18 de junho de 2008

Spring # 4, Garten Eden. AAVV (Spring)

Spring é uma revista de banda desenhada, ilustração e desenho do que parece ser um colectivo de artistas, alemãs e doutros países, radicadas em Berlim e de círculos independentes, cuja máxima preocupação é divulgar o seu trabalho, e não construir uma qualquer associação que as una num qualquer princípio organizativo de escola, estilo, editora... O site da Spring mostra-se precisamente como um aprogramático espaço de divulgação, cujo silêncio ou ausência de informações claras e definidas nos levam a concentrar nos trabalhos ofertados. O mesmo se passa com a revista, apresentado biografias mínimas e os endereços dos sites das artistas (informação gera informação gera informação). Não estando seguro se os anteriores números seguiriam o mesmo modelo, este número 4 porém é temático, versando sobre o conceito do “Jardim de Éden”.
Alguns dos trabalhos aqui incluídos apresentam irónicas revisões do mito de Éden, de modos mais ou menos claros e expectáveis, ou de modos bem mais subtis. Poderá parecer facilitista dizer que se tratam de versões “feministas”, mas a verdade é que estas participações sublinham aspectos que de facto têm a ver com a “condição feminina”, ou aquilo que parece ser essa condição enquanto imposta pela(s) sociedade(s) em geral: a maternidade, o desejo de beleza eterna como modo de conquistar homens e, mais, como único modo de existência de cidadã no mundo, as obrigatoriedades domésticas, etc. E tendo em conta que é precisamente a partir desse mito que no complexo judaico-cristão as mulheres passam a ser vistas como a parte culposa, que acarreta a morte em si mesma, que induz às permanentes quedas, todos estes trabalhos funcionam como uma espécie de correcção, de desvio ou de reposição de um peso.
Como já havia dito anteriormente, existe, de facto, algumas características que parecem recorrentes nalgumas mulheres, que têm a ver com a representação do próprio corpo enquanto plataforma de transformações angustiosas, mas também como espaço de revelação de uma violência indizível ou que, apresentada enquanto algo aparentemente doce, oculta uma dimensão mais negra e terrível. Isto poderá parecer em demasia uma entrega a ideias sobejamente difundidas, desde os versos finais do Fausto (“O feminino eterno/Atrai-nos para si”, na tradução de Agostinho D’Ornellas) ou a teorias mais vagas que apenas desejam sublinhar o estado do mundo. Mas é a observação cuidada que leva a estas afirmações: por exemplo, mesmo as mais delicodoces páginas na antologia, as de Moki, que aparentemente mostram um sonho passado numa terra onírica e deliciosa, ostenta a mortalidade quer das criaturas quer da destruição que elas acarretam. Natalie Huth, com "The Serpent’s Egg" (relembrando o filme de Bergman; e aqui com uma das imagens), é mais clara, com a sua série de desenhos e poema que parece explorar a permanência da serpente como parte integrante da vida dos humanos (a sua presença enquanto símbolo da maternidade, da gravidez, na união pouco alquímica do casal...). “Estávamos mortos. Era um sonho”, começa o poema assinado por Eva: é deste ponto de equilíbrio misterioso que as imagens conseguem dar conta. Laureline Michon apresenta uma série de gravuras, na qual se conta “O aventuroso périplo de Eurídice, filha de Eva, ao longo do rio Estige-Amor”. De novo, uma revisitação de princípios paradoxais, e num emprego dos materiais visuais reminiscentes de Frédéric Coché (Hortus Sanitatis). Imagens alegóricas parecem ser também o território do trabalho de Carolin Löbbert e Almuth Ertl. Maria Luisa Witte apresenta uma pequena sequência em torno de um muro urbano e degradado, cujo título, “Der ummauerte, der umwallte” (i.e., algo como “O emuralhado, o emparedado”; aqui apenas um fragmento de uma imagem), nos obriga a procurar em todos os seus pormenores, grafitti, frases curtas, brechas, e nas plantas que despontam por sob o cimento, os vestígios do que reside no seu passado, uma vez que o que encerra, o que está do outro lado, é impossível de alcançar (como variação do Paraíso Perdido, talvez).
É da atenta observação das características específicas de cada um destes trabalhos, mas associadas num subsequente afastamento e procura do que as torna em comunidade possível, que emerge uma intuição de um movimento coeso e unido desta criação feminina, multímoda, variada, até mesmo passageira, mas cujo rasto de uma angústia estranhamente familiar é bem real.
Nota: agradecimentos a Teresa Câmara Pestana, por me ter colocado nas mãos esta publicação.

3 comentários:

Anónimo disse...

pequena nota ...este colectivo de autoras/editoras é de hamburgo cidade cheia de vitalidade bedéfila

Pedro Moura disse...

Hamburgo! O nome da cidade estava no fundo da cabeça, pois a Teresa havia-mo dito e avisado várias vezes em Beja, onde nos cruzámos (e obtive a revista)... Depois, "varreu-se-me" e escolhi Berlim, por ser a cidade onde foi editada.
Obrigado pela correcção.
Outra nota: quase todas as autoras da revista têm sites com os seus trabalhos, mas a partir do da Spring poderão alcançá-los.
E se a Teresa quiser deixar mais informações, é só dizer que aprendemos todos.
Obrigado e beijinhos,
pedro

Anónimo disse...

professor és tu, ó malandro