Vincent Vanoli. Por um punhado de ideias.
Se bem que não é a primeira vez que VV se aventura pelo género autobiográfico, por onde passara com algumas páginas na publicação Lapin e em Sentiers Battus, e parecendo-me que estará mais à vontade com outros géneros que combinavam a ficção do maravilhoso a um círculo aparentemente banal da vida (sobretudo com L’Usine Électrique) é porém esta a primeira vez em que essa aventura é o mais completa e coesa possível.
Pour une poignée de Polenta apresenta cinco capítulos de tamanhos e temáticas desiguais, que tomados solitária e desassociadamente poderiam servir de histórias curtas, individuais, mas que fazem um todo: uma discussão entre que equilíbrio existirá entre o indivíduo, entidade separada e auto-suficiente, e a família como ideia de continuidade, fazendo deste livro um interessante relato no largo tema da memória e identidade. As raízes familiares, a memória dos outros como herança do próprio, as expectativas e as fantasias leves que elas proporcionam, está tudo aqui. Podendo ser o título ser traduzido literalmente por “Por um punhado de papa de farinha”, que é o que o seu avô paternal, lenhador italiano, recebia como pagamento diário, VV parece apontar para o punhado de ideias que tenta organizar neste novo livro.
Nas suas experiências anteriores, de histórias mudas (Giboulées) a adaptações de obras literárias (J’irai faire Kafka sur vos tombes?, a partir do romace de Michel Chevron e integrado na colecção do detective Le Poulpe da editora; e o Decameron de Boccacio), VV sempre apresentou um desenho muito estilizado, com as pontas dos narizes terminando num caracol, por exemplo. VV pertence a um grupo de artistas recentes que parece referenciar-se no Expressionismo alemão de Otto Dix ou num Murnau que tenha atravessado Cocteau – e isto é uma citação directa – referência que tem sido repetida várias vezes. Mas neste volume o desenho assume-se menos estilizado, apesar de não poderem ser considerados realistas e estar seguro que as suas figuras não agradarão a todos os leitores. O trabalho de um grafite carregado continua, tal como um certo minimalismo na disposição das vinhetas, sempre duas por prancha neste livro.
Não obstante o que disse até ao momento, de se tratar de um volume que se reporta ao autobiográfico, há momentos de escape, como quando surge um VV “italianizado” ou o último episódio, num hipotético futuro em que o autor se tornou um epígono do Imperial Disney. As imagens permanecem sempre no território do realismo, sem qualquer hipérbole, tirando um caso pontual das páginas 62-63 em que o protagonista surge conforme a fantasia do momento o ordena.
Conclusão: Ambos os autores, cada um à sua maneira, vão preenchendo mais uma variação do grande tema da “vida normal”, da “de todos os dias”, tradição cada vez mais respeitada e cujos avatares na bd se multiplicam. E esse respeito a um eventual cânone não diminui o interesse nem a relevância destes novos trabalhos. (Esta parte foi antes publicada na revista Número, depois da parte sobre Huizenga).
25 de outubro de 2005
Pour une poignée de polenta. Vincent Vanoli (ego comme x). Histórias de dois semi-homens II.
Publicada por Pedro Moura à(s) 12:07 da tarde
Etiquetas: França-Bélgica
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