Ao
folhearmos este livro, cria-se um mecanismo estranho de leitura. Na
primeira imagem, de página inteira, vemos um poste eléctrico, cheio
de fios e ligações. Na segunda, uma caixa de fósforos semi-aberta.
Na terceira, já apresentando uma estrutura de várias vinhetas (duas
apenas, mas num jogo de luz e sombras que multiplica a imagem maior
em unidades menores), o que parece ser um bode em pé, olhando a
chuva lá fora. Depois, introduz-se uma personagem humana, uma mulher
arranjando as unhas a outra mulher. As imagens que se seguirão ora
vão multiplicando os agentes, os espaços, os eventos, algumas vezes
demonstrando pequenas sequências, outras fazendo regressar algumas
personagens recorrentes, outras ainda recolocando objectos em
diferentes funções, e apenas lentamente, lentamente, é que podemos
destrinçar uma ideia de “narrativa” - já que uma intriga nítida
e cristalina jamais se coalescerá – destas imagens aparentemente
desconexas. Apetece-se dizer, com Fernando Pessoa, imagens
“inconjuntas”, e com Giorgio Colli, falar de um “mel da
narração” que garante coesão aos elementos díspares. (Mais)