Uma primeira abordagem do trabalho de André Lemos poderá levar à ideia de que se trata de uma obra “obscura”, no sentido banal da palavra, isto é, em que o seu suposto sentido unívoco não é de fácil interpretação e recuperação por estar soterrado numa pilha de escombros que dele desviam. (Uma segunda atitude é dizer que “não tem sentido nenhum”, mas o próprio esforço a seguir para provar isso demonstraria um sentido). Todavia, bastará que o leitor, ou espectador, ou folheador destas publicações (ou todos os papéis a um só tempo) se entregue a uma disponibilidade sensorial e sensitiva para perceber que se está perante algo que se revela afinal simples, directo, e interpretável de um modo seguro e fácil se se seguirem as instruções dadas. Embroidered Muscles apresenta as suas instruções de modo claro. “Look closer/You’ll find it” é a primeira frase encontrada nesta série de imagens, uma por página. Olhemos de perto, então, na ideia de virmos a encontrá-lo, ao sentido.

A primeira imagem mostra-nos uma mulher com as mãos colocadas numa posição muito particular, equilibrando em dois dedos dois pauzinhos na ponta dos quais se sustenta um pequeno cubo. Menos do que a anedota que parece apontar (analisável?, interpretável?, desvendável?), parece-nos que o mais importante se encontra nas relações frágeis estabelecidas entre o corpo humano e os objectos com que interage, ou sobre os quais age, ou aos quais reage: essa é uma situação que se repete em muitas das imagens em Embroidered Muscles. Mais, desenhos nos quais existem linhas mais ou menos rectilíneas que ligam a personagem a objectos são vários, o que faz pensar na exploração de um qualquer sentido esotérico, num ritual secreto perpetrado por estas criaturas. O lado obscuro surge assim claramente.
A presença de criaturas não-humanas ou de estruturas semi-vivas em companhia de seres humanos, ou de homens e mulheres que parecem ter permitido uma invasão parcial dos seus corpos por essas outras instâncias do vivo e do não-vivo corroboram essa ideia de uma centralidade temática trabalhada no interior desta publicação. “There are some quite disturbing funguses on my kitchen walls” é a segunda frase que surge na publicação, e é ela mesma a ilustração frásica do modo como o crescimento dos temas, das imagens, dos sentidos, é permitido por Lemos: menos por estruturação, do que por texturização de crescimento e exponenciação livre. As criaturas que vivem nestas páginas, deste a larva gigante de “Menstrual” ao “Walimoide” (cada desenho é intitulado), mas também os lábios afectados de “Lady Leech”, são uma continuação, uma textura extrema, desses primeiros e textuais fungos.

Nota: agradecimentos a André Lemos, pela oferta do livro.
Sem comentários:
Enviar um comentário