Semana Urasawa 2. A proximidade no tempo e até na leitura é sempre má conselheira em termos de decisões peremptórias que julguem um determinado trabalho. Todavia, tendo em conta a forma como a recepção de 20th Century Boys se tem dilatado, quer em termos de fãs quer em termos de apreciação crítica, é muito possível que esta se possa vir a tornar uma referência incontornável na recepção social alargada da banda desenhada contemporânea japonesa, irmanando-se à obra de Tezuka, ou a Akira. Isto não é cair no perigo imediato de a eleger como “obra-prima” tout court, em conjunto com outros títulos de grande sucesso comercial neste momento mas sem a promessa de sobrevivência crítica (One Piece, Death Note, Naruto). É antes tentar auscultar as reverberações verdadeiramente críticas que tem suscitado, para além do entusiasmo epidérmico (bem-vindo, necessário, mas nem sempre sobrevivente a longo prazo; de resto, confessemos, compartilhamos desse entusiasmo, em termos pessoais). Mais, poderá mesmo ocupar um espaço mais significativo e impactante que essas obras, dada a sua inscrição para além de um género mais circunscrito, que é o casos dos exemplos dados. E, pela sua circulação mundial, poderá mesmo - se não é já um facto – ombrear obras de outros quadrantes, tornando-se uma referência mundial deste campo artístico.
Convenhamos: a força da obra de Naoki Urasawa não terá o mesmo impacto que outras referências em termos de visualização, de plasticidade, de composição. Pauta-se por outros princípios, atreitos ao classicismo da mangá. Os elementos que compõem esse classicismo é a forma esquemática, quase diagramática, da construção da figura das personagens, o esvaziamento dos fundos, com excepção das vinhetas-espaço, que muitas vezes recorrem a imagens realistas, pormenorizadas e com muitas tramas e sombras, que ancoram num “efeito de realidade” as tais figuras mais diáfanas. A opções de composição das páginas, a estruturação das vinhetas, seguem princípios gerais de linhas de direcção do olhar, enquadramentos e sublinhados, mas nunca com a densidade e elegância de muitos dos maiores exemplos estudados, neste preciso campo, pelas obras de Peeters, Groensteen e Chavanne. Porém, isto não deve ser entendido necessariamente como algo negativo, mas antes como de especificidade de género, de contexto cultural, ou até mesmo de linguagem. Se seguirmos aqui uma das ideias de Deleuze, dos seus livros sobre cinema, de que a subjectividade é subtractiva, no sentido em que retira de uma imagem aquilo que interessa transportar na leitura/percepção, o facto de já estar subtraída parte do que poderia compor a imagem ajuda a essa decisão e velocidade da leitura. No entanto, é sempre um perigo, um abismo, querer projectar na imagem, que é ela mesma completa, algo que não lhe pertence - aqui, por hipótese, escolhas estilísticas diferentes das do seu contexto cultural particular, ou até mesmo o específico ideolecto do autor.
Por exemplo: o facto de que esta banda desenhada em particular é em grande parte ocupada por páginas com talking heads não a torna maçadora, precisamente pela forma como o autor urde os acontecimentos e as relações entre as personagens. Quer dizer, essa estratégia é típica deste género de mangá, mesmo nas inflexões específicas de Urasawa, e a banda desenhada japonesa em si, nestes seus contornos convencionais, pede por uma velocidade que é cumprida e mantida vertiginosamente. A figuração do autor, todavia, é muito cuidada mesmo no interior de um intervalo de convenções. Existe uma cuidada construção de personagens, que respeita sinais particulares, individualismos e a frágil mas conquistada capacidade de Urasawa em mostrar como os traços de um rosto se mantêm da infância para a idade adulta, como é mesmo tema e estrutura de 20th Century Boys.
Uma consulta noutros canais de divulgação providenciarão uma sinopse da série. Um brevíssimo descritivo poderia falar desta saga como a luta pela recuperação ou correcção de um sonho de crianças de um grupo de amigos, sonho que fora “raptado” por outro para seu próprio gáudio e miséria do planeta. A série começa num ponto determinado da história, do tempo, e depois lançará linhas de desenvolvimento que tanto avançam para o futuro (as consequências) como para o passado (não apenas como causas mas também como caminho dessa tal recuperação e salvamento). O passado vai sendo desenterrado por Kenji, o protagonista, e os seus amigos. Esse gesto é mesmo literal, se tivermos em conta as duas caixas que contêm o “Plano”… Mas para além desses motivos geológicos e topográficos, constrói-se também ao longo da série uma cartografia fragmentada, altercada e múltipla do tempo e da memória.
A trama é, a um só tempo, tão dilatada quanto concentrada, como tão obscura como evidente. Se há algumas opções algo previsíveis no drama, toda a série é construída a partir da acumulação de surpresas, reviravoltas e desvendamentos súbitos. As primeiras páginas abrem já depois do fim de toda a história, em 2000, já no “final feliz”, mas não o compreendemos totalmente. Rapidamente estamos a acompanhar um tempo presente – que não deixa de ser “passado” desse primeiro momento, mas que passa a ser visto como o “presente narrativo” da série. Há ainda o passado remoto da infância conjunta dos nove amigos, os momentos originários desta saga, voltando à ideia arqueológica da memória. Entre esses tempos, ainda se multiplicam os episódios que pertencem a um ou outro episódio da vida de Kenji ou de outras personagens, e mesmo o futuro longínquo (2014) da sobrinha de Kenji, Kanna, desvendando-se aspectos e desenvolvimentos que, ao longo das suas vidas, possuem elementos que se encaixam no sentido final da história, na sua causalidade e até utilidade. Em termos de eixo espácio-temporal, esta obra agrega de facto décadas dilatadas e praticamente todo o globo, em que cada paragem (uma vila rural na China, uma cidade do interior dos Estados Unidos, as ruas de Itália, a baixa de Tóquio, etc.) é tratada de uma forma individual, e não como mera desculpa de um evento rápido. Essa é uma das outras características do trabalho de maturidade de Urasawa, ainda que se deva ver 20th Century Boys aliado antes a Billy Bat enquanto um retrato do Japão moderno (e projecção futura), constituindo um corpus relativamente distinto de um outro grupo que se constituiria com Monster e Pluto, mais “internacional”, digamos assim.
Há “saltos” significativos, como o tempo – três anos – que separa a fuga de Kenji depois do ataque ao aeroporto e o encontro deste com o regressado Otcho (vol. 3), mas que nos impede de vermos as acções “terroristas” de Kenji contra a organização do “Amigo”. É através de informações veiculadas por recortes de jornal, posters de procura e conversas que montamos essa imagem. A tal participação de que tantos teóricos falam, necessária para o seguimento de fiadas narrativas, encontra aqui uma força bem marcada, obrigando os leitores a comporem um puzzle que, apesar de complexo na sua distribuição, não é assim tão confuso como isso. Isto é, a estrutura é complicada e intricada, com bravos recuos e avanços no tempo, mas rapidamente o leitor encontra o sítio certo onde as encaixar, para com isso construir a ideia de suspense e interesse.
Na verdade, parte da confusão ou aspectos que foram criticados nasceram da multiplicidade de linhas de acontecimentos que o autor lançou, e que acabariam por não encontrar uma resolução clara no final da série, obrigando-o a ela retornar com a “coda” de 21st Century Boys. De certa forma, é algo que ocorreu com a série televisiva Lost, que provocou um misto de prazer de degustação à medida que era exibida, mas um estranho misto de completude e enigmas irresolutos no final. Urasawa providenciou essas “respostas” nos dois volumes extras, mas repetimos que o grande prazer do título está na sua travessia e menos na sua capacidade de fechamento (como, diga-se de passagem, Lost).
A partir de um momento (capítulo 50, a meio do vol. 5, depois de “O último capítulo”), a acção passa então ao ano de 2014, desarrumando toda uma série de ideias mais ou menos arrumadas de organização temporal. Também Tezuka jogou com vários momentos na história da humanidade com Phoenix, mas nesse caso coordenavam-se histórias autónomas cujo elo era mais abstracto e vago. Watchmen, é sabido, apresenta algumas páginas cuja libertação da linearidade temporal é profundamente disruptiva porque se prende à percepção de uma personagem supra-humana (Dr. Manhattan). “Here”, de McGuire, é ainda o exercício mais radical de desregulação temporal na banda desenhada que conhecemos, mas pela sua igualmente forte ancoragem espacial, o sentido que cria é experimental, e menos preocupado com o investimento emocional dos leitores sobre as personagens e a trama. Sem querer tornar 20th Century Boys na última palavra desse tipo de des-ordem (era preciso regressar a Genette), pois apesar de tudo não se verifica nenhum efeito de metalepse (emergindo enigmas e aporias, não apenas irresolúveis, mas que não faz sentido querer subsumir a “um” só sentido), esta obra constrói a sua organização temporal de uma maneira irrepreensível precisamente para aumentar a entrega na leitura. Por outras palavras, não estamos perante uma organização totalmente disjunctiva e disruptiva do tempo, não há uma libertação do próprio tempo em relação ao movimento da acção (em termos deleuzianos-guattarianos, não escapamos do eixo sensório-motor), mas tão-somente uma exploração de uma forma filigranada dos seus elementos.
Tentando cartografar a série, esta desenvolve-se em torno de quatro eixos temporais, ou nódulos: 1970, durante a infância de todos os personagens; 1997, os primeiros sinais do plano do “Amigo” e o despertar do Kenji adulto para a resposta que será necessária; 2000, a grande transformação, demonizando Kenji e os seus amigos e tornando o “Amigo” o salvador do mundo; 2014/15, o novo e último plano do círculo político do “Amigo”, que conta com Kanna e os últimos sobreviventes dos companheiros de Kenji. No interior de cada nódulo existem flutuações várias, avanços e recuos, e há ainda outros anos de permeio que são visitados em momentos-chave, quer para explicitar aspectos quer para vincar ainda mais os mistérios.
Uma vez que o plano do “Amigo” (em japonês, tomodachi) se baseava nas fantasias infantis de Kenji e os companheiros, é impossível não notar aí um movimento de transposição – de tempos e circunstâncias – idênticos ao que ocorre em Pluto. Só que se nessa outra série é o próprio autor a adaptar a história de Tezuka para um outro contexto ficcional e de género, neste caso são as próprias personagens a apropriarem de algo imaginado na infância (deles) para ser tornado realidade palpável na idade adulta. O caderno de Kenji torna-se um “argumento”, um script, que é depois levado a cabo. Ao mesmo tempo, essa é a desculpa para beber de muitos géneros da shonen manga – robots gigantes, armas biológicas, planos de conquista global, policiais, dimensões sexuais, etc. -para as reinscrever de um modo mais sério no da seinen manga, na diegese da própria série.
Uma outra associação possível é com parte do “esqueleto narrativo” de Watchmen, de Moore e Gibbons. Afinal, em ambas as séries, temos uma imbricação de vários desenvolvimentos tecnológicos (por mais ficcionais ou fantasiosos que sejam) para a construção de um projecto de ameaça tão gigantesca que possa unir todas as facções possíveis. Tal como Ozymandias, o “Amigo” cumpre esse programa. Mas se em Watchmen esse é o corolário do mistério de toda a obra, que se aceita, de certa forma, com resignação, esse acontecimento e suas consequências têm em 20th Century Boys o papel do nódulo central da gestão de todos os acontecimentos e da trama policial.
Mesmo descobrindo a identidade do “Amigo” entre os volumes 12-13, a acção e suspense são sempre relançados com um novo ímpeto, precisamente graças à capacidade de Urasawa em fabricar desdobramentos da intriga, sempre de acordo com o tal script de Kenji garatujado desde a infância. Uma das ideias que isto pode despertar, em termos de trabalho de interpretação, é o seguinte. Se um script complexo, elaborado, contínuo, de várias camadas temporais e espaciais, envolvendo um exército de personagens é passível de ser lançado por um grupo de crianças, então parte dessa maravilha não deixa de estar associada a um fascínio também ele infantil. Isto é, afinal, aquilo que poderia ser alvo do elogio ao autor, estando enraizado numa potencialidade infantil, é afinal de simples aquisição – deixando do lado dos “adultos” outro tipo de complexidade, talvez emocional, talvez política.
Claro que poderíamos nos poderíamos perguntar se esta manipulação da ordem temporal e a intricada rede intertextual adianta em alguma coisa para a história, a diegese. Mas essa questão seria mal colocada. Não é tanto na coordenação dos eventos entre si, a causalidade, a ordem dos acontecimentos que reside a importância da obra – já que, no fim da leitura, há sempre uma operação cognitiva retrospectiva da parte do leitor que inevitavelmente reconstrói tudo o que aprendeu numa inexorável ordem cronológica – mas antes a textura que ela segrega com estas escolhas estruturais. E o estudo atento do impacto sociológico e político quer dos eventos reais quer dos ficcionais não teria o mesmo impacto se se seguissem ordens convencionais.
É claro que, para os detractores (da mangá, da banda desenhada, da cultura popular, deste autor, etc.), qualquer nível de intertextualidade será sempre insatisfatória para uma consideração positiva do título. Mas ela, a intertextualidade, existe, e é intensa. Urasawa emprega continuamente o seu conhecimento e paixão particulares pela mangá e pelo rock’n’roll em toda uma série de referências, que por vezes servem só para criar um ambiente contextualizador do tempo, mas por outras servem para criar uma inflexão mais moderada dos aspectos sociais que lhe importam ou até mesmo como mise en abîme de certos acontecimentos que irão desenvolver-se noutro nível (como as referências à mangá que um artista acaba por não conseguir publicar e é mesmo preso por ela, ou a narrativa do filme The Great Escape de 1963, etc.). Formam-se, num ou outro caso, referências ao seu próprio trabalho, e é quase impossível não desconfiar que a obra está imbuída de toda uma nostalgia muito pessoal (a Expo de Osaka em 1970, o tipo de brincadeiras possíveis, etc.). Mise en abîme não é, de forma alguma, estratégia alheia a outras obras de Urasawa. Toda essa dimensão ganha contornos muito especiais e significativos, quando penetramos (vol. 10) no santo dos santos do professor de língua inglesa, conhecido por Sadakiyo, durante algum tempo um dos candidatos a preencherem a identidade do “Amigo”: um quarto repleto das revistas antológicas (“listas telefónicas”) de mangá, brinquedos, miniaturas de robots, etc., uma espécie de arquivo e centro nevrálgico das referências que se batalham no interior da obra. Ou a cena caricata em que ele escapa de uma chusma de esbirros ao ameaçar destruir dois crachás, como se se tratassem (mas ali, são-no) de reféns. De certa forma, são aqueles elementos que, na óptica desta obra em particular (e confirmando o cariz pessoal da mesma), compõem o “coração” do século XX. E o impacto emocional de algumas cenas, especialmente “embrulhadas” nas especificidades culturais japonesas, que conheceremos em menor ou melhor grau e, assim, poderão ajudar a alguma da interpretação, é robusto.
Parte da estrutura de cristal desta obra parte do facto de que as perspectivas e memórias que compõem a tessitura total do texto pertencem a uma miríade de personagens. Nem sempre essas memórias ou ideias coincidem entre elas, mas o facto de termos acesso a elas, enquanto leitores, coloca-nos numa posição privilegiada – não de omnisciência, claro, o que roubaria ou mitigaria toda a ansiedade provocada pela sua leitura, mas pelo menos de uma distância suficiente para aglomerar essas informações. Nesses casos de não-coincidência entre personagens, aparece um terreno acidentado, mas noutros momentos, essas memórias complementam-se e fazem surgir um tecido ininterrupto. Por exemplo, chegamos a um retrato quase completo de um evento através de vários relatos inconjuntos, ou a uma ideia sobre uma situação por acumulação da experiência das personagens que se distendem sobre ela em contextos díspares. O que importa é que tudo se entrelaça num texto lido por nós. A topografia da memória, voltemos a ela, pode-se dizer, é variada em 20th Century Boys, e é mesmo um dos subtemas da série. Esta linha de desenvolvimento torna-se ainda mais confundida quando se empregam novas tecnologias, como o parque de diversões virtuais que permitem aos seus utilizadores reviverem as memórias do “Amigo” e dos amigos de Kenji, como se lá estivessem, apesar de existirem (descobrimos depois) discrepâncias significativas entre o que essas “memórias virtuais” contam e a suposta “realidade histórica”. Aliás, esse episódio tornar-se-ia extremamente produtivo para discussões em torno da ideia do arquivo e da memória, segundo Derrida (Mal d’archive/Archive fever), aquilo que é arquivável e aquilo que o arquivo, por sê-lo, cria como tal. Afinal, parte do que se passa nesta saga é uma guerra de memórias, perspectivas e, acima de tudo, de como o controlo do poder implica precisamente o controlo do passado (recordando aquela frase famosa de Orwell em 1984: “aquele que controla o passado, controla o futuro”). A relação com a história, ou com os modos como a percepção popular dela – e eventualmente dela mesma – se forma é também explorada de forma delicada em vários momentos, sobretudo pelo filtro das jovens personagens que misturam figuras do wrestling com as de banda desenhada e, daí, com pessoas reais e históricas. A circulação da falsa “Bíblia das Profecias” neste universo diegético, ou a alteração do calendário, não é assim tão diferente da que ocorreu com tantos outros livros, hoje considerados documentos históricos ou pelo menos passíveis de algum peso histórico, e os sucessivos calendários adoptados pelo “mundo”.
Questões de moral, como a separação do bem e do mal, ou se o bem pode ser servido por opções más, ou a capacidade de redenção do ser humano no momento em que se consciencializa da maldade que havia provocado. Para os leitores ocidentais, isto estará muito próximo da temática da redenção cristã, do arrependimento, ou da culpabilidade judaica, mas na cultura japonesa, em que a noção de “pecado” é muito diferente, se existir mesmo, tudo isto tem um propósito bem diverso. Urasawa não escapa de um entendimento do seu contexto cultural de que uma grande parte do que somos é herdado, é transmitido pelo sangue. É como se a “nurture” fosse ultrapassada necessária e finalmente pela “nature” (isto é algo explorado igualmente em Monster, se bem que aí a relação entre esses dois factores é ainda mais complicada). Uma das linhas de especificidade cultural encontra-se na procura por uma harmonia social, pela lealdade ao grupo, algo de bem diverso nas nossas atitudes, que prezam sobretudo a autonomia total do espírito individual, “custe o que custar”. Outra, e que influenciará a valorização do tratamento psicológico das personagens, mas é também fruto das opções estruturais do livro, é que há pouca diferença entre as personalidades das personagens enquanto crianças e enquanto adultas, como se houvesse um fechamento “genético” das mesmas, alheio às vicissitudes do tempo, do crescimento e das relações que necessariamente se fundam e ganham ao longo da vida. Isto é, elas são todas reduzidas a traços convencionais para mais fácil identificação.
Nessa linha de pensamento, seria preciso dizer, “mas ninguém reage desta maneira”, “as pessoas não se lembram das coisas destas formas dramáticas e incompletas”, passíveis de serem interrompidas na diegese, etc. Claro que não. Nada disto é “natural”. É uma obra criada e gerida por um autor, e o mais importante, enquanto obra de arte, é que os seus efeitos sejam perfeitos. E são.
Socialmente, esta série é também muito rica e faz-nos recordar Sanctuary, de Fumimura e Ikegami, também ela explorando a intricada e promíscua rede entre as várias máfias criminosas, o poder político e as consequentes manipulações económicas e, claro, sociais. As religiões também se encontram presentes neste título e em algumas facetas o culto em torno do “Amigo” recordam a seita Aum Shinrikyo – inclusive nos seus aspectos fantasiosos e de controlo do mundo. O catolicismo tem um papel preponderante na série – com o aparecimento e as acções implicadas de padres e até do próprio Papa – mas numa subsunção em relação ao que rodeia o Amigo, tendo em conta que o seu plano também se poderá comparar com as várias versões modernas de como é que o Anti-Cristo, amado pelas multidões, iria ocupar a sua posição social no nosso mundo (de resto, cenário explorado por tantas outras ficções, inclusive a original).
Independentemente da complexidade que 20th Century/21st Century Boys tem, e até daquela que parece ser aumentada pelo uso destes instrumentos críticos, a verdade é que o entusiasmo pela sua leitura não é, a nossa ver, jamais diminuído ao longo das suas páginas.
26 de fevereiro de 2013
20th Century Boys. Naoki Urasawa (Viz Media)
Publicada por Pedro Moura à(s) 7:57 da manhã
Etiquetas: Japão, Mainstream
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3 comentários:
Terminei ontem o volume 18, cada vez mais próximo de finalizar a obra. E ainda sem temrinar, também eu expresso o quanto esta obra me tem fascinado e divertido.
Não cheguei ao fim, mas concordo em relação a Lost, a série é fantástica pela sua travessia, não pela sua conclusão - que tem os seus momentos.
Também acho que o autor sabe construir muito bem a história tornando simples a sua leitura. Explicar o que ocorre em 20th cent boys parece muito mais confuso do que realmente é ler a obra.
Do 21th cent boys é que soube há pouco tempo da sua existência e agora graças ao texto já percebi a razão da sua existência.
Abraço
Caro Loot,
É isso mesmo. A minha verborreia (do costume) não faz justiça à forma como Urasawa cria o seu imenso puzzle com tantos elementos. E cada passo e descoberta é uma fonte de prazer.
Apesar de tudo o que disse, qualquer "spoiler" jamais retirará a forma como tiramos esse prazer da sua leitura. E isto vai acontecer até á última página da série.
Obrigado!
Pedro
Por isso mesmo confesso que não li o texto todo, quando comecei a ver partes da história referidas, li até onde me senti confortável, depois ao terminar a série, regressarei ao texto.
Não sei se ficou claro acima, mas queria dizer que o Lost vi inteiro daí reforçar o quanto concordo com essa frase - tendo em conta a quantidade de pessoas que achou uma perda de tempo ter visto lost após a desilusão que tiveram com o final.
continuarei a seguir atento esta semana dedicada ao autor. Também sou igualmente fã de Pluto e Monster (mas este é no que vou mais atrasado).
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