Em muitos aspectos, este pequeno livro
é, a um só tempo, um acto de nostalgia e de expiação para poder
lançar um passo futuro. Através das várias informações (com
algum excesso, talvez) veiculadas extratextualmente na publicação,
as origens deste projecto remontam ao final dos anos 1990 quando os
seus autores conviviam, na partilha da vida de estudantes
universitários. Aliás, a própria história tematiza essa
experiência, talvez mesmo enquanto exercício de auto-ficção, e
integra em si mesma o mecanismo da sua origem. (Mais)
Por essa razão, os leitores,
portugueses ou brasileiros, ou outros, de uma certa geração,
entenderão a cultura slacker aqui presente, as referências
culturais, musicais e até de comportamento, que poderão ainda assim
ser também partilhadas por qualquer geração que tenha passado por
essa fase confusa da primeira idade adulta. O livro centra-se em
absoluto na equação dos dois protagonistas, os amigos Toni e
Eduardo. E se bem que joguem no seu palco toda uma série de
informações sociais – a dificuldade do emprego, a habitação, as
relações fugazes –, isso existe enquanto massa secundária, e
menos explorada, já que o foco está de facto na teia que une os
dois amigos, enquanto amigos, e as frições, feridas e curas que
lhes são subjacentes. A intriga é, portanto, linear mas não menos
segura por isso. Outros aspectos são tipicamente wishful thinking
de fanboys (mesmo que seja “verdade”, não é credível a
transformação de uma colecção de comic books em
monetização possível para a renda), mas é por isso que se falou
em expiação: uma caterse de desejos e sonhos tardo-adolescentes
necessários para poder avançar para uma outra fase das vidas.
O livro, criado por dois autores
brasileiros, tem notoriamente um trabalho editorial (num livro
aparentemente revisitado pelos autores até esta forma final), uma
vez que a norma seguida é a do português europeu, mas que retira
alguma da imaginada, em retrospectiva, brasileiridade,
descontraída, musical e flutuante. Procura-se uma imediaticidade dos
diálogos, mas é notória a estranheza dessa distância.
O desenho de Juan Burgos é claramente
influenciado pelo traço de Steve Dillon, seguindo as assinaturas
gráficas na estruturação dos rostos das personagens do autor
britânico. Todavia, Burgos tem um sentido de texturização e de
composição do espaço bem mais apurado e detalhado, desviando esse
“estilo” para um território mais sólido (mas que também, por
isso mesmo, recorda autores da geração a que se reporta a história,
como os primórdios de Eric Shanower e Jason Lutes). Não conhecendo
Londrina, a cidade em que se desvela este ode à amizade masculina, é
ela própria palco sólido para a sua estruturação.
Nota final: agradecimentos ao artista, por alguns esclarecimentos e a boa conversa.
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1 comentário:
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