Este livro vem assinalar, de certa forma, um aniversário
“redondo”, uma vez que os primeiros passos do movimento Oubapo, ou Ouvroir de
la Bande Dessinée Potencielle, ou “Ateliers da Banda Desenhada Potencial”,
foram dados há um quarto de século, tendo dado a uma colecção de volumes por
esta editora, colectivos e projectos individuais, mas igualmente workshops um
pouco por todo o mundo, com ou sem os seus agentes originais, discussões
académicas, estratégias integradas na produção “normal”, etc. Influenciados
pelo mais famoso movimento literário da Oulipo, a Oubapo tenta criar formas de
trabalho que partem não tanto de uma “ideia diegética” ou “representacional”,
mas antes de uma qualquer formulação estrutural, formal, que deve ser resolvida
depois. Um jogo de regras pré-estabelecidas que depois se deve solucionar. Um
labirinto construído pelos próprios ratos que devem escapar (Queneau). Tudo
palavras dos intervenientes… Em larga medida exercício de salão, não deixa
ainda assim de provocar um pensamento reflexivo sobre esta arte em particular,
acto de extrema importância quando esta linguagem corre o risco de parecer
“demasiado familiar”. (Mais)
29 de dezembro de 2016
26 de dezembro de 2016
Espero chegar em breve. Philip K. Dick e Nunsky (Mmmnnnrrrg)
O isolamento criativo dos autores,
mesmo numa cena incipiente como a portuguesa, poderá dar francos
frutos. Num curto período, o elusivo Nunsky, que havia apresentado
uma fulgurante mas fugaz novela com “88”, que ocupara todo um
número do fanzine mutante Mesinha de Cabeceira, há 20 anos,
regressou para apresentar toda uma bateria de trabalhos acabados,
coesos, densos, inteligentes e graficamente vincados, cada qual com a
sua própria personalidade de humor, género, tradição, e exigência
de leitura. “Espero chegar em breve” é o terceiro desses gestos,
compaginando-se igualmente como totalidade do último número da
mesma série de fanzines indicada cima (o 28º número, cujo formato
e capa texturada o torna como se fosse uma brochura dos serviços
intergalácticos no interior). Desta feita, trata-se de, numa
descrição simples, como reza na própria capa, uma “adaptação
do conto de Philip K. Dick”, cujo título original é “I hope I
shall arrive soon”, apesar da sua versão primeira ter tido um nome
mais prosaico, “Frozen Journey”. (Mais)
23 de dezembro de 2016
Si Lewen’s Parade, An Artist’s Odyssey (Abrams)
Si Lewen, que viria a falecer algum tempo depois da produção
deste livro, foi um pintor norte-americano que é muitas vezes agregado a essa
imensa família do “expressionismo abstracto” desse país, se bem que não conste
da primeira linha de artistas que usualmente se citam. Não tendo o mesmo papel
no palco internacional que outros nomes mais sonantes, a sua presença não é de
forma alguma displicente nesse contexto, e algumas das suas obras ocupam um
espaço interpelante, vincado, significativo, e até original, mesmo que esta palavra tenha hoje um valor diluído. Oscilando
entre a figuração e a abstracção, herdando dos cubistas muitas vezes a presença
dupla dessas forças num só plano de composição, os jogos de referencialidade
com o mundo, e jamais abdicando do “sentido”, transmitido quer pela figura,
quer pelo título (se bem que muitas telas sejam baptizadas com “Sem título”)
quer pela coordenação de séries, Lewen é um autor que, descoberto de atacado,
faz-nos ponderar até que ponto a História da Arte, tal como é estruturada e
transmitida pelos seus canais mais usuais, não é ainda um projecto de uma
incompletude estrondosa, quiçá mesmo impossível. Acresce a isto a produção de
objectos ou obras que possam ser re-agregadas pela História da Banda Desenhada,
e ainda se torna mais complicada a sua integração… (Mais)
21 de dezembro de 2016
Como viaja a água. Juan Díaz Canales (Arte de Autor)
Este projecto a solo do argumentista da
famosa série Blacksad é, a um só tempo, talvez
estranhamente sem paradoxo, uma obra niilista e uma esperança
positiva. Apesar de podermos falar de um protagonista, o velho
Aniceto, de 83 anos, a verdade é que as acções estão concertadas
numa geometria de afectos muito particular, numa primeira escala
entre os compinchas de Aniceto, e em segundo lugar, em círculos
complexos de distância e proximidade, o seu filho e o seu neto, e a
mulher grávida deste. Com efeito, a uma primeira visão, a acção
dirá respeito às acções levadas a cabo por Aniceto, Longinos,
Urbano, Godofredo e Teodoro (nomes que numa pincelada quererão
revelar um outro momento da história de Espanha) e que os colocará
numa senda algo perigosa. Noutra escala, tratar-se-á das relações
que Aniceto estabelece com os seus familiares, alimentadas de
tensões, incompreensão, boa vontade, pequenos erros e todos aqueles
pequenos desastres que alimentam a vida de todas as famílias. Mas é
o coração de Aniceto que informa toda a trama, no fundo. (Mais)
19 de dezembro de 2016
Rose Profond. Jean-Paul Dionnet e Pirus (Casterman)
Há algo de profundamente
desconcertante ao sermos confrontados com mundos demasiado perfeitos,
em que não há espaços para sombras ou as próprias sombras são
inócuas logo à partida. Talvez tenha a ver com o facto de que a
esmagadora maioria das histórias tradicionais sempre tiveram um
substrato de violência e horror, depois higienizado ao longo do
século XIX e para mais no século XX ao passarem pelos filtros
moralistas e materiais de meios como a banda desenhada e a animação,
mormente aqueles exclusivamente dedicados aos leitores e espectadores
mais novos. Se houve caso de estudo para “o regresso do reprimido”,
ei-lo. A emergência dos universos Disney, sobretudo, levariam a esse
desejo de o conspurcar o mais rapidamente possível. Senão, veja-se
a rapidez com que estas personagens encontraram espaço nas Tijuana
Bibles. (Mais)
18 de dezembro de 2016
Dez anos para o fim do mundo. Caeto (Companhia das Letras)
Depois do grande gesto autobiográfico de Memória de Elefante, é possível que Caeto
se sentisse tentado a dar continuidade a essa mesma pesquisa, e expressão de
si, a um grau mais afastado do âmago da primeira aventura. Se ali havia uma
concentração maior na figura do pai, da morte deste e a relação conturbada ao
longo de anos, Dez anos para o fim do
mundo espraia-se em várias direcções, tentando que elas se tornem agregadas
num gesto comum. Neste livro, então, Caeto revisita a sua infância e
adolescência, as mudanças de casa, de escolas e de ambiente económico, as eleições
de 1990 e as implicações que isso tinha na sua paisagem social, as primeiras
experiências sexuais, com drogas e de criação de quadrinhos, e depois o seu
casamento, a lua-de-mel, o nascimento do primeiro filho, a mudança de casa e a
separação da mulher, assim como a fabricação do próprio Memória.
Exposto desta forma, parecerá talvez que haja uma
arrumação cronológica, mas isso não é verdade. Todos estes episódios visitam-se
de forma desordenada, com saltos prolépticos e analépticos, criando antes uma
trama temática ou pelo menos de questões recorrentes que e vão alimentando
entre si. Como se a preocupação em construir uma imagem de si não pudesse
organizar-se de forma linear, mas antes seguisse as respirações livres das
marés da memória. Em muitos aspectos, Dez
anos tem um tom elegíaco, mesmo
quando os episódios são de uma felicidade extrema. Uma vez que o autor
atravessou várias sessões de terapia para combater uma depressão, advinda pelo
confronto emocional e intelectual que estava a nutrir pela criação de Memória de Elefante, obrigando-o a rever
momentos dolorosos do passado e da relação com o pai, essas sessões acabam por
funcionar como uma espécie de, não tanto “moldura narrativa”, mas pelo menos de
uma estrutura que subjaz à junção destes troços. É até o seu fim, dessas
sessões, que acaba por funcionar como uma espécie de pré-fecho do volume. (Mais)
Apocalipse Nau. Eloar Guazzelli (Editora Nós)
Este volume de
Guazzelli é marcado pela sombra das asas da morte. Na verdade, são três mortes
que aqui se agregam como fantasma, sendo uma delas colectiva e outra “familiar”.
Cada uma dessas mortes relaciona-se com o autor de forma autobiográfica, em
vários graus de inscrição social, círculos concêntricos e complexos de
identidade que muito dificilmente se destrinçam entre si e também difíceis são de
tornar hierárquicos. Sem a ordem pela qual são apresentados, a primeira morte é
a dos artistas e companheiros da redacção do Charlie Hebdo, que serve
de espoletador ao gesto do autor brasileiro para esta mesma obra. É esse o tema
central, temático, que faz arrolar várias dimensões políticas contemporâneas
que se encontram antes e depois do ataque, e nas áreas contíguas, como as de
liberdade de expressão e pensamento, de circulação de informação, de canais de
divulgação e discussão dos temas ditos públicos, etc. Outra das mortes é de
Marco Archer, o cidadão brasileiro que foi condenado à morte na Indonésia
também em Janeiro de 2015 por tráfico de droga. E a última a do pai de
Guazzelli, que morrera anos antes, mas cujo impacto chegaria mais tarde, com a
da mãe. Temos portanto uma morte de cartoonistas, de um brasileiro, e de um
pai, remetendo, já na esfera da pessoa de Guazzelli, da sua condição de artista
de quadrinhos, brasileiro, filho e homem. (Mais)
15 de dezembro de 2016
"Bertoyas dans la jungle." Artigo na Mémoires du Livre com Benoît Crucifix.
A obra de Bertoyas é multifacetada e mesmo no interior somente do que ele cria em "banda desenhada", seja em antologias que estendem o entendimento dessa disciplina (como a L'horreur est humaine) ou nas suas próprias publicações, há uma verve que complica as simples divisões categóricas que usualmente se esgrimem em termos de formato, circulação, mercado e género. É a sua lavra o objecto de estudo de um artigo académico co-escrito com Benoît Crucifix, que tivemos o prazer de ver incluído no projecto Memóires du Livre/Studies in Book Culture. O artigo junta várias linhas de pesquisa de ambos os autores, rondando questões tais como o estudos dos fanzines, a micro-edição, a noção de edição "selvagem" de Jacques Dubois, a dissidência (que já havia sido explorada pelo grupo ACME), uma leitura política do "menor" de Deleuze e Guattari, tentando ao mesmo tempo entrar em diálogo com alguns dos canais de produção europeus de banda desenhada dita independente. Poderão aceder gratuitamente ao artigo em pdf nesta página.
Um grande merci bien ao Benoît e ao Bertoyas por tornar isto possível.
Um grande merci bien ao Benoît e ao Bertoyas por tornar isto possível.
12 de dezembro de 2016
How to talk to girls at parties. Neil Gaiman, Fábio Moon e Gabriel Bá (Dark Horse)
O problema muitas vezes do sucesso e do apoio vocal e numeroso
de certos autores é que abre oportunidades de publicação de trabalho que
mereceria um outro tipo de filtro ou esforço. Gaiman atingiu um tal nível de estrelato
que até surge como personagem de “autor com conselhos para novos escritores” em
séries de animação (The Simpsons, Arthur) e já há muito tempo que qualquer recado ou notinha acaba
por ser antologiada, coligida ou adaptada a outro meio. O problema não está,
naturalmente, no facto de ser publicado. Isso é até positivo. O problema está
em que tem mais um efeito cumulativo do que de relatividade da qualidade de
escrita. (Mais)
8 de dezembro de 2016
Judea. Diniz Conefrey (Pianola)
Ao
falarmos de Pereira prétend,
falávamos de uma categoria de adaptações à banda desenhada de
obras literárias que não se coadunava com as estratégias mais
costumeiras da “facilitação” e “acessibilidade” dos
originais. Não quer dizer que não existam transposições que,
mantendo uma grande capacidade de “fieldade” para com os
acontecimentos e a caracterização das personagens, não consigam ao
mesmo tempo estruturar-se como obras acabadas por mérito próprio do
seu campo de acção e expressão (alguns casos de Tardi, de
Battaglia, o Milton de Auladell, o recente O astrágalo).
Mas depois há aquelas que partem de uma base literária para se
lançarem a pesquisas mais intensas do seu próprio meio e que entram
num diálogo mais exigente com a teleologia e literariedade dos
originais, sem que essa seja reduzida meramente à intriga. Surgem
assim obras maiores como A cidade de vidro,
Le château,
O
diário de K.,
alguns trabalhos de Breccia, o Disposession de Grennan. Nessas obras, como em poucas obras, há uma verdadeira
preocupação em compreender a intensidade da matéria expressiva
para criar transposições precisas – ali, as palavras, o fraseado,
a sintaxe, a metáfora ou a sua ausência, aqui a composição, o
burilar da superfície da imagem, o agenciamento das vinhetas em
cadeias legíveis, a presença ou ausência de matéria verbal, a
escolha de representações. (Mais)
7 de dezembro de 2016
Pereira prétend. Pierre-Henry Gomont (Sarbacane)
Se
os homens não são ilhas, alguns deles bem o tentam ser. Pereira,
sem outro nome ou apodo que o torno à partida uma personagem cheia
de vida, parece querer viver a sua vida no interior de uma redoma
suficientemente confortável, longe dos tumultos que os outros
agregam. Já lhe basta as agruras da viuvez e da solidão, mas que ao
mesmo tempo o sustentam nesse seu isolamento. O pior é quando a
força das circunstâncias, marés incontroláveis, impulsionam essas
ilhas, afinal, para um arquipélago, senão novos continentes. Ora
Afirma Pereira, o famoso romance do escritor Antonio Tabucchi,
é a história de um homem cuja suposta mundividência, teimosa,
atreita, esguia, é forçada a abrir-se para o verdadeiro mundo, por
mais doloroso que isso possa ser. (Mais)
4 de dezembro de 2016
Les équinoxes. Cyril Pedrosa (Dupuis)
Há um fôlego na
banda desenhada francófona contemporânea que parece alimentar o desejo de toda
uma série de autores em construírem narrativas longas, densas e que procurem
ocupar um nicho a que se poderia dar o nome de “o grande romance gráfico contemporâneo”.
Até mesmo em termos de formato vemos apostas em volumes maçudos, de capa
cartonada, com pormenores de valores de produção, alimentando materialmente o
ensejo interior. Há casos de adaptações literárias, autobiografias ou
reportagens ou relatos implicados, mas sobretudo projectos de ficção, como é o
caso deste novo livro, do autor de Portugal.
Se essa outra prestação nos parecia ter sido algo adocicada no seu tratamento
do “outro” (que, no caso, corresponderia a um “nós”), o novo trabalho de
Pedrosa procura um foco atomizado, mas com isso procura capturar uma
experiência mais alargada de vida. (Mais)
2 de dezembro de 2016
Colaboração no The Comics Alternative: The Return of the Honey Buzzards, de Aimée de Jongh
Há tantos métodos de leitura quanto o seu próprio acto. A deste livro começa sobretudo em termos de um balanço. Na incessante busca e publicidade do "grande livro do ano", por vezes a crítica perde de vista respirações mais calmas da banda desenhada, que nem sempre passa por grandes tumultos mas passos incrementais. O primeiro livro "sério" da jovem artista flamenga Aimée De Jongh é um bom barómetro de um certo "estado da arte" sobretudo da escrita na banda desenhada contemporânea, que não se poderia tornar possível sem mais musculadas conquistas anteriores e até mesmo uma abordagem flexível de estilos vários, inclusive das bds em redes sociais (tumblr e afins).
Texto aqui.
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26 de novembro de 2016
O meu Nelson Mandela e outros contos. Anton Kannenmeyer (Mmmnnnrrrg)
Depois do “sucesso” de Papá em África, não apenas em termos comerciais para a editora como
para a sua recepção-discussão no nosso país (o ruído e os
mal-entendidos são sempre fogo em caruma), o selo “para gente
bruta” resolveu publicar mais uma pequena colecção de algum
material do autor sul-africano. Provindo da sua parte, isto é, de
“Joe Dog”, na revista Bitterkomix, este caderno surge por
ocasião da presença de Anton Kannemeyer em Portugal na sua
exposição integrada no Festival da Amadora. Desta forma, este
pequeno volume serve de complemento à histórias do livro anterior,
e onde aquele era uma espécie de radiografia a um imaginário
interno e cultural partilhado, que tantas vezes reflecte igualmente
fantasmas dos seus leitores, estoutro é mais focado na experiência
própria do autor, como se houvesse a possibilidade de mostrar um
balanço da sua vida como fruto das consequências da educação. (Mais)
25 de novembro de 2016
O astrágalo. Sarrazin, Pandolfo e Risbjerg (G. Floy)
Baseado no romance de uma literal
enfant terrible, e em muitos aspectos o seu molde original (se
bem que, em termos masculinos, se poderia apontar “Antoine Doinel”
ou os miúdos de Zéro de conduite – mas
esta apropriação de género não deixa de ser absurda, já que a
autora real foi longe nas suas acções e não foi longe na sua
vida), esta banda desenhada recupera de forma perene e vincada
a celebração de uma liberdade anti-burguesa que ainda hoje (ou
outra vez hoje) é difícil de enquadrar. O romance homónimo de
Albertine Sarrazin foi publicado em 1965. Curiosamente, o romance tornou-se novamente acessível [v. secção de comentários para nota sobre a primeira tradução] graças a uma edição portuguesa muito recente, publicada pela irrepreensível Antígona no mesmo ano da sua
segunda adaptação ao cinema, ainda que infeliz e nomeadamente de
uma forma negligenciável. Com efeito, esta versão planificada por
Anne-Caroline Pandolfo e desenhada por Terkel Risbjerg – que
constituem uma equipa com larga experiência – acaba por ser uma
devolução superior da palavra, do humor e da verve de Sarrazin. (Mais)
24 de novembro de 2016
Outro Mundo Ultra Tumba. Rodolfo Mariano (auto-edição)
Apesar de não conter uma lombada, este volume de mais de
quarenta páginas, todas elas ocupadas por matéria gráfica-narrativa,
constitui-se um verdadeiro álbum, apresentando uma narrativa organizada em
torno de um só núcleo. Conforme havia sido prometido em As Crónicas da Cemitéria, há todo um universo de referências que é repetido, como se o autor
trabalhasse sob a noção de “tema-e-repetição”, ou algo que equivalesse à
metáfora de melodias sobre um tema. De novo vemos o regresso da figura
antropomórfica da morte, ora sob a imagem de uma encapuzada de gadanha ora sob
a de uma caveira, guitarras clássicas, espadas, ampulhetas e garrafas falantes,
e personagens advindas de um caldo genérico de high fantasy e sword
& sorcery: guerreiros cimérios, princesas sedutoras, druidas, criaturas
maléficas, corvos, e acrescentando-se a este bestiário criaturas do espaço,
como Chewbaccas ferozes. (Mais)
21 de novembro de 2016
Mary Wept Over the Feet of Jesus. Chester Brown (Drawn & Quarterly)
Este pequeno e estreito livro não
chega a trezentas páginas, sendo menos de duzentas aquelas que
contêm banda desenhada propriamente dita. Como Brown já vinha
fazendo desde os seus primeiros livros “sérios”, The Playboy
e I Never Liked You, grande parte do volume é composto por
notas, fontes bibliográficas explanadas, ancoramento que serve para
reforçar ou re-contextualizar a sua obra banda desenhística.
Escusado será adiantar que “a obra vale por si”, ou argumentos
quejandos, já que este território tem espaço para toda a espécie
de práticas, inclusive, o que nos parece ter aqui lugar, a de nos
apresentar um “romance de tese”. Que tese será essa, já é um
pouco mais difuso ou diluído, mas arriscar-nos-íamos a afirmar que
se trataria de uma defesa da prostituição (ou alguma, se
preferirem) como não apenas uma expressão livre da sexualidade como
de um caminho legítimo para a assunção de poder da parte das
mulheres (em determinadas sociedades, para mais, a ocidental de
matriz judaico-cristã). (Mais)
20 de novembro de 2016
Rendez-vous em Phoenix. Tony Sandoval (Kingpin Books)
A travessia de fronteiras, em alguns casos, não é vista como
possível em termos de liberdade total, mas é ela que poderá determinar a
possibilidade de conquistar uma vontade que, sem o seu alcance, é esmagada na
inércia. Os Estados Unidos são vistos ainda, não sem razão, como um campo mais
aberto e preparado para sonhos que parecem inalcançáveis noutros contextos,
sobretudo se disserem respeito a vontades que vão bem para além da mera
sobrevivência e começam a ocupar áreas de criatividade artística, como a banda
desenhada. Ora, pelo menos em parte, era esse o fito que o artista Sandoval
tinha em querer emigrar para os Estados Unidos: a de que seria aí que o seu
sonho em se tornar autor de banda desenhada profissional se poderia cumprir.
Este livro inicia-se num momento em que está à espera do momento ideal para
atravessar a fronteira e tentar então nesse outro país a sua sorte. (Mais)
17 de novembro de 2016
26 de Novembro: Seminário Banda Desenhada e Pensamento Político: Sessão 1
Temos o prazer de anunciar o Seminário Banda Desenhada e Pensamento Político, a cuja coordenação temos a honra pertencer.
Trata-se de um ciclo de encontros, mesas-redondas, palestras académicas e conversas informais em torno da banda desenhada sob os signos de várias noções e princípios afectos a uma compreensão alargada da política. Utopia, cibernética, corpo, género/gender, cidade, são apenas algumas das palavras-chave a discutir, através de um corpus de banda desenhada o mais alargado possível, tornada ela no campo de objecto por excelência. Esta sessões decorrerão ao longo do resto de 2016 e durante o ano lectivo relativo a 2017, e anunciaremos cada sessão atempadamente.
Naturalmente, um foco na banda desenhada contemporânea portuguesa estará na linha da frente, e muitos dos encontros contarão com a presença dos ou das artistas para debater esses mesmos temas. A primeira sessão é já no dia 26 na Biblioteca Camões.
Agradecimentos aos co-organizadores, às instituições envolvidas e a Marco Mendes, pela disponibilização da imagem do cartaz.
Mais informações na página do Centro de Estudos Comparatistas, ao qual pertencemos, assim como na página de Facebook.
Mais informações na página do Centro de Estudos Comparatistas, ao qual pertencemos, assim como na página de Facebook.
15 de novembro de 2016
A chama e as cinzas. João Barrento (Bertrand), no Cadeirão Voltaire.
Como ocorreu em várias ocasiões anteriores, a crítica mais estritamente literária é remetida para o canto mais confortável e noutras companhias do Cadeirão Voltaire. A chama e as cinzas é um longo ensaio entre o concentrado e o descontraído, o teórico e o impressivo, entre o hausto longo e a recordação por marcos. O seu objecto é a mancha da literatura portuguesa que se alastrou em contínuas e cada vez mais abertas diferenças internas depois do 25 de Abril, verdadeira data que opera uma transição, mas sem que se torne fronteira absoluta. Associada a um gesto de mostrar "para fora" este estranho animal indomado, as lições de João Barrento, cujo peso no estudo da literatura portuguesa (e outras!) é indesmentível, são prenhes e necessárias, nestes tempos de distracções com coisas que podem ser muito sonantes, muito brilhantes mas não são mais que o reflexo do sol momentâneo sobre as espumas...
Texto aqui.
Texto aqui.
11 de novembro de 2016
Miracleman/Watchmen. Alan Moore et al. (Levoir/G. Floy)
A publicação destes dois livros no
mesmo ano, por dois projectos diferentes (mas que sabemos estarem
aliados por agentes comuns), vem repor uma das muitas falhas da banda
desenhada disponível em Portugal em língua portuguesa na norma
europeia. As relações de ambos os títulos partem da circunstância
de ambas partilharem o mesmo escritor, Alan Moore, e de fazerem parte
de um projecto que ele não tem abandonado, pois mais que o pareça
nas suas afirmações explícitas: a da reinscrição do género dos
super-heróis numa nova relação com a referencialidade real para, a
partir disso, interrogar o género mas também a fantasia, a
efectividade das utopias, a realidade política que nos assiste, etc.
E à distância de mais de trinta anos, não pode haver dúvidas de
que houve de facto uma transformação radical desse género
provocado pelo trabalho do escritor inglês. (Mais)
10 de novembro de 2016
Big Kids. Michael Deforge (Drawn & Quarterly)
Apesar do seu formato, um livrinho de
bolso de capa cartonada, esta é bem capaz de ser a maior obra até à
data do autor, confirmando-o não apenas como um inventor de novas
formas de criar banda desenhada em termos figurativos, de composição
e no uso das cores, o que já havíamos discutido a propósito de
vários dos seus títulos anteriores, como também a um nível de
dramatismo, exploração emotiva e relevância social. Deforge tem-se
revelado como um verdadeiro autor “completo”, não no sentido
clássico de “trabalhar sozinho”, mas antes de “moldar todos os
elementos passíveis de uso numa banda desenhada”. A leitura dos
seus projectos são de facto experiências cumulativas de atenção
para com todos os factores expressivos que ele acessa. De uma forma
sucinta, Big Kids é uma novela em torno da vida de um
adolescente e o momento em que, nessa fase da vida, se atravessam
transformações radicais a todos os níveis, não apenas físicas,
como em termos de consciência, relacionamento social, personalidade,
identidade. (Mais)
3 de novembro de 2016
Participação em "Os Livros"
Por lapso, o programa indicado anteriormente não foi para o ar, e será antes transmitido no dia 6, Domingo.
2 de novembro de 2016
Acédia. André Coelho (Chili Com Carne)
Livro curto, Acédia é o
primeiro trabalho de longo fôlego a solo de André Coelho que se
apresenta como uma narrativa coerente, e não colecção de desenhos
ou improviso em torno de um tema. Novela concentrada, negra,
lacónica, a escrita de Coelho espelha-se em todos os elementos que
compõem a narrativa e é necessário ler a sua forma e superfície
para libertar os seus significados. Tal qual o tema proposto, há uma
realidade que nos é apresentada mas cujo desvendamento se associa à
percepção do leitor e poderá mesmo ser intransmissível. (Mais)
28 de outubro de 2016
Este fim-de-semana: partipação em "Central Parque" e "Os Livros" (RTP3)
Serve o presente post para anunciar que participámos em dois programas da RTP3 que, por coincidência, serão divulgados neste mesmo fim-de-semana.
Em primeiro lugar, trata-se do "Central Parque", apresentado por Joana Stichini Vilela e Pedro Rolo Duarte. Dedicado à banda desenhada, teve como convidados (tal como ocorrera com o programa "Sociedade Civil") o autor António Jorge Gonçalves e eu próprio. A conversa foi amena e dava pano para mangas, mas esperamos ter dado conta do recado das múltiplas linhas que havia para discutir. Passará Sábado, 29, às 18h10, repetindo depois noutros canais da cadeia mas ficando disponível na RTP Play.
Em segundo lugar (mas gravado muito antes), trata-se do programa "Os livros", de Inês Fonseca Santos, dedicado a Contos dos Subúrbios, de Shaun Tan. Passará Domingo, 30, na RTP3 às 12h50 e às 20h50, ficando depois disponível também na RTP Play. [nota adicional: por lapso, o programa não foi para o ar correctamente; o episódio referido será transmitido Domingo, dia 6 de Novembro]
Os meus agradecimentos aos produtores de ambos os programas.
Simplesmente Samuel. Tommi Musturi (Mmmnnnrrrg)
Quando
escrevemos sobre Caminhando com Samuel, fizemo-lo no
interior de um enquadramento não apenas comparatista – lendo-o em
conjunto com outros dois livros – como sob um foco muito
particular, que tinha a ver com a pesquisa possível sobre a natureza
do divino pela banda desenhada. Com efeito, se podemos dizer que
Musturi transforma as suas pesquisas formais num exercício não
apenas metatextual sobre a criação da própria banda desenhada, ou
outras disciplinas, mas até sobre a própria existência humana,
quase de uma forma goethiana (devido à citação transversal que há àquele "mundo das madres" onde as formas ainda se encontram por formar...), existirão vários graus ou até
naturezas dessa mesma tarefa conforme o propósito ou programa
narrativo a que se entrega. Caminhando
com Samuel
transformava o que parecia um inflexível mecanismo de causalidade e
movimento numa incessante interrogação. Simplesmente Samuel, quer
pelo título quer pelas acções, parece “diminuir” a intensidade
dessa inflexibilidade, mas a constância mantém-se. (Mais)
26 de outubro de 2016
Megg, Mogg & Mocho. Simon Hanselmann (Mmmnnnrrrg)
Este texto serve para dar conta de um dos livros que a Chili
Com Carne & a Mmmnnnrrrg lançaram de catadupa, por ocasião,
parece-nos, do Amadora BD, reunindo este pequeno caderno uma pequena selecção
das histórias das personagens incómodas e delirantes do autor australiano Simon
Hanselmann. Há quase três anos certos demos conta de uma leitura por atacado detoda uma série de publicações desse autor, explorando o seu universo temático,
os seus ambientes, um paradoxal misto de humor negro, aventuras de desenhos
animados e desespero urbano. Pouco tempo depois, a Fantagraphics agregaria a
esmagadora maioria dessa produção num volume imponente. Este volume, mais modesto, não deixa ainda assim de ser um
decisivo contributo para a disponibilização, em Portugal e em português, de
material digno da “gente bruta” anunciada pelo selo editorial. (Mais)
18 de outubro de 2016
15 de outubro de 2016
Bad Little Children's Books. Arthur C. Gackley (Abrams)
12 de outubro de 2016
"Espelhos meus", com Vasco Ruivo. Cais # 221.
Saiu hoje a revista Cais no. 221. De há três anos a esta parte, a revista contou com duas páginas de banda desenhada, criadas pelo argumentista André Oliveira (tendo reunido depois algumas dessas histórias em Casulo), e desenhada por uma bateria de novos (e menos novos) talentos.
André Oliveira passou-nos o testemunho dessa tarefa e, a partir deste número, as histórias contarão com os nossos argumentos. O primeiro foi trabalhado e interpretado de forma brilhante, se nos for permitido dizer, pelo Vasco Ruivo (de quem falámos a propósito de uns zines). A história intitula-se "Espelhos meus" e joga com memórias de infância. Em breve, daremos mais notícias, assim como criaremos acesso online a estas histórias, estando as próximas já em produção.
Um agradecimento especial ao André Oliveira e ao Vasco Ruivo, assim com aos editores da Cais.
10 de outubro de 2016
imageria. Rogério de Campos (Veneta)
6 de outubro de 2016
Colecção Novela Gráfica II. AAVV (Levoir)
Nota
de intenções: tendo traduzido dois volumes desta colecção, assim
como escrito o prólogo de dois outros, temos uma associação
profissional a esta colecção.
Tendo
terminado esta colecção, e não tendo tido oportunidade antes de
falar sobre ela, esperamos que ainda sejam pertinentes estes
comentários, uma vez que a colecção continuará disponível quer
através da rede do Público quer, mais tarde, no mercado
livreiro. As ideias apresentadas a propósito da primeira colecção
são ainda válidas para esta segunda. Compreendendo-se que o mundo
editorial em Portugal, no que diz respeito à banda desenhada, ainda
não se encontra num estado óptimo, sobretudo no que diz respeito à
sua recepção e circulação, a aposta em apresentar de rompão toda
uma série de títulos é uma estratégia válida. De certa forma, é
mesmo uma maneira de revalidar alguma da sua história, aumentar
exponencialmente os títulos disponíveis de entre os “clássicos”,
os “desconhecidos” e os “contemporâneos”, e, de resto,
trazer algum grau de diversidade à sua maneira. Não sendo possível
esquecermos os gestos, tão diferentes mas sustentados e
programáticos, de editoras como a Polvo, a Chili Com Carne e a
Kingpin Books, selos mais pequenos mas também buscando coerências
várias, como a El Pep, o Clube do Inferno, a Libri Impressi, os
projectos comerciais sólidos da Devir, da Goody e da G.Floy, os
gestos mais ou menos isolados de editoras generalistas com apostas na
banda desenhada nacional e internacional (Bertrand, Parceria A. M.
Pereira, Tinta da China, Teorema, Gradiva, etc.), a paisagem é
suficientemente variada para albergar e acomodar os propósitos
destes projectos da Levoir. (Mais)
5 de outubro de 2016
Colecção Sandman. Neil Gaiman et al. (Levoir)
Quando a edição de Sandman, pela Devir, se viu interrompida
por problemas de cariz legal e internacional, que não era imputável à editora,
tecemos algumas considerações gerais sobre a série. A elas remetemos, pois
apesar da distância de dez anos, algumas dessas notas são ainda pertinentes. É
verdade que a leitura desta série, no início dos anos 1990, se fez numa
paisagem mediática e de produção de banda desenhada profundamente distinta
daquela que é possível nos nossos dias, já para não falar da própria recepção
pessoal, que tem de ser diferente por razões tão várias quanto óbvias. (Mais)
3 de outubro de 2016
Bulldogma. Wagner Willian (Veneta)
Com
mais de 300 páginas, é tentador encontrar em Bulldogma um
objecto descritível como “romance gráfico”, no sentido que se
lhe atribui uma importância, a um só tempo, de tamanho, gravidade e
sofisticação narrativa, diferenciado-a de outras prestações no
mesmo território criativo. Não queremos de forma alguma negar a
presença de todas essas características no livro, mas antes
especificar, desde logo, que talvez estejamos menos em presença de
um “romance” do que de um densíssima, mas livre, novela centrada
na vida interior da protagonista, Deisy Mantovani, ilustradora (e
grafiteira secreta) que se encontra numa encruzilhada profissional,
mas igualmente nos destroços da sua vida amorosa, e no início da
habitação de um novo apartamento e de projectos criativos. Todas
essas linhas concorrem para criar um substrato da experiência que
criam as condições do que testemunharemos da sua vida, quer aquela
diária do mundo da vigília, quer aquela que é alimentada por ela
nas esferas da fantasia diurna, os medos nocturnos e os sonhos a
qualquer hora. (Mais)
30 de setembro de 2016
Matadouro de unicórnios. Juscelino Neco (Veneta)
Este novo projecto de Juscelino Neco
partilha muitos elementos comuns com o seu anterior Parafusos,zumbis e monstros do espaço, na medida em que a acção se
desenvolve em torno de princípios de abandono em episódios de uma
grande violência física, mortandade e cinismo, mas de tal forma
exagerado que não é propriamente o terror o efeito que se
desenvolve no leitor. Todavia, estamos algo afastados da leveza e
humor desse outro livro, encontrando-se em Matadouro de unicórnios
um tom mais grave. Não nos enganemos, o cinismo está lá, e em
grande medida todo o livro é uma espécie de gozo directo com várias
modas e tendências de alguma cultura popular, mas ao mesmo
tempo busca-se seriedade nesse tratamento. (Mais)
27 de setembro de 2016
Afrodite, quadrinhos eróticos. Alice Ruiz, Paulo Leminski et al. (Veneta)
Esta é uma antologia de várias
histórias curtas que foram criadas ao longo dos últimos anos da
década de 1970, no Brasil, numa série de revistas mais ou menos
irmanadas num mesmo selo editorial (a Grafipar, de Curitiba), e que
haviam sido criadas por ímpeto e trabalho da dupla de argumentistas
que se encontram na capa. Quer Ruiz e Leminski são respeitáveis
escritores, poetas e agentes da cena intelectual brasileira do tempo
da ditadura e, como oficiais da palavra, lavraram-na para as mais
diversas disciplinas. Ora, é no seio da vida diária e alimentícia,
digamos assim, que Ruiz se viu envolvida em algumas das novas
revistas que pretendiam abrir novos caminhos feministas por entre as
publicações da época. Por instância do autor Cláudio Seto, ogrande “samurai” dos quadrinhos brasileiros, Ruiz começou a
escrever roteiros (eróticos e de terror para diversos projectos)
para pequenas bandas desenhadas, sendo seguida pelo seu companheiro e
vida e letras, Leminski, nessa tarefa. (Mais)
16 de setembro de 2016
Ye. Guilherme Petreca (Veneta).
Este parece ser o maior livro do autor,
terceiro a solo. Ye é um volume que quer abraçar de forma
directa e concisa um género determinado, que englobará a fantasia,
a aventura clássica (no sentido de movimento do herói), todo um
percorrer por paisagens mais ou menos familiares por territórios
consabidos da banda desenhada, a fábula antiga e, quem sabe, um
entendimento contemporâneo de que não é sempre necessária a maior
gravidade para conseguir tecer uma narrativa com um contorno de
grande lição a um público mais jovem. Apesar da sua leveza,
mesmo no sentido de Italo Calvino, no sentido em que opõe ao peso da
vida a possibilidade de reflectir através de elementos oníricos e
imaginativos, Ye é um livro que dispõe das suas estratégias
expressivas da forma mais determinada e pensada possível. (Mais)
14 de setembro de 2016
Carolina. Sirlene Barbosa e João Pinheiro (Veneta)
Este livro não tem como seus autores
somente a investigadora e argumentista Barbosa e o artista Pinheiro.
Sendo um livro que coloca a vida e a obra da escritora Carolina Maria
de Jesus na superfície de um novo papel, conta em primeiro lugar com
a autoria dela mesma, mas também de todos os factores que foram
necessários para que a sua obra se formasse e ganhasse corpo
público, sobretudo com o seu primeiro livro, Quarto de despejo,
lançado em 1960 com projecção e sucesso nacional e, depois,
internacional. A um só tempo biografia, exploração das condições
de produção e auscultação da literatura de Carolina, o livro em
si é uma pesquisa, (re)descoberta e interrogação, assim como uma
possibilidade de colocar novas perguntas no tempo presente. (Mais)
9 de setembro de 2016
Sequência mínima: exposição de Filipe Abranches (e texto)
É amanhã a vernissage de uma exposição de desenhos de Filipe Abranches, todos eles provenientes de projectos de banda desenhada, alguns deles "completos", outros "fatiados" de algo maior.
Fomos convidados a escrever um texto que acompanhasse essa exposição, apanhado quase superficial de algumas reflexões debatidas e partilhadas com o autor, de quem somos colegas enquanto docentes e parceiros em projectos criativos, e que de certa forma teriam levado à selecção e baptismo desta mostra.
Apresentamo-lo aqui, com algumas alterações de pouca monta, apenas com o intuito de prendre date, uma vez que não terá o valor que poderia ter caso fosse reforçado com os instrumentos de maior precisão académica que estão ausentes. (Mais)
Fomos convidados a escrever um texto que acompanhasse essa exposição, apanhado quase superficial de algumas reflexões debatidas e partilhadas com o autor, de quem somos colegas enquanto docentes e parceiros em projectos criativos, e que de certa forma teriam levado à selecção e baptismo desta mostra.
Apresentamo-lo aqui, com algumas alterações de pouca monta, apenas com o intuito de prendre date, uma vez que não terá o valor que poderia ter caso fosse reforçado com os instrumentos de maior precisão académica que estão ausentes. (Mais)
8 de setembro de 2016
Hinário Nacional. Marcello Quintanilha (Veneta)
Os leitores de Tungsténio e de
Talco de Vidro encontrarão neste novo pequeno volume um
exercício de contenção em termos de diegese, mas não de
intensidade. Os anteriores livros estariam próximos do género
literário da novela, ou do romance até, sobretudo pela sofisticação
e complexa rede que estabeleciam
entre as linhas temporais e a as percepções, sensações e vida
íntima das personagens. Hinário Nacional apresenta
seis histórias, quase todas curtas (apenas uma passando largamente
das 20 páginas), logo, necessariamente reduzidas em termos de
eventos relatados, número de personagens, intervalo temporal,
espaços, etc. Mas nada disso significa que muitas das outras
características que tornam o trabalho de Quintanilha intenso estejam
ausentes. Aliás, há antes uma espécie de transformação maximal
dessas mesmas características em tão curtas histórias. (Mais)
2 de setembro de 2016
Topografias. AAVV (Piqui)
Se há pouco mencionámos, de passagem,
a discussão desencadeada pela ausência de mais nomes femininos da
antologia de banda desenhada contemporânea brasileira, eis uma
publicação, já deste ano, que demonstra a capacidade organizativa
de um colectivo feminino. É verdade que se se tratasse de uma
publicação em que todos os autores fossem homens, à partida
tratar-se-ia desse título tão-somente como tal, e não pautado por
quaisquer características que se soltassem do seu sexo (a menos que
mergulhassem de forma directa e sublinhada dessa mesma
circunstância). O mesmo não ocorre de forma gratuita ou forçada
com publicações “de mulheres”, mas a verdade é que aqueles
títulos caracterizados por essa circunstância as mais das vezes
demonstram elementos que se revelam claros nas suas intenções de
identidade sexual, política e de diferenciação contra uma certa
visão hegemónica e normativa. Se nos recordarmos de algumas
experiências portuguesas, desde Weavers of Speech a Rata,
encontraremos experiências análogas em que a oportunidade de
publicar em ensemble leva a que se sublinhem essas tais
características, mas sem jamais as arvorar de forma reificadora ou
absoluta. Haverá outros momentos de junção de autoras de banda
desenhada, mas onde essas características não ganham essa
proeminência, como é o caso de Allgirlz ou QDCA, o
que bem ao contrário de um problema é uma conquista. (Mais)
28 de agosto de 2016
Revisão, bandas desenhadas dos anos 70. AAVV (Chili Com Carne)
Permitam-nos começar com uma impressão
totalmente superficial e que o mais certo é não ter grande
sustentação real. Estamos em crer que a recepção deste livro
poderá vir a ser dividida em quase dois pólos opostos e contrários.
Por um lado, a esmagadora maioria das pessoas que medeiam a recepção
e discussão da banda desenhada, de várias gerações, estará
demasiado familiarizada com muitas das peças capturadas nesta
antologia para serem por elas surpreendidas ou então julgarão de
imediato estar em falta algo (uma outra peça, um outro autor, uma
outra natureza de trabalhos, etc.). Se nos permitem, graças ao
desenvolvimento de trabalhos como o documentário VerBd, a
exposição Tinta nos Nervos e uma colaboração de uma mostra de trabalhos de Carlos Zíngaro, ganhámos um conhecimento de alguns
destes autores mais profundo do que a mera leitura da própria
revista Visão e outras publicações que aqui se juntam. Não
tendo sido aquela revista, publicada entre 1975 e 1976, algo que
lemos nessa mesma época (até pela idade, seria impossível), a
circulação do seu nome era já mítica quando nos tornámos
leitores mais intensos de banda desenhada, e era com facilidade que
se encontravam exemplares em segunda mão. Ou seja, a Visão,
em si mesma, era até certo ponto uma referência “viva” nas
discussões sobre história da banda desenhada portuguesa, ao
contrário de algumas outras revistas da mesma época, como a Jacaré
ou a Audácia, etc. (Mais)
26 de agosto de 2016
After Nothing Comes/Little Angels. Aidan Koch (Koyama/MoMA PS1)
Tal qual como ocorre em qualquer outro
território artístico e criativo, ou até mesmo da actividade
humana, existe uma diversidade de gestos, intentos, alcances e
intensidades que deve ser compreendida por ela mesma, não se
pautando uma forma de cumprir um papel pelos princípios de outra.
Mesmo assim, não deixa de ser uma fonte de felicidade quando nos
deparamos com gestos que abandonam as preocupações usuais e
clássicas da banda desenhada, como a de “contar histórias” ou
até “mostrar relevância”, para lavrarem explorações da
própria matéria que constitui a banda desenhada, ou com ela atingem
contornos bem diversos dos usuais. De uma forma nem sempre clara,
decisiva, passível de continuidade, ou totalmente subsumível a
categorizações, e muitas vezes votadas ao desinteresse geral, até
sobretudo por aqueles que mais dedicação parecem demonstrar à
banda desenhada (nas suas prestações mais arregimentadas), são
aqueles trabalhos que merecem o apodo, torto, historicamente erróneo
e complicado, insuficiente, de “experimental”. (Mais)
23 de agosto de 2016
O beijo adolescente. Rafael Coutinho (Cachalote)
A adolescência é uma fase da vida dos
seres humanos (pelo menos no “primeiro” mundo “ocidental”)
caracterizada pela total turbulência. Não é mais a inocência da
infância, pautada por um qualquer grau de protecção, mas também
de maravilha, encantamento e potencialidade total do mundo, mas não
é ainda a segurança e acalmia que a vida adulta poderá
eventualmente permitir, com maior ou menor encantamento. É uma fase
em que o medo do futuro, que surge como um peso inexorável e uma
inconstante incerteza, vem traficar medos, ímpetos, vontades em
formação, conturbadas insatisfações, e ensejos contraditórios.
Mas é ao mesmo tempo um momento de potencialidade de desenvolvimento
incrível. “Energia em estado bruto”, como explica uma das
personagens. Um acesso a poderes especiais. (Mais)
19 de agosto de 2016
Les enfants de Sitting Bull. Baudoin (Bayou)
Como em quase toda a sua obra, como se
se tratasse do seu baixo contínuo, quando Baudoin explora a memória
nos seus livros não a faz com o intuito da sua exposição, mas sim
no de a transformar numa forma de inquirição não apenas do passado
mas da própria individuação de quem a possui. Em que medida é que
a memória não nos pertence somente, mas nos faz? Que
responsabilidades éticas temos nós de nos lembrarmos de uma certa
forma? Que permite a recordação para repensar a história, seja ela
pessoal ou familiar, histórica ou colectiva, cultural ou política?
Colocando a pergunta de uma forma mais simplista e associada ao
título do livro, modo pouco oblíquo de Baudoin sublinhar uma das
questões principais do livro mas que não surge como matéria
central: quem são os filhos de Sitting Bull? (Mais)
17 de agosto de 2016
Tempestade sobre Galveston. Pasquale Ruju e Massimo Rotundo (Polvo)
Em mais do que uma
dimensão, Tempestade em Galveston é uma mais tipificada aventura de western
do que Patagónia, de que faláramos antes. Se ambas estarão subsumias a
uma economia de produção bem mais vasta, a saber, os livros maiores da casa
Bonelli e, ainda mais, toda o historial de Tex Willer, é inevitável que façamos
aqui uma leitura bem mais limitada entre estes dois textos, o que provavelmente
incorrerá numa injustiça interpretativa, assim como uma capacidade limitada da
apreciação de elementos específicos à obra assinada por Rujo e Rotundo. Seja
como for, pensamos que essa via é não só inevitável como necessária no interior
do nosso contexto, e haver uma vontade da parte da Polvo em, ao abrir-se esta
oferta particular, fazer chegar estes livros a um público que não o
especializado texiano. Basta ponderar na diferença abissal entre o tratamento
original, mais inclinado para assinalar a presença e continuidade da
personagem-marca registada, do que este caso, em que é o título específico,
individualizado, que ganha proeminência. (Mais)
16 de agosto de 2016
Resenha de Adjusted Margin. Kate Eichhorn (Cambridge)
Conforme outros casos anteriores, voltamos aqui a divulgar um trabalho de resenhas de cariz académico de um livro teórico-histórico sobre um tema que, de forma bastante significativa, se intersecciona com o campo da banda desenhada. Adjusted Margin. Xerography, Art, and Activism in the Late
Twentieth Century,
de Kate Eichhorn, é um livro que vive na encruzilhada de várias disciplinas, desde a história da tecnologia à mediologia, passando pela sociologia, a crítica da arte, a crítica cultural, estudos feministas, de género e de culturas marginais.
de Kate Eichhorn, é um livro que vive na encruzilhada de várias disciplinas, desde a história da tecnologia à mediologia, passando pela sociologia, a crítica da arte, a crítica cultural, estudos feministas, de género e de culturas marginais.
Adjusted Margin é basicamente a história da máquina de reprodução xerográfica, vulgarmente conhecida como fotocopiadora, mas estuda a forma como essa máquina, inicialmente de uso confinado ao mundo empresarial, de forma célere se tornaria um fundamental instrumento para a expressão de toda uma série de identidades contrárias a essa cultura corporativa. Apesar de Eichhorn não falar de maneira específica e sustentada em relação à banda desenhada, os interessados nesta área aprenderão muito com a leitura deste volume, compreendo em que medida é que esta arte também procurou seguir as possibilidades que esta máquina trouxe. Além disso, e de maneira mais importante, Eichhorn demonstra também como a própria fotocópia veio alterar de maneira significativa as formas de expressão - queer up é o termo, algo difícil de traduzir: "estranhá-las"? -, se não assinalar como ela própria já o seria queer em si mesma.
A resenha foi publicada na estrema, e podem aceder à versão em pdf aqui.Agradecimentos à editora do livro em si, pela sua oferta, assim como aos editores das revistas que recebeu o nosso texto.
11 de agosto de 2016
AAVV. Under Dark Weird Fantasy Ground # 1-3 (Hollow Press)
A revista, cujo título em acróstico,
UDWFG, poderá recordar um murmúrio de afogamento e martírio
de um qualquer demónio, ou um humano nas suas mãos, é com efeito
um objecto de sortilégios macabros e nocturnos. Talvez mesmo uma
espécie de grimório narrativo cuja leitura, se exercida em
determinadas circunstâncias ritualísticas e numa ordem determinada,
destrave as cancelas de outras dimensões tenebrosas e possa fazer
deslizar sombras que nos alterem as percepções. Mas mesmo a sua
leitura comum e semi-distraída colocará os leitores seguramente num
ambiente algo incómodo, de uma maneira indefinida, que por isso
mesmo se torna mais incómoda, ao contrário de prestações mais
violentas ou directas, cujos elementos se tornam de imediato, se for
o caso, obscenos, repudiáveis, mas por isso mesmo mais permeáveis a
sensações estendidas. (Mais)
8 de agosto de 2016
História Universal da Pulhice Humana. José Vilhena (E-primatur)
Este
pequeno volume é um pequeno grande gesto. Se a obra de Vilhena,
imensa, múltipla, variada, espraiada, paroxística até, ainda
continua verificável e viva num substrato contínuo de
alfarrabistas, a sua re-apresentação e até re-formulação sobre
objectos mais “dignamente livros” poderá ser uma senda certeira
a uma necessária re-apreciação. Os seus cultores jamais o
abandonaram, é certo, pugnando mesmo pela sua importância, mas
muitas das suas características impediam, talvez, que a obra de
Vilhena tivesse as mesmas cartas de cidadania na perspectiva do
humor, da caricatura, do desenho de imprensa, da própria actividade
editorial, e até da literatura, que muitos de outros dos seus pares,
quiçá mais bem-comportados. A que deverá essa visão enviesada,
esse “semi-silêncio envergonhado” (R. Zink)? Provavelmente a
ideia de que a obra de Vilhena é “grosseira”. (Mais)
6 de agosto de 2016
Os contos do Planta no. 1. Gustavo Ravaglio (auto-edição)
Este pequeno volume parece ter
vários propósitos. O autor, alimentando a ambição de uma obra de maior fôlego
com as mesmas personagens há algum tempo, encontra nesta história de uma
trintena de páginas uma oportunidade de providenciar um público mais vasto com
a apresentação dessas mesmas personagens. Dessa forma, poderia ser visto como
uma primeira abordagem, a nível de recepção crítica, comercial e até, bem
vistas as coisas, para a própria experiência do autor em produzir de modo
completo a publicação. (Mais)