6 de novembro de 2005

Blazt. AAVV (Blast)


Não vos será difícil descobrir quais os caminhos que levaram ao surgimento desta publicação, já que os autores/editores fazem todo o historial no texto de apresentação. O objectivo é simples... e daí talvez não. Contribuir para a emergência de um mainstream de banda desenhada em Portugal. Bem-vindos sejam. Apesar dos meus gostos pessoais incidirem mais para um outro tipo de busca estética (nem sempre, claro, basta ver os títulos de que falo), concordo que só na existência de um sólido mercado “normal” é que se ergueriam outros mais projectos. E é caricata a situação no nosso país em que os autores com mais destaque e trabalho e prestígio sejam normalmente de uma certa “tipologia” que, em países com a França, Espanha ou Estados Unidos, estariam no círculo dos “independentes” e “underground”....
Mas o mainstream é mesmo isso, estar no centro do rio de caudal mais grosso, ir com a enxurrada e ser-se pouco mais que derivativo de mais uma mão-cheia de outros nomes. Bastará olhar para os trabalhos aqui incluídos. Se bem que a apresentação gráfica do próprio objecto-revista seja cuidada, quase profissional, o papel lustroso e as cores não ajudam a salvar a falta de qualidade dos argumentos lineares e os fracos dons artísticos aqui reunidos. Não é trash, de modo algum! Mas se os desenhos de Ricardo Cabral são muito promissores e nos dão vontade de descobrir mais ou mesmo folhear todo um livro, os restantes contributos pecam por uma série de clichés já habituais nestes círculos: os rostos de João Paulo Baptista ecoam um derivadíssimo neo-manga europeu e os sépias e restantes estratégias servem para o disfarçar; a vinheta da mão sobre a maçaneta de João Martins não devem nada a Thomas Ott, mas a montagem é desequilibrada entre as pranchas e o argumento um pouco tipificado; a “Lorelei” de Ana Sousa, parece demonstrar um desses clássicos erros de divórcio entre uma “ideia” (gráfica, suponho) e a sua concretização; os desenhos de Tiago Albuquerque são interessantes mas num diálogo mal-aplicado com a história que se conta; a história de Ricardo Pires Machado, não obstante o seu moralmente inatacável objectivo, incorre num tipo de poeticidade que não tem outro nome senão “piroso” (e sim, sou “amoral” no que diz respeito à apreciação estética). O facto de se incluírem informações laudatórias destes autores e prémios atribuídos não ajuda à sua apreciação directa.
A história de Hugo Almeida, finalmente, parece-me ter uma potencialidade que apenas não foi cumprida por falta de “apertar uns quantos parafusos”. Quer dizer, sinto que os elementos estão lá, e até mesmo uma estrutura, mas falta-lhe um ingrediente final. É quase detestável dizer isto, mas será experiência? Só o tempo e mais trabalhos destes autores o dirão...Posted by Picasa

1 comentário:

Pedro Moura disse...

O Caro ZZZ tem toda, toda a razão. Apesar de eu ser um leitor mais interessado sobretudo em trabalhos mais "alternativos" e "artísticos", tenho também as minhas leituras de sinal mais mainstream, e por vezes coisas muito comerciais. Todos nós temos direitos à nossa descontracção, apesar de eu utilizar este blog para fins mais específicos, académicos, de uma busca contínua de instrumentos de pensamento e crítica à banda desenhada. Adiante. No entanto, também acho divertido que os autores mais respeitados e conhecidos em Portugal (e de que eu gosto também) sejam aqueles que, num outro local onde existisse um verdadeiro mercado (E.U.A., Japão e França-Bélgica), seriam os "alternativos". Cá está ao contrário. E temos autores comerciais, mas cujos projectos são fracos... A Blazt faz uma aposta num formato bem-vindo e com um intuito até louvável. Mas, em primeiro lugar, não é a primeira vez que surge um projecto deste cariz. Já muitos surgiram e morreram logo, como o Art9 (bem inferior em termos de qualidade, mas que se aguentou uns belos números). O problema é típica sardinha de rabo na boca". As editoras não apostam em trabalho de novos autores maismainstream e os artistas mais mainstream não trabalham. A Devir editou agora uma "high-fantasy" escrita por P. Faria... mas concordarão que é um livro fraquíssimo e pastiche reaquecido várias vezes dos epígonos dos imitadores dos...etc. dos originais. Por isso nem falo disso aqui, não é minha intenção fazer demolições. Mas outro factor seria o leitor. A série do "Jim del Mónaco" podia ser assim e assado, mas era mainstream e competente. Já se esqueceram? Eu também me parece, repito, que se houvesse uma maior aposta em material comercial mas bem feito, que poderíamos vir a ter um "mercado". Mas não me parece que fosse possível esperar alguma vez que tivéssemos histórias de, p. ex., super-heróis... Seria ridículo e uma imitação de um género muito "americano". Por outro lado, parece-me que esforço tem de partir dos autores em primeiro lugar em se tornarem bons no desenho de banda desenhada (e não só na ilustração, desenhando grandes dragões e mulheres e pistolas) e nas histórias (tornando-as complexas e não com tramas e diálogos adolescentes e absolutamente chãos) para poder pedir às editoras que os publiquem. A Devir, a VitaminaBD, a Asa, a Polvo e outras plataformas editoriais estariam mais do que interessadas em publicar bons trabalhos mainstream, mas esses trabalhos temem em aparecer... Os leitores também não podem esperar ver surgir coisas "iguais" cá do que "lá fora"...
A Blazt não é má de todo. Mas o discurso "vencedor antes da partida" pareceu-me sempre um crime de hubris, e já se sabe o que lhes acontece. Os trabalhos no interior são muito "fogo de vista". Bonito, sem dúvida, mas por enquanto inconsequente, e mais promessa do que material legível. Não acredito que muitos leitores tenham ficado com vontade de "ler" mais. De "ver", sim, mas não de "ler". Mas isso não é banda desenhada, é ilustração...(e não tem nada a ver com uso de palavras, texto ou ser narrativo, tem a ver com a criação de uma obra "legível enquanto banda desenhada"). Fico-me por aqui, mas haverá muito mais a falar...
Abraços!