar de Bernard cultivar um maior peso gráfico (sombras, mais linhas de “recheio”, etc, o que não poderia deixar de ser pelo seu maior programa narrativo). A arte parece-me ter essa mesma falta de ancoragem que o récit.
Borges disse que não há livro, por pior que seja, que não tenha em si uma frase memorável. A frase, em Lily..., talvez seja a cena em que o pai (um caçador vivendo em África talhado à Hemingway, ou John Houston, ou Jack London, todos citados directamente) está a definhar na cama: sucessivamente, a filha vai narrando os sons que ele faz - “rosna”, “silva”, “suspira”, “transpira” -, e a cabeça do pai vai sendo substituída, respectivamente, pela de um leão, serpente, facóquero, hipopótamo. No entanto, apesar desta ser uma das poucas metáforas visuais empregues de um modo claro e pertinente, o contexto não lhe serve, pela razões já apontadas das personagens não serem exploradas de modo consequente e profundo. Logo, a força que esta cena teria não é atingida.
Se a colecção Écritures, da Casterman, pretende mostrar as potencialidades narrativas profundas da banda desenhada, este é um dos livros que leva a pensar que nem sempre os critérios de qualidade seguem a mesma linha d’água, que as críticas de Menu têm fundamento real, e que o desejo de criar uma nova perspectiva global da banda desenhada nem sempre é cumprida pelos próprios editores que se arrogam desse papel.
Headgames/Morvel. AAVV (Meathaus&Alternative Comics/Angoulm Prod)
Estas duas antologias poderão ser discutidas em conjunto por uma simples razão. Ambas são criadas por um colectivo de jovens artistas, estudantes de artes gráficas ou áreas contíguas à ilustração e banda desenhada, com pouco ou nenhum trabalho editado em plataformas “visíveis” (apenas fanzines localmente produzidos e distribuídos de difícil acesso, ou colaborações esporádicas com várias revistas, uns quantos poucos títulos esparsos), que se reuniram numa publicação precisamente para atingir novos e mais alargados públicos. A relação de conjunto é diferente, porém. As estratégias de aproximação à criação de um espaço comum são diversas, diferentes entre cada projecto, mas ambos atingem um mesmo patamar, pouco arriscado e até inconsequente, da criação de banda desenhada.
A antologia Headgames é uma das edições da Meathaus, mas desta feita com apoio e co-edição da Alternative Comics, e reúne muitos dos seus autores habituais e outros novos. Alguns desses autores têm trabalhos próprios editados, como Thomas Herpich, Farel Dalrymple, Troy Nixey, Scott Morse, Jim Mahfood, ou Tomer Hanuka, o qual, com o irmão, publicou um dos mais interessantes títulos de comic books dos últimos tempos dos círculos alternativos, Bipolar. Outros editam aqui o seu primeiro trabalho, como disse, “visível”. No entanto, quer os autores mais conhecidos quer os novos acabam por ter uma prestação aqui medíocre, mas nem sequer atingindo com essa palavra o sentido mais histórico que eu havia utilizado a propósito de Kazuichi. Falo mesmo de um sentido mais banal, corrente: algo que não atinge um patamar mínimo de expectativas, quer as criadas pelos trabalhos publicados anteriormente, alguns deles com qualidades surpreendentes (como com Herpich). O título remete para uma expressão norte-americana que significa todo o tipo de ardis que fazemos uns aos outros com enganos, ilusões, mentiras, controlos que tentamos exercer sobre o próximo através de um poder de domínio mental (e moral). Este significado não é ilustrado pelas histórias curtas de um modo directo nem completo, mas sente-se sem sombra de dúvida que esse conceito está ali como uma matéria de trabalho, causa, sombra. Mas todas elas são praticamente vulgares, se não mesmo falhas e fracas. Parecem não mais do que pequenos exercícios de necessidade de uma expressão juvenil, sem grande ponderação ou diálogo entre um mundo aberto e conhecedor de outras experiências mais conseguidas em termos criativos (na banda desenhada e para além dela). As únicas excepções parecem-me ser uma assombrosa alegoria sobre juventude e morte, por Matthew Woodson, um enigma onírico, de Keith Graham, e a segunda história curta, a cores, de Herpich, que é uma versão de uma conhecida anedota circular.
Morvel é uma edição que reúne um colectivo que dá pelo nome de Morveaux (“Putos ranhosos”, em francês; e percebe-se o trocadilho de fusão com “Marvel”). São todos de Angoulême (possivelmente da escolha dirigida por Smolderen?) e cada um com o seu estilo particular, mas todos dentro de um estilo que se poderia chamar de “internacional”, e que ronda tanto o mangá como a banda desenhada infanto-juvenil francófona , passando ainda por estilos mais góticos (lembrando, por exemplo, Roman Dirge). O projecto é coeso até certo ponto. Cada autor ficou responsável por uma personagem, para a qual elabora uma pequena história; mas todas estas personagens se cruzam entre si, surgindo em cada história, e estas também se encaixam de vários modos umas nas outras; assim, no final, temos a ideia de um espaço-tempo diegético relativamente unificado e uma acção conjunta. No entanto, diferentemente de outros projectos de que já falámos antes (Seth, Clowes, Sapin), uma vez que se tratam de vozes autorais diversas, não se poderia esperar que cada um dos fragmentos funcionasse como uma unidade coerente. O que acontece é que cada uma das histórias é, enfim, fraca narrativa e estilisticamente. O tom geral é infantil e de aventura, tentando-se criar um álbum que possa ser lido por um público muito jovem e vasto e ávido de aventuras que sejam capazes de reunir toda uma série de referências díspares numa só história (super-heróis, ninjas, ciborgues e robots gigantes, histórias de terror e monstros da floresta, fantasias folclóricas, etc.). Nessa perspectiva, só mesmo uma verificação directa do seu sucesso comercial responderia se esse projecto e objectivo é cumprido. De um ponto de vista estritamente estético, estamos perante um objecto de muito boas vontades mas com um fraco poder de concisão e completude.
Não existem, de facto, dicotomias entre os meios e núcleos de produção europeus e norte-americanos, com ou sem o seu historial e mercado por detrás. As experiências de jovens estudantes, como em casos já anteriormente discutidos, nem sempre são capazes de nos ofertar propostas desafiantes. Estes dois casos confirmam que a voz autoral não é atingida com esforços mínimos, nem tampouco a visibilidade material de uma publicação.
Avaler la Terre. Osamu Tezuka (Kankô)
“Engolir a terra” foi publicado no final da década de 60, num Japão que começava a dar os primeiros passos seguros enquanto potência económica mundial, e onde o trauma da guerra se começava a dissipar em nome de preocupações mais entregues ao futuro. Foi também o primeiro trabalho de Tezuka para a Big Comic, uma das primeiras revistas semanais de mangá, e que tinha como público-alvo uma faixa etária de adolescentes mais velhos ou jovens adultos que não tinham ainda recebido uma atenção mais complexa de Tezuka. Se bem que esta obra seja posterior a Phoenix, uma das mais longas sagas (inacabadas) do autor, esta é a primeira tentativa num estilo que de facto se reveste de contornos mais sérios e adultos. Tezuka produzia cerca de 300 a 400 pranchas por mês, marcando assim um ritmo que seria emulado por muitos outros autores posteriores, vergava já sob o peso de uma companhia enorme de produção e sentia a necessidade de dar conta dos tempos que vivia, tendo em conta de uma forma especial o sucesso de outro tipo de banda desenhada então aparecendo no Japão, a gekigá (cujos elementos mais sombrios, mais realistas, mais agregados a pormenores aparentemente banais do quotidiano, começam a invadir as páginas de Tezuka).
A linha de fundo é relativamente simples, tratando-se de uma imensa vingança da parte de uma mulher, que terá como alvo não apenas o homem com quem sofreu directamente, mas todos os homens e, enfim, o mundo que eles construíram, marcado pela corrupção do dinheiro, da cobiça, da luxúria e do uso das mulheres como objectos, e pelas marcas da guerra e da selvajaria que ela impõem. Como consequência, Avaler la Terre acaba por ser também um comentário sobre essas paixões baixas do género humano e talvez uma chamada de atenção a um Japão que se desligava paulatinamente das suas tradições e filosofias mais estreitas à terra...
O tom mais sério a que me refiro está apenas a um grau de diferença de outros trabalhos de Tezuka, obviamente: existe ainda todo o humor gráfico “típico” da mangá (digo-o entre aspas pois é Tezuka quem o funda), os pequenos desvios que nos estranharão a nós, ocidentais, habituados a que um mesmo tom se mantenha de ponta a ponta, a figuração das personagens é ligeiramente diferente dos tratamentos mais arredondados e infantis de trabalhos anteriores, mas todo o resto das estratégias é idêntico... Digamos que a diferença fundamental reside de facto no conteúdo da história e nos temas que aborda. Além disso, há um curioso e oscilante ritmo dos “episódios” (que são nomeados a partir de elementos musicais: tema, motivo, desenvolvimento, variante, scherzo, etc.): não estamos perante uma série como Phoenix em que cada episódio faz uma história completa, conjugadas as quais se atinge um sentido maior, ou como Atom, de episódios sucessivos e de aventura do protagonista. Há uma linha contínua (a vingança das filhas de Zéphirus), que se vai desdobrando conforme seguimos o que se passa com os outros personagens envolvidos, mas há por vezes desvios (como no 11º episódio) por histórias de personagens sem qualquer relação com a narrativa central, ligados a ela apenas por um ténue fio material (a pele sintética, neste caso). Curiosamente, Kasuo Koike, um dos nomes mais sonantes precisamente de um estilo mais adulto e violento da mangá (sobretudo o famosíssimo Lobo Solitário), criaria uma série intitulada Yuki, com Kazuo Kamimura, que parte de um pressuposto semelhante aos traços largos desta história.
Não sendo uma obra tão profunda como a da vida de Buda ou Phoenix, é ainda assim um trabalho curioso que nos permite entender como Tezuka tentava dar conta da evolução dos tempos de um modo não só informado como de uma mentalidade atenta aos outros e alerta aos problemas dos excessos (do machismo, acima de tudo). Para além disso, a estrutura algo flutuante da narrativa não deixa de se mostrar irmanada a uma estratégia já aqui discutida nos exemplos de Seth, Clowes ou Sapin, mas que no encerramento da saga se mostra um todo acabado.
Nota: um problema "físico" é que este tankobon - livro pequeno de mangá - é de facto tão pequeno, que as letras do texto são minúsculas e são um desafio à leitura, até para pessoas habituadas a ler em transportes públicos ou apenas semi-míopes, como eu. Assegurem-se de boas condições de ambiente e luz para evitar enxaquecas.
Chacun cherche sa case. Delfine (Miniblog)
Este livrinho mínimo, menor que a mão e de 12 pranchas, faz parte de uma série de publicações relacionadas com o projecto danger public. Trata-se de um projecto que apresenta um trabalho de um determinado artista, uma história contida nesta publicação (vejam o catálogo), e que depois tem ligações continuadas apenas neste site, ao qual acedemos através de uma palavra-código (ofertada no livro). O que começa como uma inócua versão do Capuchinho...rosa é rapidamente interrompido pois a autora, Delfine, não deseja continuar: assim, a personagem principal sai das vinhetas e "invade" o "mundo real" (representado por fotografias como cenário). Depois, encontra mais duas personagens "recusadas", de bandas desenhadas "impublicáveis" e estas, ao descobrir a evasão da primeira, chamam todas as outras companheiras abandonadas para ocuparem o seu espaço na prancha abandonada, alterando assim aquela que havíamos visto na primeira página. Não há muito mais a ser descrito, é quase total esta apresentação.
Mas este exercício mínimo, cheio de humor, e obviamente construído para um público infantil (com pequenos pormenores que nos fariam pensar duas vezes se apropriados, mas vivemos uma época de uma feliz permissividade e naturalidade para com a vida), com a vertente lúdica interactiva permitida no site, abre um espaço relativamente interessante das possibilidades de "reciclagem" daquilo que não servira para o seu objectivo primário, mais uma possibilidade de estratégias editoriais e de apresentação, e ainda de inventabilidade da apresentação da banda desenhada através de novas tecnologias.
Espero não estar a cometer uma acção desonesta ao ofertar-vos a minha palavra-códigoque poderão usar no site: "danstacase". Amusez-vous.
Nota: agradecimentos à Simona, pela oferta!
Mas este exercício mínimo, cheio de humor, e obviamente construído para um público infantil (com pequenos pormenores que nos fariam pensar duas vezes se apropriados, mas vivemos uma época de uma feliz permissividade e naturalidade para com a vida), com a vertente lúdica interactiva permitida no site, abre um espaço relativamente interessante das possibilidades de "reciclagem" daquilo que não servira para o seu objectivo primário, mais uma possibilidade de estratégias editoriais e de apresentação, e ainda de inventabilidade da apresentação da banda desenhada através de novas tecnologias.
Espero não estar a cometer uma acção desonesta ao ofertar-vos a minha palavra-códigoque poderão usar no site: "danstacase". Amusez-vous.
Nota: agradecimentos à Simona, pela oferta!
5 de dezembro de 2006
Chris Ware na New Yorker.
Tal como no caso de umas belíssimas capas de livro ilustradas por autores do nosso gosto, serve este post apenas para um pequeno aviso, já que o não encontrei noutro lugar mais acessível entre a "comunidade bedófila"...
A New Yorker, uma conhecidíssima revista que sempre albergou a banda desenhada, o cartoon e a ilustração de uma maneira honrada e mais do que digna (basta ver uma mera lista dos artistas que por ela passaram), apresenta agora uma banda desenhada do inimitável (sem que com uma possível imitação se caia no ridículo) Chris Ware.
Esta banda desenhada é feita de quatro "pranchas", que ocupam quatro capas alternativas da revista (deve ser influência da Marvel), e ainda uma banda desenhada interior. Podem ver tudo aqui, assim como escutar uma curta mas interessante explanatio do próprio Ware. A banda desenhada ronda a história de uma família, desde a II Grande Guerra aos nossos dias, o tema do Dia de Acção de Graças (o dia da família, nos Estados Unidos, que ocupa o nicho cultural do nosso jantar da Consoada) como ponto, a um só tempo, agregador e segregador. É precisamente por essa razão dúplice que, e como não poderia deixar de ser, a estruturação das vinhetas, a organização temporal, enfim, a tressage (para falar como Groensteen), é complexa e intricada. A sua leitura atenta e completa é que estabelecerá as relações entre todas as personagens, espaços, e acções, e um sentido último.
Boa leitura.
A New Yorker, uma conhecidíssima revista que sempre albergou a banda desenhada, o cartoon e a ilustração de uma maneira honrada e mais do que digna (basta ver uma mera lista dos artistas que por ela passaram), apresenta agora uma banda desenhada do inimitável (sem que com uma possível imitação se caia no ridículo) Chris Ware.
Esta banda desenhada é feita de quatro "pranchas", que ocupam quatro capas alternativas da revista (deve ser influência da Marvel), e ainda uma banda desenhada interior. Podem ver tudo aqui, assim como escutar uma curta mas interessante explanatio do próprio Ware. A banda desenhada ronda a história de uma família, desde a II Grande Guerra aos nossos dias, o tema do Dia de Acção de Graças (o dia da família, nos Estados Unidos, que ocupa o nicho cultural do nosso jantar da Consoada) como ponto, a um só tempo, agregador e segregador. É precisamente por essa razão dúplice que, e como não poderia deixar de ser, a estruturação das vinhetas, a organização temporal, enfim, a tressage (para falar como Groensteen), é complexa e intricada. A sua leitura atenta e completa é que estabelecerá as relações entre todas as personagens, espaços, e acções, e um sentido último.
Boa leitura.
3 de dezembro de 2006
Moult Belle Conjointure.
Tal como nesta belíssima prancha de George Herriman, de Krazy Kat, podemos ver a banda desenhada como uma sucessiva camada de novos mares, que se vão complicando e implicando uns nos outros, criando um imenso oceano unido, mas no qual conseguimos ainda, de algum modo, vislumbrar as pequenas diferenças que o compõem...
Tenho o grato prazer de estar a desenvolver um trabalho de ensino na nova licenciatura em Banda Desenhada e Ilustração, ministrado na Escola Superior Artística do Porto, extensão de Guimarães, como já havia sido anunciado.
Uma das disciplinas de que sou responsável é a Abordagem Histórica da Banda Desenhada e da Ilustração. Apesar do nome, sigo um programa mais amplo, ambicioso e problematizante, do que uma mera cronologia de datas e nomes, sobretudo dedicado a algumas formas de entender o que pensar quando se olha para a banda desenhada e a ilustração. Para tornar as informações mais acessíveis, as ideias mais claras e o espaço de "atendimento" e de discussão mais aberto e permanente, criei um novo "blog de apoio" a essas aulas, onde teço algumas considerações relacionadas com as aulas, e seguindo aproximadamente a ordem das matérias. Chama-se Moult Belle Conjointure (uma citação de Matthew Paris), e estão desde já convidados não só a visitá-lo, como a debater as ideias nele apresentadas, de modo a contribuirem para este novo e crescente programa, e a ajudarem-me a consolidar alguma das linhas de pesquisa nele avançadas. A linguagem é bastante simples, precisamente para ser o mais acessível possível, ainda que se dirija a jovens estudantes do ensino superior. Nota: não se esqueçam de ler desde o primeiro post para o último, i.e., de baixo para cima, pois esses textos seguem uma "ordem de ideias". Os textos não são tão autónomos como os do lerbd.
Bem-vindos à escola do século XXI.
Tenho o grato prazer de estar a desenvolver um trabalho de ensino na nova licenciatura em Banda Desenhada e Ilustração, ministrado na Escola Superior Artística do Porto, extensão de Guimarães, como já havia sido anunciado.
Uma das disciplinas de que sou responsável é a Abordagem Histórica da Banda Desenhada e da Ilustração. Apesar do nome, sigo um programa mais amplo, ambicioso e problematizante, do que uma mera cronologia de datas e nomes, sobretudo dedicado a algumas formas de entender o que pensar quando se olha para a banda desenhada e a ilustração. Para tornar as informações mais acessíveis, as ideias mais claras e o espaço de "atendimento" e de discussão mais aberto e permanente, criei um novo "blog de apoio" a essas aulas, onde teço algumas considerações relacionadas com as aulas, e seguindo aproximadamente a ordem das matérias. Chama-se Moult Belle Conjointure (uma citação de Matthew Paris), e estão desde já convidados não só a visitá-lo, como a debater as ideias nele apresentadas, de modo a contribuirem para este novo e crescente programa, e a ajudarem-me a consolidar alguma das linhas de pesquisa nele avançadas. A linguagem é bastante simples, precisamente para ser o mais acessível possível, ainda que se dirija a jovens estudantes do ensino superior. Nota: não se esqueçam de ler desde o primeiro post para o último, i.e., de baixo para cima, pois esses textos seguem uma "ordem de ideias". Os textos não são tão autónomos como os do lerbd.
Bem-vindos à escola do século XXI.