Nota inicial: Ao contrário do que costumamos fazer, este texto é acompanhado de uma entrevista que retoma quase ponto por ponto os argumentos deste texto, incorrendo-se no risco de haver alguma repetição de ideias, leituras, etc.
De certa forma, poder-se-á considerar este um livro não apenas transdisciplinar nos seus métodos como marcado pela variedade dos seus objectos de estudo, com isso desejando menos eleger um corpo de textos a analisar, do que compreender uma área contextual que é atravessada por uma série de questões que vibram entre esses mesmos textos e, portanto, é por eles formada. O autor é muito claro numa frase da introdução, quando diz que o seu livro “se movimenta por entre a banda desenhada, a animação e o cinema de imagem real, localizando instâncias recorrentes não só do ‘estado de animação’ [animatedness, um conceito de Sianne Ngai], mas de máquinas desobedientes, possibilidade plasmática, imagens lúdicas e produção de imagens” (23). Como se compreende, então, estão em jogo desde logo áreas criativas que são mais ou menos compreensíveis como tal (banda desenhada, animação, cinema), como conceitos operacionais que os atravessam e são igualmente reflexo de realidades culturais (as máquinas desobedientes, o estado de animação). (Mais)
Estudam-se, portanto, as séries de banda desenhada e os filmes de animação de Winsor McCay (sobretudo Dream of the Rarebit Fiend, Sammy Sneeze, Little Nemo in Slumberland, e Little Nemo e Gertie), comparando-se com outros filmes antigos, das experiências de Blackton e Cohl às adaptações de Edison, passando por filmes publicitários ao documentário Le mystère Picasso, de Henri-George Clouzot, para compreender o impacto da modernidade, sobretudo urbana, de velocidades várias, máquinas em movimento, trânsito, nos corpos e no trabalho/esforço do artista; comparam-se Metropolis, Frankenstein, My Fair Lady e Jerry Lewis, para iluminar a ideia das “máquinas desobedientes”; estabelecem-se paralelos entre os filmes Lust for Life, de Vincente Minelli sobre Van Gogh, e a curta-metragem de Paul Falkenberg e Hans Namuth sobre Pollock (e outros filmes), para perceber a emergência de uma certa forma de ver a arte, a vivacidade do Expressionismo e uma espécie de “vitória espiritual” dos Estados Unidos nó pós-Guerra; e, finalmente, lêem-se os super-heróis como figuras exacerbadas, mas necessárias, dos limites da imaginação, segundo a noção da função da irrealidade de Bachelard. McCay é uma espécie de catalisador das linhas de força do pensamento de Bukatman, mas como espírito tutelar, não propriamente como ponto de comparação, nem modelo único.
O autor faz convergir factores estéticos, sociais, tecnológicos e outros para compreender como todas essas várias determinações, mesmo não marcando com uma absoluta segurança a origem, são pelo menos marca decisiva de diferenciação. Na óptica de Bukatman, Muybridge, por exemplo, alterará a forma fundamental da banda desenhada, por exemplo (34 e ss.), uma tese que deve ser estudada em conjunto com um dos capítulos de Smolderen em Naissances… Surge um interesse maior pela temporalidade, há uma maior rapidez quer na produção (o tipo de desenho, mais solto desde Töpffer), quer nas próprias histórias (os intervalos de tempo entre cada “vinheta”), quer ainda no consumo (o jornal diário ou semanal). A qualidade de efémero desta nova banda desenhada é muito diferente do que se verificara nas gravuras de Hogarth ou nos álbuns de luxo de Töpffer, por exemplo. Essa influência, porém, não serviria para a mimese total da forma de entender e regrar o mundo (os movimentos, os corpos, a gravidade, etc.) mas antes seriam o factor que levaria à sua subversão por estas formas de arte: “uma resistência gráfica em relação aos imperativos racionalistas cartografados pela cronofotografia, uma quebra da ordem face ao cerco da ordem” (163).
Poderemos dizer que “animação” não é aqui entendida (ou, pelo menos, somente) como uma disciplina artística – a criação de objectos fílmicos que sintetizam a ilusão de movimento através da coordenação de várias imagens criadas individualmente – mas antes num seu sentido filosófico e transversal, a de uma espécie de energia tanto somática como psíquica. No primeiro sentido entendendo uma qualidade que atravessa os corpos das personagens, a tensão que passa do trabalho intenso do animador para a sua obra (numa primeira fase, mais autoral, marcada pelas primeiras práticas da animação, mas sobretudo pela obra de McCay, em Little Nemo e Gertie, posteriormente numa estrutura mais fordista, cujo exemplo máximo viria a ser representado pela Disney, se bem que a história seja mais complexa, cf. adiante). Assim entender-se-ão melhor as palavras, comparativas mesmo, entre o “corpo contraproducente” de Sammy Sneeze e a “resistência perceptiva e alucinada em relação às exigências do real” em curso na série Dream of the Rarebit Fiend (23). Mas também se cita o famoso ensaio de Eisenstein sobre Walt Disney, compreendendo-se assim o “animismo”, ou a “plasmasticidade” como “um dinamismo inerente à forma: tudo se encontra no processo de se tornar outra coisa; o mundo era móvel [mobile], em todos os sentidos da palavra” (107). Em inglês, o termo “tornar” é becoming, usualmente a palavra empregue para traduzir o conceito deleuziano de “devir” (devenir). Ou seja, não se trata tanto de uma decisiva transformação de uma forma noutra, mas antes a própria condição de possibilidade desse movimento e a sua virtualidade contínua. Como se escreve mais à frente, “a mutabilidade é antes uma simples condição do ser” (114).
O conceito de Sianne Ngai, apresentado em Ugly Feelings, e que traduziremos em português por “estado da animação” (imaginando ser desnecessário construir um neologismo, e tirando partido na natureza da nossa língua), é muito preciso e associa-se a leituras associadas aos estudos culturais e à teoria dos afectos. Poder-se-ia descrever como um estado de excessos (excesso de emoção, excesso de natureza, excesso de expressão), que usualmente está associado, por sua vez, à representação de grupos subalternos, como as mulheres ou minorias étnicas no interior dos Estados Unidos. Trata-se de um conceito complexo e paradoxal, uma vez que esse excesso (que leva a que as personagens sejam mais dadas à canção, à dança, etc.) implica que se tornem uma espécie de fantoches esvaziados transformados em meros meios através do qual representações externas - preconceitos, estereótipos, etc. - os “animam”). No entanto, Bukatman emprega esse conceito menos para uma leitura ideológica dos textos eleitos - o que seria relativamente fácil de fazer, e seguramente fértil - do que para um entendimento do tipo de utilização pragmática, fenomenológica e afectiva a que esses textos são sujeitos. Ou seja, há uma clara separação entre a interpelação ideológica que esses textos podem implicar (numa concepção política de uma hegemonia absoluta entre criador, obra e leitor/receptor) e o investimento emocional que os leitores podem procurar, de maneira a constituir a sua própria experiência. A qual, claro está, é tão diversificada (e, deleuzianamente, virtual) quanto os leitores.
Criam-se, porém, intervalos de condições de leitura, ou de uso. Sem reduzir os contextos a qualquer determinismo económica (a de, por exemplo, a capitalização de tudo), o autor não deixa de auscultar as diferenças sociais e económicas que estão em curso na própria animação, por exemplo contrastando a liberdade de produção e criação de um autor “solitário” como McCay, no seu primeiro filme, pelo menos, com a linha de montagem fordista que iria nascer sobretudo pelas mãos de Disney. Discutindo as lições de Rosalind Krauss e de Terry Castle sobre algumas dessas alterações na malha produtiva, Bukatman escreve que ambos “descobrem um oásis de desordem espreitando algures nos vastos desertos da razão e do capitalismo industrial, mas escolhem compreender essa presença de modos diferentes, Krauss sublinhando (ou pelo menos apontando) as restrições ideológicas da imaginação plasmática” (sobre os paradoxos dos primeiros filmes da Disney, aparentemente “libertadores” das figuras animadas) (132). O discurso é, verdadeiramente, académico, jamais procurando modelos absolutos e que atravessem toda a produção, mas antes respeitando os interstícios das negociações e tensões possíveis.
Não nos deixa de surpreender, porém (apesar do perigo de presunção que isso implica), que apesar de tantos exemplos, e citações variadas, o programa de Bukatman não se abra para os seus próprios limites ou os das áreas de que trata. Por exemplo, quando diz que “a animação é mais sobre a sua própria condição do que qualquer outra coisa” (115), poderia aqui encontrar um pasto de pesquisa quer pensando naquela famosa frase de N. McLaren - “a animação não é a arte de desenhos que se movem, mas a arte de movimentos que se desenham” – quer numa nota de Paul Wells – “a animação intrinsecamente providencia uma oportunidade para expressar a vida no seio do desenho/escultura, etc., nos seus próprios termos, antes de expressar a obrigação em narrar ou fazer associações representacionais” (nt. 32, pg. 227; do seu importante Understanding Animation). Esta seria uma oportunidade para falar de Reynaud ou de Svankmajer, já para não falar de outras experiências mais artísticas, radicais, abstractas (apesar de se citarem Stan Brakhage a William Kentridge), mas na entrevista o autor sublinha um aspecto importante, mesmo que o não desenvolva (e que tem a ver com a irrupção inesperada dos textos na vida quotidiana).
Como dissemos, são muitos os conceitos debatidos e experimentados ao longo de vários exemplos destas várias áreas. Acreditamos mesmo que a sua pertinência e influência sobre outros estudos (temos algum receio na palavra “aplicabilidade”, que pode dar a entender uma certa facilidade em transformar as lições de dado autor em sebentas prontas a aplicar, e não é essa a ideia a transmitir) é real e alargada. Por exemplo, quando Bukatman estuda o modo de relacionamento entre os conceitos de uncanny/Umheimlich/estranho familiar e sublime, ou como o primeiro conceito é entendido de forma diferente na sua existência cinematográfica por autor como Lev Manovich e Laura Mulvey, não deixa de ficar uma certa pulsão por uma maior precisão conceptual que pode ser iluminadora em relação a várias questões futuras.
O conceito das “máquinas desobedientes” operam num campo transmediático bastante alargado, como vimos. Desde o monstro de Frankenstein, que escapa ao poder do cientista que o compõe, à Gertie de McCay que “se porta mal”, passando por Pinóquio, a Maria de Metropolis, Eliza de My Fair Lady e até mesmo Jerry Lewis (graças à plasticidade do seu corpo, rosto, voz, etc.), cria-se um espectro muito alargado, produtivo mas sem jamais perder a pertinência de um campo teórico preciso. Essa desobediência, apesar de “paradoxalmente programada” (sobretudo quando estamos a falar de universos fictícios ou de produtos de uma arte em que tudo está previsto e controlado, como a animação), é sinal de um outro tipo de animismo: “a máquina comporta-se autonomamente e prova a sua autonomia por se portar mal [misbehaving]” (146, sublinhado original). É sobretudo nas passagens e metamorfoses internas a algumas dessas personagens (Pinóquio quer ser um rapaz verdadeiro, as personagens da animação saltam dos tinteiros e querem ser autónomas, Eliza não será uma escrava do Professor Higgins, etc.) que se sublinhará o “estado de animação” e a sua existência enquanto nexo do devir humano: “a espontaneidade e a animatedness são marcas do humano” (152).
Outra das dimensões importantes sublinhadas por Bukatman é a gravidade do corpo humano, as marcas do labor. “Viver é lutar por definição, e essa luta é trabalho da mais alta e exigente ordem”; e é assim que McCay e Picasso são vistos como figuras maximais da representação dessa acção – vemos as mãos deles, as expressões enquanto trabalham, as suas ferramentas, o ânimo que os atravessa, “a actividade de refazer o mundo em termos da estética própria de cada um” (177). Winsor McCay, porém, vem trazer uma exuberância visual e de produção muito diferente em relação aos artistas que trabalhavam na sua época, tanto na banda desenhada como na animação. Um rápido contraste entre os filmes de Émile Cohl ou Blackton e o primeiro filme de McCay (com Nemo) demonstrará a distância entre uns e outro. Na banda desenhada isso poderá parecer algo mais diluído, sobretudo se não se tomar em conta a circulação dos trabalhos e a data de surgimento das séries de McCay (não apenas Nemo, mas os Dreams, Sammy Sneeze, Hungry Henrietta) mas também se verifica.
A ilusão do primeiro cinema, de dar vida a imagens inanimadas (Out of the Inkwell é o exemplo mais citado), parece ter deixado uma marca indelével na forma de pensar esta(s) forma(s) de arte mesmo nos seus desenvolvimentos mais tardios. O que não deixa de ser de um significado extremo nos nossos próprios dias, tendo em consideração que algum tipo de cinema, sobretudo o de Hollywood, tem integrado cada vez mais animação como factor estrutural e substancial das suas produções (O Senhor dos Anéis, Avatar, etc., são filmes de animação com alguns actores?).
O livro é composto por seis ensaios que podem ser lidos singularmente, sem a necessidade uns dos outros. As leituras clínicas (sobretudo dos textos fílmicos) de Bukatman tornam estas páginas em verdadeiras lições de como a interpretação, ou a leitura crítica verdadeiramente dita, de um filme não se pode ater somente a questões de ideologia, representação e significado, mas a estruturas físicas, tecnológicas e afectivas (veja-se a análise de Lust for Life). Como o próprio autor explica, esta não é uma monografia nem uma tese onde se argumenta uma ideia-chave que depois se vai teorizando ao longo das suas páginas. Não obstante essa estrutura mais modular, a verdade é que a leitura de um capítulo (com as suas próprias noções principais, o seu campo de textos, as suas perspectivas mais específicas) acaba por fazer emergir uma ideia mais ou menos integrada sobre uma certa produção cultural, contextualizada num espaço e num tempo (os Estados Unidos que emergem na modernidade do século XX), e que servirá de modelo a, pelo menos, o mundo ocidental que se seguiria (capitalista, democratizado, etc.). O papel destes textos culturais, porém, não são as de meros repositórios de ideologia, ou instrumentos de identidade hegemónicas: são eles mesmos palcos de tensões, negociações, brechas nesses mesmos discursos. Armas cuja funcionalidade principal é mesmo que saia o tiro pela culatra, poder-se-ia dizer. Numa citação que faz de Johan Huizinga, Bukatman fala de “mundos temporários no interior do mundo vulgar, devotos ao cumprimento de um acto apartado” (11). E o que são a banda desenhada, os filmes, toda a arte, afinal, senão “mundos temporários” nos quais jogamos certas decisões cognitivas cujas consequências e aprendizagens são importantes para a nossa própria experiência mas não se inscrevem na realidade tangível do mundo?
Exemplos que Bukatman explora terão sempre a ver com “uma fronteira que é transposta”, associando-se ao mesmo tempo a um “’trazer à vida’ que também traz um movimento entre mundos” (pg. 5). Movimento que também pode significar (e mais uma vez o autor segue Deleuze) um refazer do mundo por essa animação: “uma visão produtiva que refaz e anima [o mundo]” (174, subli. orig.), escreve ele em relação à cena central de Lust for Life, de Vincente Minelli (quando Van Gogh abre as portas sobre a paisagem matinal e florida de Arles).
Retornando à leitura contextualizante norte-americana, de certa forma é algo difícil não ler alguma dimensão de essencialismo neste livro, sobretudo sobre as (supostas ou efectivas) especificidades culturais dos Estados Unidos sobre determinados aspectos partilhados pela civilização, tecnologia e criações artísticas com o resto do mundo ocidental (sendo a Europa o maior termo de comparação; mas que nos levaria a perguntar, qual Europa?). “Os Estados Unidos”, cita-se Serge Guilbaut, no período imediatamente a seguir à 2ª Grande Guerra, “eram vistos como uma terra culturalmente seca, sem sofisticação, rude, anti-humanística e fria. O país era jovem, violento, e tecnológico, bom para filmes mas sem dignidade para participar no discurso antigo e tradicional da pintura” (174). Apesar de se estar num contexto que demonstra como um filme sobre Van Gogh acaba por se estar a referir a uma certa maneira de criar arte, pintura, “à americana” (a mitologia masculina e solitária do Expressionismo Abstracto), a verdade é que aquela frase parece poder ser aplicada a todas as formas de arte abordadas neste livro, vistas como contendo uma energia poderosa, animadora, precisamente, que iria influenciar não apenas a própria arte e os artistas, como toda uma forma de as/os pensar. (E repare-se como de um conceito de um “sentimento feio”, negativo, de Ngai, se passa a uma reapropriação pela positiva).
O último capítulo é dedicado aos super-heróis, eventualmente figurações de um tipo muito próprio de “estado de animação”, “agentes conduzindo-nos através de reinos lúdicos de promessas plasmáticas” (182-183). Bukatman leu Supergods de Morrison num estado avançado do seu manuscrito, mas em muitos aspectos parece-nos próximo das ideias do escritor escocês, considerando essas personagens como factores particulares da imaginação, e que jogam com expectativas genéricas, conhecimentos da sua história (a continuidade, por exemplo), variações temáticas e/ou estilísticas (toda a espécie de “histórias imaginárias”, “what ifs?” e “elseworlds”, etc.), e por aí fora. São até forças condensadas do que Bachelard chamou, na fenomenologia, de “função de irrealidade, a imaginação criativa que nos liberta das restrições e lógica do real” (187). Essa função dos super-heróis associa-se então a toda a sorte de sonhos, fazendo-nos regressar a Slumberland, ou à terra dos pesadelos dos Rarebit… eles são “oásis de fantasias caprichosas” (211).
Alguns aspectos são ligeiramente impressionistas ou tratados com uma brevidade que exigiria maiores desenvolvimentos. Não se tratam dos momentos em que o autor faz humor, algo que é necessário e torna a leitura pautada pela experiência pessoal do autor e até por chamadas a afinidades que poderá ter com os seus leitores. Trata-se antes de tocar num qualquer tema ou conceito que acaba por não se ver discutido – por exemplo, o autor aceita, como tantos outros investigadores, na teoria da “identificação” dos leitores/espectadores com as personagens principais, sem nunca colocar em questão essa ideia, que é na verdade fraca – ou abrir temas que nos parecem de extrema importância e valor mas sem continuação. Por exemplo, a ideia de que a animação de McCay poderia revelar, ao contrário da esmagadora maioria da arte ocidental tradicional, a “referência deíctica”, exigiria um tratamento que acreditamos fosse muito significativo, e garantiria um outro tipo de relevo e força conceptual à própria animação na discussão intelectual da cultura e das artes. Também quando se discute a banda desenhada (por comparação à escuta de singles) como uma “entrega sensorial mais do que um processamento puro cognitivo”, leva-nos a perguntar se existirá algum processo cognitivo “puro”, em primeiro lugar (o cálculo, talvez?; mas esta é uma questão desde logo complexa, já que as ciências cognitivas apontam o entrosamento de toda a espécie de factores, valorativos, culturais, que podem intervir nesses mesmos processos), e em segundo lugar se não haverá uma “entrega sensorial” com todas as formas de arte (sobretudo, mas não apenas nas artes). De certa maneira, recorda-nos aquelas taxonomias que tentam hierarquizar a “passividade” no visionamento do cinema por oposição à “entrega activa” da leitura, etc.
The Poetics of Slumberland é, porém, aquilo que o título promete: uma descrição muito particular de um modo de fazer, de criar, e que deixa visíveis as suas marcas do fazer, de toda uma série de mundos imaginativos.
A entrevista ao autor encontra-se aqui.
Nota: agradecimentos à editora, pelo envio do livro, e ao autor, pela sua disponibilidade e ajuda.
2 de agosto de 2012
The Poetics of Slumberland. Scott Bukatman (University of California Press)
Publicada por Pedro Moura à(s) 4:30 da tarde
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2 comentários:
Artigo bem escrito e rigoroso. Gostei de o ler e fiquei com vontade de consultar o livro em questão.
Tenho dúvidas sobre as 'máquinas desobedientes'. Acredito que na origem da animação está a necessidade de reumanização da tecnologia pela incorporação (fisiológica) do esquema intrínseco ao objeto técnico.
Ora, reconhecendo nós a existência de imposição tecnológica e técnica (pela qual nos tornamos funcionários dos sistemas produtivos), a rebelião não estaria nas máquinas mas nos animadores (subtraindo a sua presença física na origem do movimento) quando se assumem como autores e reinventam os processos.
Tanto mais importante quanto não ser possível haver cinema de animação sem suporte tecnológico.
Cara Marina,
Agradeço a suas palavras, se bem que a consulta deste livro deva ser feita autonomamente, não sendo possível fazer-lhe toda a justiça necessária (por mais aberto que sejam os seus objectos e metodologia). As "máquinas desobedientes" parece-me ser um conceito extremamente produtivo, e que bebe de Deleuze/Guattari para encontrar um modelo que responde, de um modo que terá a ver com afectos, sobretudo, mais do que de determinismo tecnológico, a alguns desenvolvimentos sociais instados precisamente pela "imposição tecnológica". Não me atreverei a tentar auscultar as "origens" da animação, já que em história é impossível apresentar uma narrativa límpida e linear, mas parece-me que a sua emergência não será apenas uma resposta à desumanização técnica, se bem que esse determismo seja imperativo, sem dúvida (se bem que importa estudá-los não enquanto natureza mas grau, isto é, haverá algum acto humano, mormente "criativo",ou "sígnico", que não seja tecnologicamente determinado?). De resto, o autor não reifica as personagens/máquinas, mas apenas as aponta como modelos de pensamento, e claro que associando-as ao gesto dos autores (animadores, mas também cineastas, escritores, autores de banda desenhada, etc.), ou ao acto criativo em si, como sendo eles os instigadores desse mesmo modelo.
Obrigado,
Pedro
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