Como exemplo então, como deveremos identificar aquela voz narradora que se assume como “eu”? Como navegarmos as perigosas águas da equação e pacto autobiográficos que confunde narrador, autor e protagonista? Trata-se esse “eu” de Alan Cope, no momento em que relatava estas histórias a Guibert? Trata-se de Guibert, que molda a matéria verbal/oral original e as imagens que lhe dão corpo? Trata-se apenas de uma existência no papel, uma presença meramente textual? Ou trata-se de algo mais complexo, como uma recomposição fantasmática de uma voz, a de Cope, tal como é passível de ser transmitida pelo trabalho poiético da banda desenhada de Guibert? Como ou que relação é que essa camada final de texto - o da banda desenhada, entenda-se - estabelece com a realidade ou as referências experienciais do mundo que teremos? Quais e porque surgem certas estruturas nesta obra, que podem ou não imitar experiências reais que se tenham passado no diálogo Cope-Guibert ou que podem ou não mimar situações comuns na comunicação humana? Como escreve Giorgio Manganelli em Pinóquio: um livro paralelo, “Sob qualquer ponto de vista, o autor é uma hipótese desnecessária, como foi afirmado perspicazmente por Deus, outro grande anónimo. O que eu sei é que existe um filamento de palavras, uma teia, um depósito, um novelo”. Ou texto, neste caso, compreendo imagens, estruturas, ritmos de composição, trabalhos de cor e controlo. Manganelli também escrevera, uma páginas antes, que “na imobilidade tipográfica, o espaço entre um sinal e outro é infinito”. É portanto na sequência, ora bruta ora burilada, dos intervalos entre Emmanuel e Alan, entre a voz que rememora e a mão que refaz as memórias, entre as fiadas de palavras e os novelos de imagens, entre as estruturas das páginas e o acto de leitura, que emergirão todas as infinitudes de uma relação entre um ente e outro, isto é, entre texto e leitor.
São precisamente as respostas a essas questões que demonstrarão as razões pela qual se podem criar juízos de valor, e encontrar neste título razões para a considerar uma grande obra de banda desenhada contemporânea, destilando aquilo que nessa linguagem mais se pode aproximar de uma ideia de arte no seu sentido ontológico mais nobre.
Emmanuel Guibert havia gravado os relatos de Cope, mas os primeiros gestos na direcção da sua construção em texto de banda desenhada já foram cumpridos após, ou mesmo na morte do norte-americano. Nesse sentido, o texto de Cope – o relato oral original gravado – torna-se aquele “texto original” susceptível à “leitura da ferida”, à wundgelesenes de Paul Celan, isto é, um texto vulnerável, porque foi escrito ou dito num momento histórico que se torna imediatamente passado, mas também por estar associado a um mortal, e neste caso, a um já-morto, um texto que não nega a sua própria natureza de ferida, e que se nos dirige – veremos que de um modo complexo – como participando numa forma colectiva de vida, uma vida que se estende para além da morte (para além da morte histórica do próprio Cope, mas mais além disso) porque sempre recuperável pela leitura, gesto sempre, sempre hermenêutico. A primeiríssima frase, transcrita, e num fundo monocromático azul que ocupa duas páginas é: “Alors, vous voulez que je parle un peu de mon enfance en Californie du Sud?”. A primeira coisa a notar é que a voz se dirige a um vous que, tendo sido fenomenicamente ocupado por Guibert, nesta sua posição do livro passa a ser um deíctico ocupado por todo e qualquer novo leitor. Em segundo lugar, essa frase é uma pergunta que, colocando no seu interior todos os elementos necessários à descrição do que se seguirá, devolve o acto da interrogação a quem se dirige, como se fosse ela mesma uma resposta ou aquiescência a uma pergunta formulada pelo leitor, reforçando a ideia de diálogo profundo, de privilégio e predisposição entre duas pessoas. Finalmente, a sua inscrição na cor azul, que depois se descobre ser do céu da Califórnia, na qual entramos numa sequência de paisagens, espécie de preâmbulo, ocupando sete páginas duplas que retratam um percurso contemporâneo pelas suas estradas, e que paulatinamente descrevem o arco do pôr-do-sol até chegarmos uma pausa de transição, já a preto-e-branco, com os secos e silenciosos cactos dos seus desertos, e finalmente o primeiro capítulo do relato propriamente dito, são um nítido arco contrário àquele descrito nas últimas páginas do terceiro volume de La guerre d’Alan. E se poderíamos notar aí uma saída do mecanismo ficcional da entrada no passado e nas memórias alheias de Cope, estoutro movimento inverso repete a sua entrada consciente e decidida.
Como não pode deixar de ser, também este livro é sobre a grande batalha contra o esquecimento, demonstrado a exactidão daquele axioma de Borges de que a derradeira morte apenas surge com o esquecimento do homem. Ora mesmo que as existências do texto e do homem (autor, autores) sejam autónomas entre si, existirá sempre um fio vermelho, por mais ténue que seja, entre ambas, que as recupera na memória viva da leitura. As realizações da obra de Guibert fazem-nos questionar a tecelagem do tempo na sua experiência humana, ou em como a manipulação da linguagem (para além da sua dimensão verbal), menos do que procurar “efeitos do real”, cria perturbações que nos fazem compreender melhor o que contam. Acima de tudo, portanto, a sua elevação enquanto texto.
De um ponto de vista sinóptico, não haverá grandes surpresas, estando tudo previsto no distendido título da obra: visita-se a infância de Alan, de acordo com as suas memórias. Um retrato social emerge necessariamente ao prestar-se atenção a uma família remediada do Sul da Califórnia, numa época em que certos confortos de uma América potente não eram nem certos nem tampouco adquiridos. É uma América que se esforça por encontrar momentos à la Norman Rockwell num universo retratado pela FSA. Como havia ocorrido nos livros sobre a 2ª Grande Guerra, cada capítulo (há oito ao todo) concentra-se num nódulo muito específico, como o surgimento da ideia de Deus tal como relacionada com a higiene sexual, a descoberta de uma relação com a natureza viva da Califórnia, uma alargada descrição da rede familiar da parte paterna e da parte materna, as mais vivas impressões das amizades, combates e vitórias da infância e uma inultrapassável culpa manchada pela morte da mãe.
O livro não esconde a sua natureza de ferida, como já foi dito, e parte dessa revelação demonstra-se na igualmente revelada natureza de diálogo dirigido a alguém, tal como descrito em relação à primeira frase. É como se a presença de um interlocutor estivesse marcada por certas expressões, de marca oral, ao longo do livro, ora prometendo um episódio que se explicará mais adiante, ora prometendo expor um outro episódio, mas que nunca chega - por ser próprio do diálogo, jamais terminável, a menos que se possa pensar num segundo volume futuro… “É esta a história do rei da montanha” é apenas uma das frases que também isola os pequenos contos dentro do conto, o acto de isolamento e reificação da memória, para usufruto futuro, a sua transformação em curso em lição aproveitável a outrem, promessa, ou pelo menos tentativa, sobre a qual a-voz-de-Cope-enquanto-narrador vai burilando a sua matéria. Possivelmente, podemos ver ai uma crença profunda na comunidade dos homens, na moral férrea do humano, da qual toda e qualquer experiência, por mais banal que possa parecer a um olhar estratificador, é passível de partilha, irmanável, detentora de laços, estreitáveis entre todos e qualquer um. Quer dizer, aquele primeiro laço entre Cope e Guibert recupera-se e reformula-se nas páginas para se estender aos seus leitores.
Se bem que Guibert mantenha o seu uso contrastante entre figuras isoladas em fundos brancos - de uma exímia representação anatómica e/ou objectual, enciclopédica na expressão de Fresnault-Deruelle - e texturas vividíssimas e variadas, este aspecto textural é ainda mais expressivo neste novo trabalho, sobretudo para fazer confundir o olhar sobre a realidade e os filtros fotográficos (ver imagem acima) e gráficos que podem sobre ela operar, ou como desses filtros essa realidade se pode libertar. Talvez baste notar que se as capas anteriores isolavam Alan, esta inscreve-o enquanto menino no espaço circundante do mar, prometendo mais peso, por assim dizer, do mundo real na sua vida. Tal não significa que Guibert não tire partido de momentos de total isolamento das figuras, ou até mesmo de vinhetas que, à excepção do texto manuscrito, se apresentam imaculadas, no branco material da folha. Esses surgimentos nada têm a ver com pausas, com silêncios, com momentos de desvio do olhar, e muito menos com imperícia. Bem pelo contrário, elas representam na verdade um objecto visível mas melhor representável pela ausência de marcas: o céu ou o espaço vazio onde haviam estado cadeira levadas por um furacão, mas acima de tudo a possibilidade de contaminação do espaço de representação ficcional pela materialidade dos instrumentos gráficos do texto em curso. O espaço em branco das páginas imiscuindo-se por toda a parte, jamais nos fazendo esquecer da sua natureza artificial e, por isso, poética. Da mesma forma devem ser assim compreendidas as invasões do branco em tantas vinhetas, encerrando os corpos das personagens ou dos objectos representados no cerne do foco, da atenção, do carinho que o texto tece em seu redor.
Daí incorre também que o tipo de “realismo”, de “efeitos do real”, procurado por Guibert, não seja o de um opaco naturalismo ilusório, mas antes a de uma emergência dos signos que nos servirão para prender ao mundo e, dele, libertar-nos para a superfície do texto. Não há uma total ausência de ilusões, porém, tal como filtro cinematográfico antigo para falar do velho avô George Hanson, ou do urso que visitara a avó Cope na tenda quando ela era criança, mas ambas - e outras instâncias desse mecanismo - fazem complicar se se trata de uma projecção imaginativa do próprio Alan-enquanto-criança, ou se um mecanismo do autor-megarrador da banda desenhada para veicular esses mesmos sentidos. Talvez um pouco de ambos. Todavia, esses efeitos não procuram qualquer tipo de manipulação espectacular ou pirotécnica com composição dinâmicas, abstrusas, mas antes uma marchetada e controlada esquadria rectilínea, ora optando por pranchas regulares, ora semi-irregulares, ora retóricas. É dessa aparente acalmia que se libertam composições magistrais de crescendos rítmicos - como a prancha dupla de um passeio pelas austeras paisagens rochosas da Sierra Madre (cf. primeira imagem do interior do livro neste post) - ou esta cena que no texto fala da também austera pobreza da família de pastor, mas onde a ausência de tapetes, móveis, de soalhos de qualidade ou até de uma alimentação cuidada não é sinal suficiente para elidir a possibilidade de saltar ao eixo ou à corda, de fazer bolas de sabão, de desenhar, de patinar, de brincar aos índios, de fazer peças de teatro improvisado com a filha do mesmo, nos pequenos cantos idílicos que apenas a infância - ou melhor, as memórias da infância, pois é todo um filtro de reificação, mitificação e preservação que opera aí - permite.
São precisamente as respostas a essas questões que demonstrarão as razões pela qual se podem criar juízos de valor, e encontrar neste título razões para a considerar uma grande obra de banda desenhada contemporânea, destilando aquilo que nessa linguagem mais se pode aproximar de uma ideia de arte no seu sentido ontológico mais nobre.
Emmanuel Guibert havia gravado os relatos de Cope, mas os primeiros gestos na direcção da sua construção em texto de banda desenhada já foram cumpridos após, ou mesmo na morte do norte-americano. Nesse sentido, o texto de Cope – o relato oral original gravado – torna-se aquele “texto original” susceptível à “leitura da ferida”, à wundgelesenes de Paul Celan, isto é, um texto vulnerável, porque foi escrito ou dito num momento histórico que se torna imediatamente passado, mas também por estar associado a um mortal, e neste caso, a um já-morto, um texto que não nega a sua própria natureza de ferida, e que se nos dirige – veremos que de um modo complexo – como participando numa forma colectiva de vida, uma vida que se estende para além da morte (para além da morte histórica do próprio Cope, mas mais além disso) porque sempre recuperável pela leitura, gesto sempre, sempre hermenêutico. A primeiríssima frase, transcrita, e num fundo monocromático azul que ocupa duas páginas é: “Alors, vous voulez que je parle un peu de mon enfance en Californie du Sud?”. A primeira coisa a notar é que a voz se dirige a um vous que, tendo sido fenomenicamente ocupado por Guibert, nesta sua posição do livro passa a ser um deíctico ocupado por todo e qualquer novo leitor. Em segundo lugar, essa frase é uma pergunta que, colocando no seu interior todos os elementos necessários à descrição do que se seguirá, devolve o acto da interrogação a quem se dirige, como se fosse ela mesma uma resposta ou aquiescência a uma pergunta formulada pelo leitor, reforçando a ideia de diálogo profundo, de privilégio e predisposição entre duas pessoas. Finalmente, a sua inscrição na cor azul, que depois se descobre ser do céu da Califórnia, na qual entramos numa sequência de paisagens, espécie de preâmbulo, ocupando sete páginas duplas que retratam um percurso contemporâneo pelas suas estradas, e que paulatinamente descrevem o arco do pôr-do-sol até chegarmos uma pausa de transição, já a preto-e-branco, com os secos e silenciosos cactos dos seus desertos, e finalmente o primeiro capítulo do relato propriamente dito, são um nítido arco contrário àquele descrito nas últimas páginas do terceiro volume de La guerre d’Alan. E se poderíamos notar aí uma saída do mecanismo ficcional da entrada no passado e nas memórias alheias de Cope, estoutro movimento inverso repete a sua entrada consciente e decidida.
Como não pode deixar de ser, também este livro é sobre a grande batalha contra o esquecimento, demonstrado a exactidão daquele axioma de Borges de que a derradeira morte apenas surge com o esquecimento do homem. Ora mesmo que as existências do texto e do homem (autor, autores) sejam autónomas entre si, existirá sempre um fio vermelho, por mais ténue que seja, entre ambas, que as recupera na memória viva da leitura. As realizações da obra de Guibert fazem-nos questionar a tecelagem do tempo na sua experiência humana, ou em como a manipulação da linguagem (para além da sua dimensão verbal), menos do que procurar “efeitos do real”, cria perturbações que nos fazem compreender melhor o que contam. Acima de tudo, portanto, a sua elevação enquanto texto.
De um ponto de vista sinóptico, não haverá grandes surpresas, estando tudo previsto no distendido título da obra: visita-se a infância de Alan, de acordo com as suas memórias. Um retrato social emerge necessariamente ao prestar-se atenção a uma família remediada do Sul da Califórnia, numa época em que certos confortos de uma América potente não eram nem certos nem tampouco adquiridos. É uma América que se esforça por encontrar momentos à la Norman Rockwell num universo retratado pela FSA. Como havia ocorrido nos livros sobre a 2ª Grande Guerra, cada capítulo (há oito ao todo) concentra-se num nódulo muito específico, como o surgimento da ideia de Deus tal como relacionada com a higiene sexual, a descoberta de uma relação com a natureza viva da Califórnia, uma alargada descrição da rede familiar da parte paterna e da parte materna, as mais vivas impressões das amizades, combates e vitórias da infância e uma inultrapassável culpa manchada pela morte da mãe.
O livro não esconde a sua natureza de ferida, como já foi dito, e parte dessa revelação demonstra-se na igualmente revelada natureza de diálogo dirigido a alguém, tal como descrito em relação à primeira frase. É como se a presença de um interlocutor estivesse marcada por certas expressões, de marca oral, ao longo do livro, ora prometendo um episódio que se explicará mais adiante, ora prometendo expor um outro episódio, mas que nunca chega - por ser próprio do diálogo, jamais terminável, a menos que se possa pensar num segundo volume futuro… “É esta a história do rei da montanha” é apenas uma das frases que também isola os pequenos contos dentro do conto, o acto de isolamento e reificação da memória, para usufruto futuro, a sua transformação em curso em lição aproveitável a outrem, promessa, ou pelo menos tentativa, sobre a qual a-voz-de-Cope-enquanto-narrador vai burilando a sua matéria. Possivelmente, podemos ver ai uma crença profunda na comunidade dos homens, na moral férrea do humano, da qual toda e qualquer experiência, por mais banal que possa parecer a um olhar estratificador, é passível de partilha, irmanável, detentora de laços, estreitáveis entre todos e qualquer um. Quer dizer, aquele primeiro laço entre Cope e Guibert recupera-se e reformula-se nas páginas para se estender aos seus leitores.
Se bem que Guibert mantenha o seu uso contrastante entre figuras isoladas em fundos brancos - de uma exímia representação anatómica e/ou objectual, enciclopédica na expressão de Fresnault-Deruelle - e texturas vividíssimas e variadas, este aspecto textural é ainda mais expressivo neste novo trabalho, sobretudo para fazer confundir o olhar sobre a realidade e os filtros fotográficos (ver imagem acima) e gráficos que podem sobre ela operar, ou como desses filtros essa realidade se pode libertar. Talvez baste notar que se as capas anteriores isolavam Alan, esta inscreve-o enquanto menino no espaço circundante do mar, prometendo mais peso, por assim dizer, do mundo real na sua vida. Tal não significa que Guibert não tire partido de momentos de total isolamento das figuras, ou até mesmo de vinhetas que, à excepção do texto manuscrito, se apresentam imaculadas, no branco material da folha. Esses surgimentos nada têm a ver com pausas, com silêncios, com momentos de desvio do olhar, e muito menos com imperícia. Bem pelo contrário, elas representam na verdade um objecto visível mas melhor representável pela ausência de marcas: o céu ou o espaço vazio onde haviam estado cadeira levadas por um furacão, mas acima de tudo a possibilidade de contaminação do espaço de representação ficcional pela materialidade dos instrumentos gráficos do texto em curso. O espaço em branco das páginas imiscuindo-se por toda a parte, jamais nos fazendo esquecer da sua natureza artificial e, por isso, poética. Da mesma forma devem ser assim compreendidas as invasões do branco em tantas vinhetas, encerrando os corpos das personagens ou dos objectos representados no cerne do foco, da atenção, do carinho que o texto tece em seu redor.
Daí incorre também que o tipo de “realismo”, de “efeitos do real”, procurado por Guibert, não seja o de um opaco naturalismo ilusório, mas antes a de uma emergência dos signos que nos servirão para prender ao mundo e, dele, libertar-nos para a superfície do texto. Não há uma total ausência de ilusões, porém, tal como filtro cinematográfico antigo para falar do velho avô George Hanson, ou do urso que visitara a avó Cope na tenda quando ela era criança, mas ambas - e outras instâncias desse mecanismo - fazem complicar se se trata de uma projecção imaginativa do próprio Alan-enquanto-criança, ou se um mecanismo do autor-megarrador da banda desenhada para veicular esses mesmos sentidos. Talvez um pouco de ambos. Todavia, esses efeitos não procuram qualquer tipo de manipulação espectacular ou pirotécnica com composição dinâmicas, abstrusas, mas antes uma marchetada e controlada esquadria rectilínea, ora optando por pranchas regulares, ora semi-irregulares, ora retóricas. É dessa aparente acalmia que se libertam composições magistrais de crescendos rítmicos - como a prancha dupla de um passeio pelas austeras paisagens rochosas da Sierra Madre (cf. primeira imagem do interior do livro neste post) - ou esta cena que no texto fala da também austera pobreza da família de pastor, mas onde a ausência de tapetes, móveis, de soalhos de qualidade ou até de uma alimentação cuidada não é sinal suficiente para elidir a possibilidade de saltar ao eixo ou à corda, de fazer bolas de sabão, de desenhar, de patinar, de brincar aos índios, de fazer peças de teatro improvisado com a filha do mesmo, nos pequenos cantos idílicos que apenas a infância - ou melhor, as memórias da infância, pois é todo um filtro de reificação, mitificação e preservação que opera aí - permite.
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