Um espírito criativo e que tenha o imprescindível espaço e apoio que o permita expressar-se mais ou menos livremente, sobretudo atingindo um merecedor grupo receptor, chega a um ponto tal que apenas se lhe apresenta duas opções possíveis e antagónicas: ou a proximidade ao génio (que, por natureza, só pode ser natural, e por isso aqui é apenas próximo) ou o esgotamento. Ou o seu permanente exercício e cultivação lhe permite uma também constante aprendizagem e experimentação que apenas reverterá a favor da sua própria prosperidade, ou então está-se perante o normal desgaste que o tempo impõe sobre tudo o que há na Terra.
Estou seguro que se dissesse que Alan Moore é um dos grandes nomes da banda desenhada (sem ter o cuidado de colocar à frente adjectivos como “anglo-americana”, “contemporânea”, “de género dos superheróis”, “comercial”, relativizando a espectacularidade do absoluto), um génio, o maior, etc., que não seriam muitos os leitores a contestar essa mesma adjectivação. Isso porque, como já aqui o disse, o culto dos autores (de super- ou infraheróis) não é mais do que uma excrescência do próprio culto dos heróis. Mas não o posso de modo algum dizer; nunca fui adepto de plebiscitos. Alan Moore é um autor cuja obra longa e diversa marcou definitivamente um nicho significativo, mais ou menos largo conforme o que desejarmos discutir, da banda desenhada. Sem dúvida. Alan Moore é autor de alguns dos livros ou séries que ultrapassam as sinecuras em que a banda desenhada sempre se parece transformar quando discutida por fãs, mas são poucos os títulos que de facto atingem aqueles patamares de uma obra a que se poderá dar o nome de “universal”... Apontarei, apenas, V for Vendetta, From Hell, sem pestanejar, mas aponto The Killing Joke, curta pérola de estruturação narrativa, o mistério inacabado Big Numbers, e ainda o por completar Lost Girls. É também responsável por pequenas mas inusitadas experiências de criatividade, que passam pela banda desenhada, mas que nela não se ficam, como The Birth Caul e Snakes and Ladders. Noutro patamar, foi responsável também por um fôlego diferente no velho, cansado e previsível género dos super-heróis, com muitas pequenas contribuições, umas mais leves, outras mais possantes, outras ainda exercícios interessantes de mesclas de género, mas não por isso sem interesse, e cita-se Miracleman, Swamp Thing, Watchmen, 1963, The League of Extraordinary Gentlemen, Promethea... Mas também é culpado de ter embarcado na repetição de fórmulas e contínuas “revisitações” a um certo imaginário dos super-heróis, numa mistura de nostalgia e gozo total, mas que não parecem trazer nenhuma mais-valia à linguagem, à criatividade, etc., e acabam por ser avaliadas somente por serem fruto de “Alan Moore, o Deus da bd” ou outros epítetos, mais ou menos divinizantes. As suas contribuições para Spawn, WildC.A.T.S., Supreme, e as suas séries Tom Strong, Tomorrow Stories, etc.
Por isso, é sempre com desconfiança quando se cria alguma expectativa em torno de Alan Moore, pois Moore não é, apesar da egrégia idade e capacidade em realizar as suas criações, infalível. Aguardo com expectativa o volume que apresentará, na íntegra, o trabalho Lost Girls, com Melinda Gebbie (sua mulher, e com quem já trabalhou antes). Releio, com um prazer sem nome, V for Vendetta e, sem fôlego, From Hell. Mas a atenção que acabo por dar aos títulos saídos na ABC é dada sempre com um sorriso torcido no rosto...
The Forty-Niners é uma narrativa que nasce da sua série Top Ten, uma espécie de “Balada de Hill Street” e “Justice League of America”, como já foi dito por alguém. E trata do passado – o ano de 1949 – da cidade onde a série principal se desenvolve. Somos testemunhas da chegada de alguns habitantes da segunda ou terceira leva, que se tornarão em conhecidos e centrais personagens em Top Ten, mas aqui estão ainda a apalpar terreno, confusos numa cidade, Neopolis, que pretende ser uma experiência demográfica, por um lado com laivos de utopia – uma sociedade avançada, onda as maravilhas da tecnologia são empregues de imediato – e por outro com um ambiente de terror fascista – não deixa de ser um guetto urbanizado onde se despejam os super-heróis longe da sociedade “normal”. É o início de carreira, uma espécie de história que já estamos habituados com “Jovem Super-Homem”, “Batman: Ano Um”, “Na primária com Thor”, ou coisas assim...
As histórias de Top Ten sempre me pareceram "half-cooked", mas provavelmente isso é propositado, pois o fim dessa série não era criar epopeias constantes – Promethea parece uma orgia de desenlaces que estão sempre em crescimento, e a Liga.... uma aposta cada vez mais larga em sacudir o pó de “clássicos” literários, por exemplo – mas sim mostrar como era o dia-a-dia de uma esquadra de polícia de uma cidade onde todos os cidadãos têm um ou outro super-poder. Logo, a opção eram pequenas intrigas, crimes mais ou menos banais ou mais ou menos hediondos, as relações que se cruzam entre os policiais, o creme favorito nos donuts. Hill Street Blues, outra vez. Mas um outro aspecto interessante da série, e que não descortino se da responsabilidade de Alan Moore (famoso pela picuíce e detalhismo dos seus “guiões”) ou de Gene Ha, era a permanente homenagem a toda a espécie de personagens de banda desenhada espalhados pelas vinhetas; e não só super-heróis, todos mesmo. Talvez essa escolha seja de Moore, pois repete-se na série Smax, uma das personagens de Top Ten, mas desenhado por Zander Cannon. Mas também poderá ser da inventiva de Ha. Essas piadas continuam neste volume, e parecem regredir no tempo, homenageando desta forma fátua personagens mais antigas (Little Nemo, Popeye, Alley Oop, Lil’Abner, etc.). O trabalho da cor também parece ser uma forma – simples – de dar um ar vetusto à coisa. The Forty-Niners não deixa de ser do mesmo tom. Há uma crise, é óbvio, resolvida de modo dramático e espectacular. Existem inimigos ocultos que se revelam mais tarde, e perigosos. Fazem-se amizades, conhecimentos, amores. Desfazem-se alianças e acusam-se traições. Vinga-se, defende-se e ataca-se, faz-se justiça. Algo de novo debaixo do sol dos super-super? Não me parece.
1 de setembro de 2005
Top 10: The Forty-Niners. Alan Moore & Gene Ha (America's Best Comics)
Publicada por Pedro Moura à(s) 1:10 da tarde
Etiquetas: EUA, Mainstream, Reino Unido
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4 comentários:
fez uma puta pose pra um texto pretensioso e vago("final dramático": não entende de roteiro e fica longe de explicações)
pare de escrever, c'mon
Cara...eu tava atras de informações sobre a revista..
Não é Alan Moore o maior génio de B.D.?!Então quem é?Miller,Gaiman,Pratt,Mckay,Eisner(ouso sugerir...),ou outro génio contido dentro de um género muito próprio(hard boiled,fantasia,etc.)?A obra de Moore superou o meio artistico no qual se destacou,para o individualizar como uma das maiores mentes criativas da actualidade.Alan Moore não é o maior génio da B.D.,foi somente a sua máxima expressão...
Eu não quero negar o valor de Moore, até porque o "sigo de perto". Mas penso que o recorrente apodo de "génio" não lhe faz favor nenhum, nem aos outros que mencionou. O que quer dizer essa palavra? Ter atingido um patamar de excelência no interior do seu trabalho ou conquistar pessoas/leitores para fora dos círculos habituais? Não partilho esse sentimento, por exemplo, com Pratt, se bem que tenha sido um grande artista (mas já, a meu ver, um escritor duvidoso). E depois esses títulos cabem apenas àqueles que são sempre mais visíveis, logo fora de uma história mais ampla e informada da banda desenhada. E seu eu lhe disser que para mim os génios são Töpffer, Caran D'Ache, Verbeek, Herriman, Masereel, e, hoje, Olivier Deprez, Ilan Manouach ou Christopher Forge? Bastará dizê-lo? Será que o desconhecimento das massas é argumento para a negação do seu valor?
É uma questão complexa que os Bon Jovi tentaram responder da pior maneira...
Em suma: Alan Moore é um dos grandes escritores do século XX/XXI de banda desenhada (ainda que não de todos os estilos e géneros), mas há mais pardais no ar... A banda desenhada é uma arte, não os 100 metros barreiras.
Abraços,
Pedro
P.S. Se não respondi às anteriores mensagens, foi por lapso.
Caro Tortulho, não existe (ainda?) edição em português. Em Portugal, não sei se será possível sequer esperar; no Brasil, é ter atenção à Devir, que publicou outros "Top Ten".
Caro Mulder, a Scully está à sua espera para apanharem o OVNI para Souselas.
Cao Avalanche, procure na Wikipédia.
Pedro
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