29 de dezembro de 2005
Will You Still Love Me If I Wet the Bed? Liz Prince (Top Shelf)
O meu companheiro bloguista-bedéfilo Ena que me perdoe, mas ele(a) não poderia estar mais a leste da leitura deste livro ao chamá-lo de "graphic novel". Aliás, bastará ler duas ou três páginas para nos apercebemos estarmos perante uma narrativa contínua, mas antes uma colecção de pequenos eventos que compõem uma "vida a dois". De acordo com várias informações espalhadas na internet e na imprensa, Will you still love me...? colige uma série de bandas desenhadas que a autora Liz Prince fez em postais e enviava a vários leitores/fãs deste seu trabalho. Logo, não pode existir essa narrativa contínua...
Mais, toda a série é de facto reduzida a pequenos episódios, se não mesmo "anedotas" entre os dois namorados, afora os episódios em que o gato ou o telefone se mete pelo meio... Por essa razão, e pela estratégia mesmo escolhida - que não nos surpreenderá ser apadrinhada por Kochalka -, os acontecimentos retratados são os de maior carinho, delicodoces, brincadeiras amorosas entre dois apaixonados. Mesmo nas partes que apontam um caso mais agreste, é para ser imediatamente corrigido na mesma linha de "doçuras" (lembra mesmo o verso d'Os Heróis do Mar: "O amor, não me mataste o desejo"). E fica-se por aqui, nem havendo cantos obscuros, nem se entregando a confissões mais íntimas, sexuais, cruas... É uma espécie de linha contínua de bem-estar.
Ora, se bem que isso não torne o livro desinteressante em si, e os desenhos "minimais" e simples (com os traços a lápis visíveis) de Liz Prince ajudem a esse ambiente geral de apontamento diário da doçura, também o não torna nenhuma obra-prima ou grande desvio de um género a que se dedicam muitos dos jovens autores contemporâneos, passando obviamente por Jeffrey Brown, o outro padrinho da autora. Mas este último, talvez porque possua um olho mais atento às tragédias de cada minuto, consegue transmitir as flutuações de humor, amor e vontade que fazem de nós verdadeiros seres humanos... Liz Prince não, apenas estas anedotas. Por isso mesmo, talvez possua esse valor, o de inscrever no género da autobiografia uma pequena obra apenas feita de boas disposições, encaixando-se nos trabalhos mais "leves" (em termos existenciais) de Kochalka, colocando esse tom num registo mais "quotidiano-real".
Conversation#1 + #2. James Kochalka, Craig Thompson e Jeffrey Brown (Top Shelf)
Há várias formas de pensar. Pensar nem sempre pertence à esfera do intelecto, da distância, do conceito, podendo ser expresso através de actos, sendo o criativo aquele que nos parece ser o mais iluminado e mais iluminador a um só tempo. O artista, portanto, através do seu próprio trabalho - ainda que superficialmente surja enquanto produção ficcional, de entretenimento, seja de que resolução for -, é também crítico sobre o modo como o seu trabalho, a sua linguagem de partida e a que está criando, a sua arte, pode ser feito. Por vezes é até específico nessa pesquisa e crítica.
Os casos aqui indicados são não só específicos, como directos. Isto é, não é essa pesquisa velada, mas claríssima em termos de propósitos e formas de expressão. James Kochalka é conhecido de, para além das pequenas aventuras de episódios delicodoces que apresenta (Peanutbutter & Jeremy, Moneky & Robot, Magic Boy, editado entre nós na Polvo), dos seus Sketchbook Diaries (parte pequena já editada na Quadrado # 2, da Bedeteca), e de outros objectos estranhos (Superfuckers), dedicar-se a outros títulos onde explora directamente as possibilidades de expressão com a banda desenhada, como com The Horrible Truth About Comics (Alternative, 2000). Conversations não é um livro de entrevistas, não se trata de um livro de ensinamentos técnico-profissionais (como os de Eisner, por exemplo), nem um ensaio multi-disciplinar (leia-se, "salada epistemológica") como os volumes de McCloud, nem um livro de ensaios livres (como o título de David Soares), nem um volume de sistematização intelectual (à la Groensteen) nem um desafio disciplinar (à la Baetens), tampouco uma apresentação de experiências pessoais no campo (Levin). São tão-simplesmente um diálogo, desenhado "a quatro mãos" (na verdade, a duas, certo?), criando uma troca de impressões, pesando toda a significação detsa última palavra, entre dois interlocutores que criam banda desenhada. Um exercício apenas formalmente próximo doutros, mas que aqui se reveste de uma mais substancial preocupação. Questões gerais como "o que significa o acto criativo?", "que forças de pensamento quase-inconsciente se instituem com o desenho?", "que tipo de representação do mundo se atinge com a banda desenhada?", "que relação pretende um autor estabelecer com os sus leitores, empíricos, reais e internos à obra?", entre outras... Não se espere estar perante respostas últimas, riscos insuspeitados, fórmulas a citar mais tarde, rasgos de profundidade. Estamos perante buscas. Mas isso é extremamente importante, honesto, belo... É já um grande risco um autor deixar-se transparente perante as suas buscas. Kochalka, falando com Craig Thompson e depois Jeffrey Brown - certamente companheiros de um certo modo de criação de banda desenhada com elementos em comum, que terão a ver com uma certa afinidade da criação do mundo possível nesta arte - mostram alguns dos puros prazeres ensimesmados que a criação da banda desenhada pode representar, do qual estes livrinhos são o mais recente acto consumado, como também desafio "perante Deus" que se pode aventar a partir desse mesmo acto.
Quando se fala em "pequenos grandes livros" pode-se a maior parte das vezes incorrer numa péssima e formulaica expressão. Não é o caso.
Senses. AAVV (Savannah College of Art & Design)
Há relativamente pouco tempo, tive a oportunidade de escrever sobre o "Memórias 10", uma publicação que saía dos esforços pedagógicos de uma instituição em Portugal. Apesar da minha recepção pessoal não ter sido das mais entusiastas, não significava isso - como se poderá depreender pela minha tentativa de fazer uma leitura cabal e próxima - que não o olhasse como um objecto desejável, um projecto louvável, uma experiência necessária. Gostaria de repetir algumas dessas considerações para este Senses, que sai também de uma vontade associada a uma plataforma de aprendizagem em "narrativas gráficas", e que tem como tema de trabalho nas suas dezenas de histórias aqui antologiadas, após uma selecção, os sentidos do corpo humano.
Mas não consigo.
Uma das forças necessárias à crítica é que as obras analisadas comuniquem algo que possa ajudar a estabelecer um diálogo com o crítico. É o trabalho deste último procurar que ligações são possíveis, operativas e que revertam a uma maior ou mais sentida leitura e aproximação dessa mesma obra. Senses, porém, é um livro silencioso. Os trabalhos aqui reunidos são tão desinteressantes, tão derivativos e tão sem pertinência própria que torna todo o significado dos (seus) sentidos numa espécie de parilisia terrível. Este é um instrumento péssimo de divulgação à possível (necessário talvez seja forte e assertivo demais) educação técnica e criativa neste terreno...
24 de dezembro de 2005
Woody Allen. João Paulo Cotrim e Pedro Nora (Éditions Nocturne/Corda Seca)
Eis a leve neve musical prometida pelo João Paulo Cotrim, a quem retribuo o comprido cumprimento, com os flocos caindo nas formas que o Pedro Nora desenhou... Já que nestas paragens, só bolas de papel...
Não há muito - ou eu não tenho muito - a acrescentar em relação ao volume que antes reunira estes dois autores, sendo que apenas a ligação directa à vida do autor se torna ainda mais ténue, menos dirigida. Porém, como não o poderia deixar de ser, já que desta feita não se trata de uma antologia de músicas de um músico, mas antes as várias canções e temas musicais que serviram de fundo e respiração aos muitos filmes de um realizador? Para que servem essas músicas? Ilustração? Decoração? Encher uma cena? Marcar o compasso das personagens que se movem? Ou serão antes colocadas de uma forma viva desde o início do pensamento-em-filme, para que este último se incorpore de uma forma mais acabada? O mesmo tipo de dúvidas e, por isso, dança subtil, se estabelece entre este novo diálogo entre Cotrim e Nora. De certa forma, não se trata de uma obra para fruir estética e intelectualmente, mas para degustar como quem trauteia...
22 de dezembro de 2005
Está alguma coisa a arranhar à janela. Roman Dirge (Vitamina BD)
Não desejo arrastar-me (nem arranhar-me) muito na leitura deste livro, já que me pertencem duas das mãos que o traduziram para o nosso idioma, na companhia de Pedro Silva, o editor. Roman Dirge é o autor famoso de Lenore, que, juntamente com outras criaturas como a Emily, the Strange, faz as delícias dos delicodoces góticos que pululam nos nossos dias, trazendo mais cor (ainda que só preto e vermelho) aos nossos dias. Ainda que não seja um fã de Dirge não é de menosprezar o trabalho e a qualidade que imprime nos seus desenhos, colocando-o próximo de toda a série Johnny the homicidial maniac, de Jhonen Vasquez, ou numa tradição que encontra um nó forte em Tim Burton, no livro ilustrado The Oyster Boy/O Rapaz Ostra..., ou o insuperável Edward Gorey. Estes dois últimos autores têm títulos em português pela Errata.
Não sendo da sua colecção Mancha Negra, a VitaminaBD resolveu apostar num outro tipo de "negro", desta feita um humor corrosivo que pode trazer à baila criaturas amorosas e criancinhas, mas seguramente que não para as colocar em situações confortáveis. Os textos são poemas que muitas vezes não garantiam a mesma força com as imagens, mas só os leitores poderão dizer se a sua versão portuguesa respeita, reforça ou se falha nesse diálogo...
Same Difference and Other Stories. Derek Kirk Kim (Top Shelf)
Este livro já tem pelo menos dois anos, o que escapa a uma das regras impostas neste blog, de apenas falar em edições recentes ou reedições caso se trate de um novo acesso ao mesmo “texto”. Se as excepções ajudam ao reforço, que assim seja. A minha edição, porém, é mesmo de 2005.
Derek Kirk Kim é um dos mais profícuos autores cuja obra ganhou larga publicidade através da internet, graças ao seu site. No entanto, esse argumento não trará nada de surpreendente e específico em relação às potencialidades da internet sobre a feitura da banda desenhada. A sua produção era conforme uma eventual futura publicação em papel, não obstante as “pranchas” serem apresentadas num longo (ainda que em capítulos) “rolo” que se tem de “scroll down”... (Dois exemplos da forma como se podem apresentar bandas desenhadas de uma forma específica à net podem ser vistos em dois espectros opostos, desde uma simples disposição gráfica das vinhetas numa montagem, como a Chan Woo Kim, de Kevin Huizenga (repescada em Or Else #3) e a criação de conteúdos impossíveis de repetir numa edição em papel, como Delta Thrives: Set the controls for the heart of the sun (e as outras obras no site), de Patrick S. Farley).
Como se poderá confirmar na cronologia que o próprio autor apresenta, este livro apresenta trabalhos que vêem desde 1997 até fins de 2003. E verificarão também, de acordo com essas datas indicadas, a natural e visível “evolução” do traço do artista. Escrevo evolução entre aspas, pois na verdade não sei se estamos perante uma transformação irreversível, de um “avanço” e “melhoria” ou simplesmente frente às várias capacidades gráficas, aos “estilos” a que Derek Kirk Kim se pode entregar. Por isso encontrarão sobretudo três “estilos”: um mais abonecado, com grandes metáforas visuais, corpos flutuando acima do solo ou seguindo vários estratagemas clássicos (à la Barks, apetece dizer) – assim, Valentine’s Day, The Shaft, etc.; um outro, bastante mais próximo da referência com o real - Super Unleaded (que parece ser escrita sob a égide de Adrian Tomine); e outra com um traço solto, de compromisso entre as duas opções, ora inclinando-se para o pendor mais realista – Pulling – ora cristalizando-se numa forma leve – Same Difference (que o colocará numa família grande, quer americana – Bob Fingerman, Chester Brown – quer francesa – David B., p. ex.).
Mas não só os estilos gráficos diferem. Também os tons e os propósitos das histórias, cheios de humor a maioria das vezes, sejam sub-tematizados pela autobiografia ou absolutamente ficcionais (e aqui utilizando o que parecem personagens tentativamente regulares ou não, etc.), e outras mais “sérios”... Há mesmo uma série de multiplicidades e níveis de diferenciação que tornam este livro mais interessante por essa razão do que pela sua coesão autoral propriamente dita. Same Difference, apesar de ser um título da primeira (e mais bem conseguida) história, e ter aí um sentido muito especial, assume assim outra leitura mais geral.
A verdade é que se cada história encontrará seguramente o seu leitor ideal (existirá?), a junção delas todas num só volume pode levar a que os valores instituídos por uma delas seja anulado pela leveza de uma outra. No fim, termina-se com um estranho gosto de uma salada mal casada, pois os valores em causa não se multiplicam entre si. Penso que se Kim tivesse editado apenas Same Difference numa só publicação, menor mas necessariamente mais coerente, porque una, teria ganho uma atenção redobrada e mais sentida.
A vida dos autores coreano-americanos é muito complicada, associada a uma diáspora forçada pela Guerra de 50 e anos seguintes e a miséria que se seguiria nos 20 anos seguintes (o número de crianças adoptadas por cidadãos norte-americanos, canadianos e europeus na década de 70 é, no mínimo, assombroso). Por outro lado, não é insólito encontrarem-se em situações que repetem umas das piadas mais conhecidas de King of the Hill, série de animação de Mike Judge (autor de Beavis & Butthead); quando Dale se aproxima de um migrante do Laos, pergunta-lhe: “És chinês ou japonês?”, ao que o outro responde vir do Laos; Dale pensa um segundo e depois pergunta-lhe: “Então és chinês ou japonês?”. É como se os nossos cérebros e referências culturais só tivessem lugar para um ou dois clichés e ideias e não pudessem acreditar na existência de outras opções mais complexas... Existem mesmo grupos de autores (artes visuais, fílmicas, etc.) que se juntam para que exista uma presença e afirmação mais forte das suas especificidades... É óbvio que existirá logo um argumento contrário a esta atitude, que pode ser vista como nacionalista ou demasiado grupal, um argumento mais inclinado a uma importância pessoal, individual, enfim, a única forma que teremos alguma vez de ler o trabalho de um artista forte e significativo. Talvez pareça estar a perder tempo nesta questão, mas para Kim – o que também não é surpreendente – a afirmação nacional e cultural é importante, se não mesmo central. Não atingindo níveis politizados elevados, ou que mostrem alguma profunda crise, uma espécie de corte violento na sua personalidade, mas antes revelando-se até como bem disposta fonte de felicidade, essa é uma questão que não está longe de quase todas as histórias aqui reunidas, sobretudo na primeira, ainda que mais velada do que nalgumas outras seguintes.
Estando todas estas histórias disponíveis no seu site, não há qualquer mais valia em relação à sua edição em papel, nem qualquer refazer ou recriar, por isso trata-se tão-somente de uma transposição a um outro leitorado... Ainda assim, merecerá a atenção este jovem autor que, não sendo um inventor ou um arriscado experimentalista, mostra alguma proficiência na aplicação dos mecanismos mais clássicos da construção de uma banda desenhada.
Memórias 10. AAVV (Citen/Fundação Calouste Gulbenkian)
Esta publicação, apesar de ter nascido no seio de um curso – com todo seu encargo pedagógico, experimental, estruturado por etapas e projectos muito bem definidos -, não pode ser vista como uma espécie de “álbum de curso” ou como “coroa” do trabalho desenvolvido pelo mesmo, a saber, o curso do Centro de Imagem e Técnicas Narrativas, que até à data tendo guarida e apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, prepara-se este ano para transitar para o interior da ESBAL, mantendo-se os seus formadores, a sua razão de ser, ainda que haja uma nova abertura e necessária mudança de estratégias. Deve antes, portanto, ser visto como uma publicação relativamente independente dos propósitos gerais do curso, ainda que sob os auspícios de dois formadores centrais, Zepe (José Pedro Cavalheiro) e Miguel Valverde, e erguido pela vontade dos autores participantes. Segue ainda uma espécie de regra interna: são todos projectos (10) de colaboração entre um argumentista (mesmo que este se desdobre em duas pessoas) e um artista. Logo, têm todas as histórias um pendor narrativo – mais ou menos claro, conforme os exemplos – o que não surpreende, dado o nome da instituição agregadora. Seja como for, o historial está feito na própria publicação. A única frase desses textos introdutórios mais misteriosa é a última, rezando que “no contexto nacional em que a livre vontade e a associação de pessoas continua a não existir”. Não entendo mesmo a que se referirá, já que nos poderíamos perder numa tarde inteira sobre exemplos de colaborações em banda desenhada na nossa praça, se bem que todas sempre com frutos e alcances diversos.
A eles, os exemplos, vamos, sem nenhuma das leituras se prestar à sua imediata aplicação a todo o projecto, que se prevê diferente todos os anos da forma mais profunda, aliás como outras publicações já aqui discutidas...
É curioso ser o tema unificador a memória, já que este é um tema francamente ausente da produção nacional na banda desenhada, seja esta entendida como depósito colectivo seja como vivência pessoal. Se bem que possamos elevar qualquer autobiografia como um exercício de memória, são poucas as obras que conseguem fazer com que os próprios mecanismos da memória exerçam uma forma e uma experimentação no modo como essa banda desenhada se comportará. De maneiras diferentes, há autores que o fazem, porém. Craig Thompson fá-lo em Blankets, ainda que velado por uma certa auto-ficção; Taniguchi, ainda que seja absolutamente ficcional, construiu uma obra-prima com os ritmos da memória reconstruída (pelas dos outros) em Le Journal de mon Pére; e Edmond Baudoin é um autor cuja obra nos últimos anos se tem estruturado precisamente em torno da Memória enquanto, não tema, mas matéria, com óbvio destaque para Éloge de la Poussière e Le Chemin de Saint-Jean. Não querendo ser indiscreto a nível pessoal, mas avanço desde já que há um autor jovem português que prepara (poderá demorar anos, mas fá-lo-á seguramente) uma obra dentro dos mesmos moldes e que criará algo de extraordinário entre nós. É esperar... Este circunlóquio todo serve só para poder dizer que a memória aqui é apenas uma linha diáfana, uma sombra secundária por detrás das histórias apresentadas, e não propriamente um fio vermelho que as faça brilhar em conjunto ou numa qualquer continuidade que os leitores pudesse eventualmente criar. Assim sendo, cada um dos projectos individuais vale por si só e terá as suas fraquezas e forças particulares.
Pedro Burgos tem já uma carreira invejável, e não querendo ofender o trabalho de António Procópio, a primeira história possui um peso urbano e de desencontro que os leitores de À Esquina, com textos de João Paulo Cotrim, não acharão desigual. 1630 sofre de um excesso de dramatismo gráfico que não serve ao tom liso e quase indiferente à corrente da vida do protagonista. Numa Noite é um daqueles argumentos que talvez pense que o ser-se indirecto e incompleto o torna mais “interessante”, mas a falta de subtileza dessas ausências apenas o torna “confuso”, o que, servido de um grafismo histriónico e dessa estranha qualidade do “amador-virtuoso”, poucos frutos alcança. Conhecendo outros trabalhos de Ilda Castro, mais “minimalista” (digamos...), a sua complementação gráfica à pequena crónica feminina de Sandy Gageiro é surpreendentemente bem-encaixado e produtivo, ainda que haja pequenos detalhes que pudessem ter tido mais impacto (o surgimento do rosto da personagem principal, o aberto contraste gráfico com a sua “sósia jovem”) e a presença de mais texto não iria fazer desmoronar o edifício, acabando por soar o que surge mais como apontamentos poéticos meio disparatados do que pontos essenciais à narrativa (maioritariamente “muda”). A parceria de Cátia Salgueiro e Susana Ferreira é graficamente interessante, não obstante a separação das vinhetas e a presença do texto ser uma opção maquinal que destoa do restante trabalho; o texto tem uma presença forte, divorciada de um emprego banal com as imagens, criando um estranho, dúbio mundo de duplos, escapatórias, o eterno confronto entre um mundo banal e uma ligeira fantasia, tornando Uns dias melhores que outros num dos exercícios melhores que outros...Os desenhos de Nuno Villamariz são interessantes, ainda que não mantenham sempre a mesma qualidade (sobretudo em grandes planos de rostos), e a patina que parecem imprimir a toda a cidade e seus transeuntes (o grão do carvão) fazem com que o texto subtil de Francisco Pinheiro, sobre um desencontro e uma reunião familiar, sirva de um complemento que não destoa. O desenho de Simona Accattatis é claramente infantil, e a fábula epidermicamente tradicional não transforma esse estilo numa opção operativa, apesar do visível esforço em o empregar em situações visualmente inventivas. A Coisa Amada sofre do msmo mal que Numa Noite, com a agravante de ser menos claro ainda – e nada tem a ver com dificuldade ou subtileza! – e da flutuação da qualidade dos desenhos ser ainda mais vincada. A Caixa Vermelha, apesar das seis páginas, consegue atingir precisamente essa matéria-memória de que vos falava atrás: o trabalho dinâmico dos desenhos, fruto de uma intensa pesquisa (e publicação) de Richard Câmara, tem uma franca aplicabilidade à busca da memória que Valverde aqui constrói, concentrado esse acto numa caixa que eleva a metáfora ao objectual; o contraste geométrico entre a personagem e os espaços parece verter a mesma dicotomia entre o que se é hoje e o que foi antes, reforçando a ideia barthesiana das fotos como um “isto foi” com o qual jamais nos reuniremos novamente. Finalmente, a singular e graciosa história de novos amores e segredos do passado de Cátia Salgueiro é servida plenamente por um estilo aparentemente infantil (mas não “infantil mesmo”) de Rosa Baptista, que nos fará lembrar o trabalho de uma Jenni Rope ou até de uma Anke Feuchtenberger, salvas as distâncias.
No entanto, no cômputo geral, esta é uma antologia e um objecto particular, com as suas forças especiais, bem superior a muitos outros projectos que por vezes se apresentam com maior arrogância de “mudança” e “pedrada”, para se resolverem como solipsismos comerciais. Não é, de todo, o caso. Trata-se de uma plataforma de apresentação e passos fora de um círculo de aprendizagem e de descoberta de territórios (ainda que alguns autores não sejam novatos nenhuns...). Esperemos que, como projecto pontual, sejam um ponto de uma linha que, mais adiante no percurso, possamos unir num contínuo caminho.
19 de dezembro de 2005
Mome 1. AAVV (Fantagraphics)
Incorrendo no perigo de me repetir, digo-o porém: muitas vezes o valor de uma antologia está mais no nome do editor (e pela sua provada capacidade de reunir uma “escolha” – é o que significa etimologicamente a palavra “antologia”) do que propriamente nos efectivos autores presentes, passando a aura desse nome a contagiar as dos demais. Tal como sucede nas artes visuais, com alguns comissários, e isto tudo apesar de apenas os especialistas se darem ao trabalho de o ler, como é evidente e natural. Por isso, ao saber uma nova vindima surgiria pelas mãos de Gary Groth e Eric Reynolds, e tendo em conta o trabalho editorial da Fantagraphics, por um lado, e as preocupações conceptuais de Groth, expressas contudentemente em The Comics Journal, esperava estar perante uma nova publicação marcante como foi, nos seus respectivos tempos, a Raw, a Zero Zero, a Snake Eyes, etc. Bom, não exactamente: primeiro, porque a preocupação de inventabilidade formal presentes nessas publicações citadas está (quase) ausente de Mome, mais centrada na narrativa (não obstante as pequenas torções de Anders Nielsen e David Heatley, este último mencionado por mim aquando da Bête Noire); segundo, porque a selecção recai em valores circunstanciais seguros, artistas cujos trabalhos anteriores já atingiram um bom nível de sucesso crítico, como Jeffrey Brown, Paul Hornschemeier, ou Gabrielle Bell, mas sem haver nenhuma aposta numa “novidade” ou numa “voz díspar”. Aliás, encaixam-se todos mais ou menos em simples “famílias” de estilo, exemplificado pelo grafismo de Bell, confundível com o do casal Matt Madden-Jessica Abel.Ou seja, infelizmente a escolha que se apresenta em Mome é de facto mais próxima do MoMA do que numa galeria mais fresca, interessada em de facto divulgar novos caminhos... O segundo número está quase pronto, mas os nomes dos contribuidores repetem-se. Já a Blab!, excelente produção do trabalho editorial de Monte Beauchamp, por ter atravessado vários patamares, está nos seus últimos números um tanto ou quanto estagnada nos mesmos autores (mantendo numa linha a direito, ainda que alta, a sua qualidade). Mas não esperava que um novo título se “cristalizasse” quase de imediato. A menos que se trate de uma vernissage bem-comportada, na qual não se desejavam grandes estragos na primeira noite, convidando artistas conhecidos e servindo um bom catering, e preveja maiores riscos nas próximas exposições.
Nota: Entretanto, algo mudou...
8 de dezembro de 2005
Les Champs d'Honneur. Jean Rouaud & Denis Deprez (Casterman)
Jean Rouaud é um escritor famoso em França, especialmente depois de ter ganho o prémio Goncourt, o mais prestigiado galardão literário (para prosa) desse país – sem qualquer paralelo entre nós, diga-se de passagem -, precisamente com o romance homónimo a este livro de banda desenhada. A sua “adaptação” à banda desenhada foi feita pelo próprio autor, com Denis Deprez, já habituado a outras aproximações à Literatura.
Les Champs d’Honneur é como quem diz os poucos metros que separavam as trincheiras nos quais se transformaram alguns troços da Europa durante a 1ª Guerra Mundial. Esta Guerra e o impacto que tiveram em várias famílias é um tema querido e contumaz nas Letras francesas, o que não é um dado desconhecido para leitores de banda desenhada que conheçam bem, por exemplo, Jacques Tardi. Mais, a ligação que pode acarretar esta associação reforça-se pelo facto de que Jean Rouaud utiliza as suas memórias de infância e as dos seus familiares, tal qual Tardi o faz das suas fontes, com forte presença do seu avô. Desta feita, trata-se de uma pequena família a que rapidamente se subtraem a presença viva de alguns dos seus membros, num curto espaço de tempo, directa ou indirectamente relacionado com o conflito bélico. É como se de uma pequena escultura de jóias se tratasse e ao se retirar uma peça necessariamente se desmoronassem mais outras...
Não conhecendo o romance (não existe tradução portuguesa), pouco importará estar preso às distâncias e às proximidades possíveis entre as duas obras. Tendo em conta que é o próprio autor quem provavelmente redefiniu as suas prioridades diegéticas, não será surpresa estarmos perante uma obra com uma valência própria.
O trabalho de Deprez emprega desta vez aguarelas, num trabalho de cor que ora oscila para luminosidades (que lhe deve ser desperto pelo Sul de França, o "Midi") ora se inclina para jogos de negros e cinzentos, retratando a ininterrupta morrinha que parece servir de baixo contínuo às sucessivas mortes. Parece, porém, haver uma maior preocupação em tornar as figuras mais inteligíveis, como se seguissem as fotos e o peso “real” do romance (ver site de Rouaud; e que lembra o trabalho de arquivo de Tardi, mais uma vez), o que as torna menos diáfanas do que, por exemplo, as do seu Othelo. A insistência em agora ligeiros agora mais espessos toques e linhas de vermelhos nos rostos das personagens não atinge uma expressividade contida (a vida), a meu ver, mas antes assumem m carácter de distracção do restante trabalho de composição.
Ao longo de todo o livro, há um balanço permanente, mesmo intermitente, entre os diálogos das personagens e a voz do narrador, sempre ausente. Apenas conhecendo o romance é que se entenderiam as palavras sobre o “vazio” instaurado pelo narrador (conforme é indicado no site citado), e talvez isso nos levasse a compreender a opção de colocar esses textos da voz narratária no interior de fundos brancos que pairam no interior das vinhetas, onde o discurso directo dos demais é transparente e voga na imagem... (não obstante a opção “maquinal” da apresentação de todos os textos, que subtrai alguma beleza ao trabalho de Deprez). No entanto, como as guardas do livro (como se num álbum de Tintin) nos indica ser o pequeno moço o narrador, esse vazio acaba por ser preenchido de uma forma vaga, pelo avatar do autor real, um pouco como o “Marcel” de um outro famoso romance... O problema maior é que se de facto se apresentam esta sucessão de mortes como parte inevitável da vida familiar de todos nós, da condição mesmo de estar vivo, não há convergência alguma dos episódios, não há uma trama maior na qual essas mortes se inscrevam, para que fosse retirada a honra da guerra (que não possui nenhuma) e fosse colocada na vida (sempre plena). Isto apesar da última frase – “se não queremos esquecer [os mortos], é preciso vivermos” – sublinhar a importância de um luto bem digerido, em oposição a uma melancolia que nos digerisse a nós (cf. Freud)...
Fritz Haber 1. L'Esprit du Temps. David Vandermeulen (Delcourt)
Qualquer biografia do autor, David Vandermeulen, mostrará a sua passagem mais ou menos gloriosa e mais ou menos purgatória por todo um diverso campo da criação e do amor pelas artes, como o teatro, o cinema, a edição independente, a arqueologia, a pintura, a banda desenhada. Les Champs de l’Obscène (6 Pieds sous terre) foi o seu primeiro trabalho de maior fôlego reconhecido, mas quero crer que haverá uma diferença substancial no esforço e nos frutos com esta prometida trilogia sobre a figura real de Fritz Haber.
Ler-se-á na badana do livro que Haber é uma figura faustiana e é muito difícil não concordar com essa visão. Químico respeitado, a quem foi atribuído mesmo o Nobel da área em 1918, é-lhe também dado o nome de “pai da guerra química”, sendo da sua lavra o infamemente conhecido Zyklon B, utilizado nas câmaras nazis. Haber era judeu. L’Esprit du Temps, apetecendo antes entrar pela sua versão alemã, Zeitgeist, para que o “fantasma” se torne ligeiramente mais tangível, voga porém pela sua biografia, pelos vários elementos que poderão compor uma pessoa (nunca o sendo possível de modo completo), pelas várias facetas que complicam uma forma redutora de se dizer “quem é”. As suas relações amorosas e o casamento, a sua dificuldade em gerir a herança judaica e o desejo em ser considerado um cidadão de primeira na Alemanha cosmopolita, um nacionalista e filantropo, um cientista e um interessado em assuntos políticos internos e externos... Pequenos paradoxos pelos quais viajará.
Vandermeulen emprega uma série de referências para a construção do seu Fritz Haber, como se compreenderá de imediato pelos complementos de arquivo disponibilizados na editora, nas profusas citações que articulam os capítulos e as suas partes (ou cenas), e sobretudo pelo seu óbvio jogo gráfico. A banda desenhada vive ainda hoje como que à sombra do cinema, dado um mal-entendido ainda pouco dissipado de relação histórica, técnica e até estética. Não é falso dizer que ela utiliza métodos visuais parentes dos do cinema, nem que esses métodos não nasceram no seio do cinema em primeiro lugar, mas não se pode daí entender uma espécie de filiação total. Vendermeulen, todavia, “imita” o cinema nesta sua obra: todas as vinhetas são apresentadas num intricado jogo de aguarelas em castanhos, sépias e negros, que diluem o fundo e a superfície num só “mundo e tempo”, enquadrados de um modo contido (possível a uma câmara real em relação ao mundo tangível), apresentando diálogos ou a voz narradora em cartões de inter-títulos, e a própria representação dos objectos visíveis parece fazer uso de um traço muito realista ou, quem sabe, de fotografias, ainda que posteriormente diluídos nos seus contornos e relações pelas aguarelas. Há, portanto, uma espécie de imitação, como disse, do cinema mudo. Mais, a presença regular de cenas retiradas do Siegfried de Fritz Lang (de 1924) reforça esse aspecto. (A multiplicação dos níveis das metáforas também se verificam no surgimento de Siegfried na sua floresta dos Nibelungos, e o seu combate com o dragão e a morte às mãos de Hagen: a relação de Fritz Jacob com o seu pai, a oposição judaísmo-anti-semitismo ou judaísmo (fé)-cosmopolitismo, Alemanha-estrangeiros, Passado (superstições)-Futuro (progresso científico), etc.).
Pergunto-me, porém, se essa opção ajuda nalgum ponto à obra em si... Não é que falhe em nos transmitir um certo ambiente epocal, mas considerando que esta biografia vai – oscilando – de 1888 a 1834, não há uma coincidência entre os tempos retratados e o patamar do cinema “em uso” neste livro. A utilização dos inter-títulos não obedece a um critério fixo, e torna-se por vezes confusa a sua ordem, já para não entrar nas considerações da relação com o som do “cinema mudo” e da banda desenhada, sempre “silenciosa” (“sem som”) mas não “muda” (“sem texto”). Não há uma mais-valia nesse emprego. Mas se o decalque de técnicas de uma arte funcionam de uma forma significativa em, por exemplo, Blitz de François Rivière e Floc’h, que se passa no palco de um teatro, ou no projecto experimental (em forma de livro) Chantier Musil de Vicent Fortemps, aqui não se torna clara a pertinência cabal do seu uso. Finalmente, a insistida divisão e sub-divisão em pequenas partes, as mais das vezes com hiatos e saltos cronológicos (analepses e prolepses, ou saltos para a frente e para trás, ainda que sempre internos às barreiras da vida de Haber, e mesmo que exteriores à sua acção directa), não abona a favor de uma certa unidade necessária a um bom fôlego de leitura. É sempre impossível fazer-se uma biografia total sem que se façam escolhas, obviamente, mas é por essa mesma razão que se podem criar hagiografias (como o Che dos Breccia pai e filho) ou recontar apenas as fases mais pertinentes da vida de uma personagem (como o Louis Riel de Chester Brown); Fritz Haber, nesse sentido, não possui essa fluidez, mas antes uma espécie de voo de borboleta, nervoso e que nunca poisa: talvez mesmo porque a metáfora se preste melhor ao “espírito do tempo”, inenarrável e inapreensível, apenas passível de ser vivido.
All-star Superman # 1. Grant Morrison & Frank Quitely (DC Comics)
Grant Morrison tornou-se, pelos vistos, após tantas dificuldades com as suas séries "espatafúrdias" (o termo seria do próprio autor) em se estabelecer enquanto o mais "experimentalista" no seio do mainstream comercial de super-heróis norte-americano, um nome "oficial". Daí o convite que lhe foi feito de requentar o Super-homem, personagem a qual, juntamente com todo o catálogo da DC e da Marvel, já foi requentado vezes sem conta, revisitado, reescrito, reinventado, revisto, etc. Todos os re-s. Não acredito que estejamos perante uma série que se possa tornar tão interessante como The Filth, ou mesmo Animal Man, e Doom Patrol, muito menos The Invisibles [nota de 2013: em retrospectiva, no seio do seu género, revelou-se não só surpreendente como excelente]. Mas se atingir o patamar de surpresas que conseguiu no feudo dos X-Men, já não será de todo desmerecedora da nossa atenção - isto é, cultores do género e fãs, já que os avessos a homens de trajes coloridos e códigos morais pouco realistas não serão conquistados por este título.
A arte está nas mãos de Frank Quitely, com quem já colaborara noutras ocasiões, inclusive a JLA, onde o kriptoniano entra. Quitely pertence a uma nova leva de autores do mainstream que são agradáveis e impecáveis no seu género (o mundo dos super-heróis), como Jae Lee, Adi Granov, Hersine, J.J. Williams III, John Cassaday, por exemplo. Bem longe dos abstrusos, feios e, aí sim, redondamente ridículos anos 90 com os McFarlanes, Liefelds e Jim Lees da altura... (e ainda na berra). Kal-El parte em direcção ao Sol, onde salva uma expedição de ser destruída por Lex Luthor. Causa e consequência: a insistente proximidade dessa fonte de energia cria uma doença degenerativa no corpo do Super-homem. A cada um a imunodeficiência que lhe pertence. Mais uma de entre as milhares de séries que “mudará a personagem para sempre!”... O que nos vale é que as alucinações conceptuais de Morrison estarão ali a cada página para nos ajudar a suportar o resto dos clichés...
Red Meat Gold. Max Cannon (St. Martin's Griffin)
Tal como a pintura e, "once upon a time", Samuel Clemens, a tira de banda desenhada - uma das formas-cristal mais interessantes deste modo de expressão, nascida da Necessidade e que somente os verdadeiramente virtuosos e geniais conseguem dar vivo alento (Salvé, Santo Schulz!) - atravessa frequentemente promessas de uma morte anunciada. Mas eis que, a cada virar da esquina, lá vão surgindo artistas capazes de lhe dar maior verve, uma alma alegre, mais anos de vida, e sentida. Esses são os génios (Frank King, Bill Waterson, Ben Katchor, Tony Millionaire, e poucos mais. Outros, como Max Cannon, optam por ir dando choques eléctricos consecutivos à tira e, mesmo que atinja o rigor mortis (os desenhos do autor são estáticos, repetindo as personagens nas mesmas poses, com mínimas alterações) e cheire a putrefacina (o humor contido nestas páginas não é para os politicamente correctos e medricas), o riso que provoca é assustador. Especialmente quando nos apercebemos do horror sobre o qual estamos a rir.
Se o riso à custa d'outrem (mesmo personagens de papel) revela uma falha de carácter, então a série Red Meat (de que este é o terceiro volume) é uma espécie de sismógrafo e polígrafo, já que nos torna claríssimas todas as fendas profundas que afinal possuímos. Se não se rirem com nenhumas das situações espatafúrdias, nojentas e obscenas (e por vezes machistas, racistas, etc.), então é porque serão, não bons leitores, mas "boas almas". Quanto a mim, tendo em conta as sacudidelas que a personagen Earl me provoca, condenado estou...