Os fanzines são, por natureza, objectos que apenas podem ser definidos pela sua intrínseca propensão a poderem escapar-se às definições “normais” (melhor dito, “normalizadas”) de outro tipo de publicações (que poderão ser revistas, jornais, periódicos, colectâneas, antologias, sketchbooks, etc.), e a se nos apresentarem como algo feito numa total liberdade em relação a “valores externos” (editoriais e comerciais, sobretudo). Um outro grande factor definitivo é a sua produção, a qual, a maior parte das vezes, é reduzida em exemplares, numa qualidade de papel acessível (logo desprovida de “luxos”). Mas bastará olharmos algumas das publicações aqui indicadas e a que damos (ou se assumem como tal) esse nome – e este blog não prima por uma grande variedade delas - para demonstrar a profusão que se nos apresenta e a dificuldade que é a utilização de um nome. Algumas são fotocopiadas, outras em offset, uns fanzines meramente agrafados, outros que atravessam um francamente profissional e agradável arranjo gráfico, uns que “põem cá fora” as vontades dos autores tal qual, outras atravessando uma escolha editorial ou princípios apriorísticos e programáticos, algumas editadas pelos próprios intervenientes/editores, outras sustentadas por uma maior e mais bem oleada máquina editorial (e distribuidora). É este último o caso dos dois títulos aqui em discussão nesta secção dupla: Big Questions, de Anders Nielsen, e Gongwanadon, de Thomas Herpich.
Anders Nielsen começou a editar o seu Big Questions como um fanzine de formato clássico. Por volta de 2000 sai um caderno de 14 folhas fotocopiadas e agrafadas: distribuição através de amigos, lojas locais, correio e passa-palavra. À medida que cada um dos números foi saindo, era como que um crescimento exponencial no formato: o segundo é materialmente similar ao primeiro, o terceiro já possui um papel melhor, uma capa elaborada com um supra-título (“Astrophysics”) intricadamente desenhado e mais páginas. O quarto, supratitulado “Asomatognosia” introduz a cor na capa em cartão, aumenta de formato, diminui em número de páginas, que passa a ser em “papel de jornal”; o quinto (como é que direi....? “contracapatitulado”?? “Nothingness”) é ligeiramente menor no formato, maior e melhor no miolo; o sexto é igual mas aumenta substancialmente de número de páginas (das anteriores 36, passa a 48, ainda com uma delas desdobrável).Finalmente, o último número (“Dinner and a Nap”) é publicado pela Drawn & Quarterly. Serão estes aspectos meramente exteriores, sociológicos? Sem dúvida, e fruto imediato dos apoios que foi recebendo, mas também vive em íntima relação com os conteúdos.
Como soe dizer-se, Nielsen foi “crescendo como autor”. Se os dois primeiros números não mais apresentavam do que interessantes exercícios gráficos (uma espécie de enorme e impossível cubo de Kubrick a desfazer-se a recompor-se), algumas anedotas com pássaros entregando-se a situações e linguagens tipicamente adolescentes (humanos) e uma história (fraquita) com personagens humanos, os números seguintes foram densificando as várias histórias que entretanto surgiram e que descobriríamos serem “tramas” de um “todo unificado”. Sem dúvida, “the plot thickens”. Este é um dos aspectos mais interessantes do moço, é contar-nos ora a história de todo um grupo de pássaros e as suas espinhosas relações ora a de um rapaz com um atraso mental, e depois mostrar-nos quais as linhas que cosem uma à outra. Presume-se que mais detalhes de cruzamento surjam no futuro.
E se a edição começou sua, mesmo que rapidamente contasse com o apoio pontual de várias instituições para cada um dos números até (juntamente com um outro seu título, Dogs & Water) se entregar nas mãos da Drawn & Quarterly, ela não mudou em nada. A força criativa e as decisões e o controle de toda a publicação parecem não ter saído do seu poder pessoal. No entanto, uma das perguntas que poderia surgir seria se alguma das suas “vontades”, “pulsões” ou “direcções” se alteraria com essa passagem a um outro tipo de mercado? Estaremos perante um fanzine, um prózine ou uma revista de uma editora? Será uma edição independente? Mas essa é uma independência comercial ou editorial? Ou até mesmo criativa? Não tenho respostas nenhumas. Simplesmente é interessante ver em bom pequeno exemplo que levanta uma excelente big question.
Nota: Anders Nielsen tem outros trabalhos, incluindo na Kramer’s Ergot (que lhe publicou em separata o Sisyphus do quarto número), e esta galeria tem algum do trabalho dele.
25 de outubro de 2005
Big Questions. Anders Nilsen (Drawn & Quarterly). Post-Fanzine?, parte 1.
Publicada por Pedro Moura à(s) 12:04 da tarde
Etiquetas: EUA
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2 comentários:
já saiu!?
onde compraste?
Ax.
À venda nas lojas especializadas do costume, se tivermos sorte de encontrar um dos dois exemplares pedidos... (venda na net também, site da editora, outros).
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