"O nosso percurso - explica-me um guia - abre uma ferida na paisagem. A esta ferida... alguns chamam-na de caravana." Outro tipo de feridas são os versos, cuja etimologia remete precisamente para os "sulcos" que se abrem na terra arada. E é a poesia, até mesmo entendida como apenas um mecanismo de retórica, que compõem este livro; é como se fosse uma espécie de colecção de aforismos de um homem que atravessa o deserto: intermitentemente, apresentam-se frases curtas numa folha em branco (mas não branca), ou 3 pranchas que estruturam em banda desenhada uma ideia do que é uma caravana, um deserto, a vida. O escritor de Le Bruit de le Givre (com Mattoti) reúne-se mais uma vez com Bernard Olivié, para publicar um livro cuja simplicidade superficial (o desenho, a planificação, os cinzentos) sustenta a pretensão de apresentar literariamente uma vida mais fiel aos impulsos humanos do que aquela que levamos (nós, urbanos). O fim da viagem é como "um fruto maduro que cai de uma árvore seca", mas as compotas permitem uma continuação do seu usufruto. Dependendo dos gostos por compotas com mais ou menos açúcar, é o que Caravane é, umas vezes pejado de sensibilidade, outras de sentimentalismo.
(publicado em Mondo Bizarre no. 20)
17 de setembro de 2004
Caravane. Jorge Zentner e Bernard Olivié (FRMK-Frémok)
Publicada por Pedro Moura à(s) 6:43 da tarde
Etiquetas: França-Bélgica
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