8 de dezembro de 2005

Les Champs d'Honneur. Jean Rouaud & Denis Deprez (Casterman)


Jean Rouaud é um escritor famoso em França, especialmente depois de ter ganho o prémio Goncourt, o mais prestigiado galardão literário (para prosa) desse país – sem qualquer paralelo entre nós, diga-se de passagem -, precisamente com o romance homónimo a este livro de banda desenhada. A sua “adaptação” à banda desenhada foi feita pelo próprio autor, com Denis Deprez, já habituado a outras aproximações à Literatura.
Les Champs d’Honneur é como quem diz os poucos metros que separavam as trincheiras nos quais se transformaram alguns troços da Europa durante a 1ª Guerra Mundial. Esta Guerra e o impacto que tiveram em várias famílias é um tema querido e contumaz nas Letras francesas, o que não é um dado desconhecido para leitores de banda desenhada que conheçam bem, por exemplo, Jacques Tardi. Mais, a ligação que pode acarretar esta associação reforça-se pelo facto de que Jean Rouaud utiliza as suas memórias de infância e as dos seus familiares, tal qual Tardi o faz das suas fontes, com forte presença do seu avô. Desta feita, trata-se de uma pequena família a que rapidamente se subtraem a presença viva de alguns dos seus membros, num curto espaço de tempo, directa ou indirectamente relacionado com o conflito bélico. É como se de uma pequena escultura de jóias se tratasse e ao se retirar uma peça necessariamente se desmoronassem mais outras...
Não conhecendo o romance (não existe tradução portuguesa), pouco importará estar preso às distâncias e às proximidades possíveis entre as duas obras. Tendo em conta que é o próprio autor quem provavelmente redefiniu as suas prioridades diegéticas, não será surpresa estarmos perante uma obra com uma valência própria.
O trabalho de Deprez emprega desta vez aguarelas, num trabalho de cor que ora oscila para luminosidades (que lhe deve ser desperto pelo Sul de França, o "Midi") ora se inclina para jogos de negros e cinzentos, retratando a ininterrupta morrinha que parece servir de baixo contínuo às sucessivas mortes. Parece, porém, haver uma maior preocupação em tornar as figuras mais inteligíveis, como se seguissem as fotos e o peso “real” do romance (ver site de Rouaud; e que lembra o trabalho de arquivo de Tardi, mais uma vez), o que as torna menos diáfanas do que, por exemplo, as do seu Othelo. A insistência em agora ligeiros agora mais espessos toques e linhas de vermelhos nos rostos das personagens não atinge uma expressividade contida (a vida), a meu ver, mas antes assumem m carácter de distracção do restante trabalho de composição.
Ao longo de todo o livro, há um balanço permanente, mesmo intermitente, entre os diálogos das personagens e a voz do narrador, sempre ausente. Apenas conhecendo o romance é que se entenderiam as palavras sobre o “vazio” instaurado pelo narrador (conforme é indicado no site citado), e talvez isso nos levasse a compreender a opção de colocar esses textos da voz narratária no interior de fundos brancos que pairam no interior das vinhetas, onde o discurso directo dos demais é transparente e voga na imagem... (não obstante a opção “maquinal” da apresentação de todos os textos, que subtrai alguma beleza ao trabalho de Deprez). No entanto, como as guardas do livro (como se num álbum de Tintin) nos indica ser o pequeno moço o narrador, esse vazio acaba por ser preenchido de uma forma vaga, pelo avatar do autor real, um pouco como o “Marcel” de um outro famoso romance... O problema maior é que se de facto se apresentam esta sucessão de mortes como parte inevitável da vida familiar de todos nós, da condição mesmo de estar vivo, não há convergência alguma dos episódios, não há uma trama maior na qual essas mortes se inscrevam, para que fosse retirada a honra da guerra (que não possui nenhuma) e fosse colocada na vida (sempre plena). Isto apesar da última frase – “se não queremos esquecer [os mortos], é preciso vivermos” – sublinhar a importância de um luto bem digerido, em oposição a uma melancolia que nos digerisse a nós (cf. Freud)...Posted by Picasa

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