13 de fevereiro de 2025

Carta Aberta à Ministra da Cultura, a propósito das Bolsas da DGLAB.

Amig@s,

Presumindo que todos sabem já da notícia da extinção da categoria de banda desenhada das bolsas da DGLAB, iremos enviar na próxima Segunda-feira uma carta aberta à Sra. Ministra da Cultura, que esperamos ver igualmente publicada em alguns órgãos de comunicação social nesse momento.

Leiam o seu conteúdo abaixo. Se concordarem com o seu teor, agradecia que enviassem, em mensagem simples, o vosso nome e título ("autor", "professor", "editor", "leitor", "estudante", etc.) para: pedrovmoura@gmail.com

A deadline é este Domingo, dia 16, às 24h00.

Será feita divulgação via redes sociais, e agradeço que possam juntar-se a este esforço de procurar assinaturas. Estas não são vinculativas, naturalmente, mas mostrarão uma tomada de posição concertada da mesma comunidade. 

Queremos acreditar conseguir alguma solução mais satisfatória para todos.

Um bem-haja,

Os signatários


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CARTA ABERTA À MINISTRA DA CULTURA




Exma. Senhora Ministra da Cultura, Prof.ª Doutora Dalila Rodrigues,
Enquanto autores, investigadores, editores, docentes e discentes, e leitores de banda desenhada, dirigimo-nos a Vossa Excelência para manifestar a nossa preocupação e discordância face à medida recentemente anunciada de remover a categoria de banda desenhada do novo programa anual de bolsas de criação literária, atribuídas através da Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, ficando a mesma sujeita “a futuros apoios a definir”.

Recordamos, antes de mais, que o papel dos vários programas de apoio da DGLAB à banda desenhada tem sido meritório, levando à criação de vários livros de excelência pelos autores recipientes das suas bolsas, assim como à publicação de autores portugueses em várias traduções internacionais, sempre de excelente recepção crítica. Reconhecendo o potencial de novas configurações de apoios, acreditamos que a supressão deste apoio à criação não dignifica a banda desenhada. Numa busca contra a precariedade nesta área criativa, o programa de apoios deveria ser antes reforçado nos moldes de outros programas mais abrangentes, como acontece em relação a áreas como o cinema, animação e artes visuais, com apoios à criação, produção, edição, e circulação, em múltiplas categorias.

Segundo comunicação da Sra. Ministra, esta área de produção artística passará a ser contemplada por residências artísticas nas bibliotecas. Esta substituição parece-nos uma decisão equívoca por mais de uma razão. Não obstante o potencial valor que um programa descentralizado de residências poderá ter na produção e promoção de uma cultura de banda desenhada por todo o país, se devidamente financiado, um regime de residência não é equivalente a um regime de criação independente. Por inerência à sua natureza, as residências artísticas impõem aos seus participantes a permanência, por curto ou longo prazo, num local distinto do da residência ou trabalho, restringindo dessa forma a sua autonomia. Uma das consequências será a potenciação da precariedade financeira, desfavorecendo autores com responsabilidades familiares ou profissionais. Acresce a esta questão o facto de que regimes afectos a instituições poderão tornar os projectos candidatos dependentes das prioridades das autarquias (intervenções locais, valorização do património, formação de leitores). Restringe-se assim a promoção e parâmetros de uma criação artística independente, já que os seus processos, conceitos e temáticas nem sempre são compagináveis com o contexto institucional das bibliotecas ou autarquias.

Concordamos com a necessidade de contribuir de uma forma activa para a integração da banda desenhada em vários programas educativos. Defendemos e apoiamos a oferta de formações das mais diversas actividades criativas de modo equalitário por todo o país, do cinema à poesia, teatro, música, e inclusive a banda desenhada. Todavia, parece-nos que aliar a criação da banda desenhada a putativas formações locais cria um equívoco, subsumindo de forma utilitária esta actividade artística à formação de leitores, facilitação de conteúdos, abordagens didáticas do desenho e outras dimensões.

A produção da banda desenhada no nosso país é pautada pela presença de uma clara  oferta de talento e massa crítica, consolidadas pelas publicações, exposições, certames, debates académicos e cursos que lhe estão afectos. Todavia, consideramos que a sua recepção anémica se deve à ausência de melhores condições de produção, nomeadamente que permitam a dedicação exclusiva dos autores, assim como de uma legitimação institucional e mediática que permitiria a devida integração da banda desenhada na vida cultural nacional

A remoção da banda desenhada do programa anual de bolsas de criação literária sinaliza uma desvalorização da banda desenhada como forma de expressão artística, em contraciclo com a recente aprovação na Assembleia da República de um Dia Nacional da Banda Desenhada Portuguesa e o reconhecimento pela Academia Nacional das Belas-Artes da banda desenhada como uma “forma superior de expressão cultural e artística”.

Face a esta alteração, os subscritores dirigem-se à Exma. Sra. Ministra da Cultura, Profª Drª Dalila Rodrigues, solicitando uma reunião em que possam ser definidos princípios de circunstâncias e condições mais adequadas à sua criação e prática.
Com os melhores cumprimentos,

Os signatários
17 de Fevereiro de 2025


23 de janeiro de 2025

Banda desenhada e autismo.



Uma equipa de académicos da Universidade de Cambridge está a fazer um estudo sobre a recepção da banda desenhada (e eventos relacionados com ela) junto a um público adulto dentro do espectro do autismo. Para isso, providenciou um inquérito online (em inglês) que ajudará a colher dados um pouco por todo o lado, para reforçar essa mesma pesquisa.

Todos podem participar, independentemente de estarem no espectro ou não.

Pela minha experiência de ensino nestes campos, com mais de 20 anos, há uma grande incidência de pessoas com quadros clínicos que encontram nestas áreas de estudo e trabalho, e de criação, um território inclusivo e adequado aos seus desejos e capacidades criativas. Naturalmente, todos podem escolher tudo, mas há um ambiente nos cursos de banda desenhada, ilustração, animação e gaming conducente a este convívio saudável e variado.

Se conhecerem alguém ou quiserem participar, visitem este LINK.

Se quiserem mais informação contextual sobre o projecto, vejam AQUI.

Pedro

22 de novembro de 2024

Sexopatia. Marcos Trindade (Chili Com Carne)

Este novo livro do autor repete a concentração em um objecto pequeno que havíamos verificado em
Os Acrobatas, que entendemos na nossa leitura como um retrato carnavalesco de uma certa sociedade política portuguesa. Sexopatia, não deixando de poder providenciar umas achegas à cultura local, todavia atinge um contorno mais alargado, quem sabe próximo do universal. Num momento em que, positivamente, se fala de forma mais franca, aberta e democrática de saúde mental, de expressões da sexualidade, de identidade, de liberdade no amor, de debatermos formas saudáveis de repensar as relações entre as pessoas, inclusive sexuais, mas igualmente sob a esteira de novas justiças e reequilíbrios sociais e políticos em relação às mesmas realidades, não convém deitar fora o bebé com a água do banho. A pulsão sexual é, ainda, selvagem, animal, conspurcada, absurda, porca, estúpida, má, egoísta, bruta, franca, e, por isso, um dos grandes bastiões da verdadeira e ulterior liberdade humana. 

2 de julho de 2024

Bandas Desenhadas: "Histórias de Bondade", de Yorgos Lanthimos.



Uma leitura breve de Histórias de Bondade, de Y. Lanthimos, para o Bandas Desenhadas.

texto aqui.

1 de julho de 2024

LERBD: 20 anos.


Por incrível que pareça, já passaram 20 anos desde que abri este espaço dedicado à banda desenhada. Como já escrevia em alguns títulos, pequenas resenhas com o espaço que havia (na Mondo Bizarre, mas já antes na flirtUrbe, e outras coisas), e na Quadrado foram-me sendo abertas as portas a estender-me em objectos mais ensaísticos, o blog começou como um bom repositório desses textos, logo plataforma de novas reflexões e, ao longo dos anos, palco onde fui experimentando moldar a aprendizagem do discurso crítico, transformado à medida das minhas próprias leituras, aprendizagens e maturação. E não foi apenas a banda desenhada, pois em rigor falei de ilustração, projectos literários que mesclassem imagens, animação, cinema, objectos poético-icónicos, colecções de desenho, e outras realidades...


Houve muitas fases, distintas, diria, e momentos diversos de vontades, energias, capacidades e possibilidades. E que também se relacionavam com outras actividades que estivessem associadas: organização de exposições, de documentários, escrita de obras maiores, a criação autoral, o ensino, etc. Não se pode negar a associação de uma coisa a outra. Quando iniciei a minha escrita sobre banda desenhada, nos anos 1990, era de uma maneira muito tímida. No início dos anos 2000, foi sendo cada vez mais agressiva e fincada, abrindo portas a outras colaborações, alianças e certezas. Numa "cena" tão pequena como a nossa, não foi difícil a integração, circulação mas também tomada de posições mas que sempre foram livres e transversais (não me esquecerei quando o Geraldes Lino ficou muito surpreendido por me ver a colaborar com o Festival da Amadora, achando que eu era um "alternativo do Salão Lisboa", com o qual, na verdade, nunca colaborei).


Não esconderei que tinha a esperança, assim como presunção e água benta, de ir contribuindo para uma nova maneira de pensar e reflectir e escrever sobre a banda desenhada (na esteira de um Domingos Isabelinho e muitas referências internacionais), mas passadas duas décadas, não me parece que tenha havido uma transformação profunda da "crítica", palavra sobre a qual continuo a ser egoísta (não é o mesmo que "opinião", "resenha", "notas", "leituras", etc.). Continua a haver falta de espaço de mais profundas e balizadas considerações culturais da banda desenhada, não foi conquistado lugar suficiente em meios de comunicação mais "tradicionais" (jornais, televisão, mesmo a rádio, apesar dos esforços). O campo continua preocupado ainda mais em divulgação, senão somente repetição de notícias, mas há excepções, claro, capazes de furar a doxa e o desejo claro da entrada em pequenos enclaves de amizade e repetições, e menos em tomadas de posicionamento verdadeiramente crítico, em contextos mais alargados. 


Gostaria de pensar organizar algo mais bombástico, mas fiquemos com algo simples. Na próxima Segunda-Feira, ao fim do dia, na FBAUL, no seio dos eventos da COST, haverá uma pequena mesa-redonda comigo, os críticos Sara Figueiredo Costa e José Marmeleira (a primeira escrevendo sobretudo sobre literatura, o segundo sobre arte e música, mas ambos igualmente dedicando-se mal podem, e de forma séria, informada e alargada, sobre banda desenhada), assim como a Ana Matilde Sousa/Hetamoé e Hugo Almeida/Mao, ambos usando os chapéus, cosidos uns nos outros, de investigadores académicos, organizadores de eventos, editores e artistas de banda desenhada. O tema lançado é o da tarefa da crítica, usando para título os termos empregues pelo crítico literário J. Hillis Miller, num texto muito influente, demonstrando a abertura que essa tarefa permite na leitura de um determinado texto.


Estão convidados!



17 de junho de 2024

O homem que sonhou o impossível. Mário Freitas e Lucas Pereira (Kingpin)


Este livro, apesar de curto, convida o leitor a ler para além dele, uma vez que mexe com todo um imaginário caro ao mesmo, já acólito desse mundo, pelo que é muito difícil lê-lo de forma estritamente textual, atendo-nos aos seus elementos presentes. Apesar da roupagem fictícia, ele cria elos imediatos com o mundo real, e as respostas a esses estímulos expandem a eficácia do título. Aparentemente, tratar-se-á da história de um velho artista de banda desenhada, chamado Jack King, vivendo num lar de terceira idade, onde outros colegas de profissão também passam os dias. Mas um mistério oculta-se na biblioteca do lar, que despertará um último e grande conflito, o qual resolverá uma crise de décadas e trará a ideia, talvez, de uma possível redenção.

7 de junho de 2024

Larva, Babel de uma noite de São João. Julían Ríos (Barco Bêbado)

Saiu a lume, pela Barco Bêbado, a versão portuguesa do “romance” (usemos a palavra e aspas, para já) de Julián Ríos, lançado originalmente em Espanha em 1983, Larva. Babel de uma noite de São João. A um só tempo figura fulcral de uma certa reinvenção pós-moderna das letras espanholas e marginal do seu status quo, este é um daqueles livros que reformula estrutural e ontologicamente a própria noção de género, senão de literatura.

A literatura nem sempre é literatura. A maior parte das vezes apresenta-se como um veículo que se pretende disfarçar a si mesmo enquanto transparente, meio para um mundo diegético que se forma algures nas nossas mentes de leitores e nos faz crer que tão-somente o observamos através de uma janela, continuando o programa de realismo de Alberti. Talvez mesmo aquela transparência de que Walter Benjamin fala [Durchsichtigkeit], e que se torna obsessiva ao longo do século XX, e a sua noção de avanço tecnológico, regime da razão e progresso, ocultando a barbárie que é o seu preço. Famosamente, no seu ensaio “O contador de histórias” (“Der Erzähler”), Benjamin separa o acto (oral) de contar histórias do da escrita de um romance, colocando este não apenas dependente do objecto-livro e da história da imprensa, mas desligando-o também da experiência tornada comum, ou “vivência” (Erlebnis), nascendo do indivíduo isolado, sem recurso à sapiência. Escreve o ensaísta o seguinte:


Escrever um romance significa levar o incomensurável ao extremo, na representação da vida humana. No seio da completude da vida, e através da representação desta mesma completude, o romance oferece as provas da perplexidade profunda dos vivos.” (mais)

5 de junho de 2024

Pessoa e o Cinema - Ciclo e debate.




Conforme notícia anterior sobre a publicação da última revista Pessoa Plural", eis o LINK onde podem encontrar mais informações e como aceder o visionamento de vários filmes associados à figura de Fernando Pessoa, inclusive os projectos de animação que depois debaterei com Marcelo Mello no dia 12 de Junho, a partir das 19h de Portugal.


3 de junho de 2024

"A pluralidade de Pessoa em filmes de animação e histórias em quadrinhos" (artigo académico)

É com imenso prazer que partilho um artigo de natureza académica sobre banda desenhada, animação e Fernando Pessoa que vi publicado na prestigiada revista Pessoa Plural, no. 25, 2024, intitulado "A pluralidade de Pessoa em filmes de animação e histórias em quadrinhos".


Faço sobre análises formais de trabalhos de bandas desenhadas e filmes de animação, curtas e longas, a cor e preto e branco, adaptando e baralhando, pelos autores brasileiros Eloar Guazzelli, Otto Guerra, e Laerte Coutinho, o português radicado em França José-Manuel Barata Xavier e o francês Thibault Chollet, mas uma última sessão mergulha igualmente na minha própria prática, discutindo a adaptação de Mensagem, que fiz com a Susa Monteiro.


Ficam os agradecimentos aos editores, sobretudo Marcelo Mello e Jerónimo Pizarro, que me foram ajudando a moldar as ideias e o texto. E ainda ao Dário Duarte, pela pesca de uma referência certeira.


Há livre acesso ao artigo sob a forma de pdf, aqui.


No dia 12 de Junho, pelas nossas 19h às 21h, estarei numa sessão de visionamento de alguns destes filmes, seguidos de comentários e discussões. Mais informações sobre isso atempadamente.

31 de maio de 2024

Boa noite, Punpun; vol 1. Inio Asano (Devir)

Já se passaram quase 20 anos desde a publicação do primeiro volume desta série, no Japão. A sua tradução para inglês demoraria cerca de 10 anos, mas a recepção foi célere, impactante e significativa em vários países, tornando Asano num nome importante na produção de banda desenhada japonesa contemporânea dirigida a um público mais adulto, a sua recepção crítica e influência, e abrindo caminho a uma maior atenção a outros dos seus títulos. Há quase dez anos, discutiu-se neste espaço A Girl on the Shore, onde assegurávamos ser a voz deste autor a de uma representação da “melancolia urbana e da sufocação emocional da juventude japonesa (ou global)” e falámos brevemente de Punpun (que havíamos lido parcialmente em inglês e francês, mas nunca na totalidade) como um “lentíssimo mas profundo Bildungsroman anticlimático”. Ora, agora finalmente os leitores portugueses poderão atestar a correcção destas palavras, ou sua falha, ao lerem aquela que parece ser ainda, se não a magnus opus, pelo menos a obra de maior impacto mediático do autor. Esperemos que o seu sucesso contínuo, juntamente com outros projectos da mesma editora, com Taiyo Matsumoto, Shiegeru Mizuki, e outros, possa garantir a contínua aposta em outros géneros e tipologias da mangá que não a shonen (campo no qual a excelência é inegável, diga-se de passagem, simplesmente não estará nos nossos interesses pessoais principais). (Mais)