17 de janeiro de 2020

Parícutin. Gonçalo Duarte (Chili Com Carne)


Pequena obra de estreia do jovem autor para além da sua produção fanzinística, Parícutin é um objecto invulgar e que dificilmente se poderá categorizar. Depois dos vários trabalhos curtos pela Lobijovem, Dor de Cotovelo e vários títulos colectivos da Chili Com Carne, Gonçalo Duarte aventura-se numa narrativa mais alargada, cuja coesão se encontrará mais numa veia poética e impressionista do que propriamente pela organização de elementos concretos e cartografáveis. (Mais)
Aparentemente, o livro abre de uma maneira quase clássica, apresentando as circunstâncias espaciais e temporais onde a suposta narrativa terá lugar, o protagonista que a agenciará, e a premissa que constituiria a intriga. Um cultivador de milho, Dionisio Pulido, na vila de Parícutin, no México, nos anos 1940, descobre um vulcão em formação nos seus campos. Como se depreenderá, isto significará não apenas uma convulsão profunda no estilo de vida deste homem, como de toda a sua comunidade.

Apesar de não existir qualquer indicação extra-, para- ou mesmo textual no livro, todas estas informações são historicamente verdadeiras. Com efeito, o vulcão de Parícutin “eclodiu” nos milheirais de Pulido em 1943. Mas o autor não está interessado em fazer uma reportagem, ou um livro de historiografia. De forma radicalmente diferente a uma expectativa de trabalhar uma tal matéria, Duarte transforma este facto histórico numa “desculpa” para criar uma estrutura de níveis diferenciados de narrativas, cujas passagens ou relações entre si não são claras, e podem ser entendidas como oníricas, alucinadas, simbólicas, míticas...

O livro começa com Pulido e regressará a ele, mesmo que o “fecho” do volume, falado na primeira pessoa, não traga qualquer “remate” ou “conclusão” convencional. Mas a parte de leão, ou central, do livro, centra-se na construção de um edifício, com as próprias mãos, por uma personagem, que não é claro tampouco se se trata de Pulido, de outra pessoa, de um avatar do próprio autor, etc. Não sendo jamais nomeado, e não tendo apoio na matéria visual – Duarte emprega uma “heterogenia gráfica”, como lhe chama Thierry Groensteen, para um efeito de profunda disrupção – não podemos chegar a qualquer conclusão. Mais do que a atenção no processo de construção, é o foco nas relações que se estabelecem entre essa personagem e os seus amigos e aliados, que tematizam toda uma rede de poderes políticos, económicos e sociais, que são o âmago de Parícutin. Sem nunca se revelar como programático, e muito menos panfletário ou articulado, o livro traz para a linha da frente as pequenas mas significativas tensões que advêm em toda uma jovem geração a confrontar-se com um tecido de empregos precários, dificuldades económicas cada vez mais complexas no que diz respeito à ocupação do espaço, ao direito à habitação, mas igualmente a como se constituem verdadeiras redes de co-habitação, cooperação, e comunidade. De resto, temas que são recorrentes no trabalho de Duarte, de forma mais directa ou mais poética.

E são essas pesquisas temáticas que depois regressam, ou deveríamos dizer “ricocheteiam”, à história de Pulido. Como se o vulcão que surgisse não fosse tão-somente um fenómeno geológico, mas a “inevitabilidade do capitalismo”, e o modo como subleva quaisquer outros sistemas de valorização, vida, e pensamento, a um caminho monódico.

Como dissemos, Gonçalo Duarte lança mão de toda uma série de técnicas gráficas. Numa primeira leitura, poderá dar a ideia de se tratarem de fases distintas por uma questão de tempos de produção, como se fosse uma colectânea de trabalhos diferentes. Mas a releitura poderá revelar a razão das mudanças, entre linhas grafitadas em composições mais livres, seguida de um trabalho de linha mais sólido em paginações mais clássicas, desenhos mais expressivos (com alguns laivos de André Lemos), talvez mesmo a pincel, etc. Não apenas espelhando as dinâmicas distintas das atenções e focos narrativos, como as putativas transformações anímicas da matéria em si, à medida que se confrontam esses variados e imbricados temas.

1 comentário:

DIOGO RODRIGUES disse...

Portugal são ladrões que, ao longo da nossa história, roubam Africanos, Asiáticos e Brasileiros. Agora que não podem mais fazer isso, roubaram essas ilhas Selvagens, que foi a última do que podiam roubar da Espanha na década de 1930. Patético!