29 de dezembro de 2005

Will You Still Love Me If I Wet the Bed? Liz Prince (Top Shelf)


O meu companheiro bloguista-bedéfilo Ena que me perdoe, mas ele(a) não poderia estar mais a leste da leitura deste livro ao chamá-lo de "graphic novel". Aliás, bastará ler duas ou três páginas para nos apercebemos estarmos perante uma narrativa contínua, mas antes uma colecção de pequenos eventos que compõem uma "vida a dois". De acordo com várias informações espalhadas na internet e na imprensa, Will you still love me...? colige uma série de bandas desenhadas que a autora Liz Prince fez em postais e enviava a vários leitores/fãs deste seu trabalho. Logo, não pode existir essa narrativa contínua...
Mais, toda a série é de facto reduzida a pequenos episódios, se não mesmo "anedotas" entre os dois namorados, afora os episódios em que o gato ou o telefone se mete pelo meio... Por essa razão, e pela estratégia mesmo escolhida - que não nos surpreenderá ser apadrinhada por Kochalka -, os acontecimentos retratados são os de maior carinho, delicodoces, brincadeiras amorosas entre dois apaixonados. Mesmo nas partes que apontam um caso mais agreste, é para ser imediatamente corrigido na mesma linha de "doçuras" (lembra mesmo o verso d'Os Heróis do Mar: "O amor, não me mataste o desejo"). E fica-se por aqui, nem havendo cantos obscuros, nem se entregando a confissões mais íntimas, sexuais, cruas... É uma espécie de linha contínua de bem-estar.
Ora, se bem que isso não torne o livro desinteressante em si, e os desenhos "minimais" e simples (com os traços a lápis visíveis) de Liz Prince ajudem a esse ambiente geral de apontamento diário da doçura, também o não torna nenhuma obra-prima ou grande desvio de um género a que se dedicam muitos dos jovens autores contemporâneos, passando obviamente por Jeffrey Brown, o outro padrinho da autora. Mas este último, talvez porque possua um olho mais atento às tragédias de cada minuto, consegue transmitir as flutuações de humor, amor e vontade que fazem de nós verdadeiros seres humanos... Liz Prince não, apenas estas anedotas. Por isso mesmo, talvez possua esse valor, o de inscrever no género da autobiografia uma pequena obra apenas feita de boas disposições, encaixando-se nos trabalhos mais "leves" (em termos existenciais) de Kochalka, colocando esse tom num registo mais "quotidiano-real". Posted by Picasa

1 comentário:

Pedro Moura disse...

Olá, Ena.
Sei que essa "dicotomia" existe, claro. Mas espero que não penses que eu sou um purista, pois é precisamente por não acreditar que eles possam existir (nesta ou em qualquer outra arte) que julgo devermos sempre procurar lutar contra as nomenclaturas estabelecidas ou pelo menos questioná-las quando são etiquetas pouco funcionais, como essa tal de "graphic novel" - que já antes significou algo diferente, com o seu suposto inventor, Will Eisner, e agora é um termo meramente comercial(óide), que abomino. Tal qual como o próprio termo "banda desenhada", óbvio, cujo consenso nem é absolutamente real nem diz respeito a todas as gerações... Digamos que é um "consenso mole" das regras do jogo que aceito. Mas não aceito e contesto outros. Neste caso ainda contestaria mais, por causa do elemento "novel" - que já debati noutra ocasião, por causa do "Box Office Poison", do Robinson.
Mas por isso mesmo te pedi "perdão", porque não tinha a ver com o teu texto, mas o uso - demasiado alargado - desse termo - como todas as palavras desde Wittgenstein - vazio.
Abraços!