Baudoin é um dos meus autores favoritos, como já se terão apercebido, já que tento noticiar todos e quaisquer livros que surjam dele nos nossos tempos de blog. E outras surpresas se revelarão a seu tempo, relativas a Baudoin.
Não posso, por isso, deixar de revelar uma relação mais epidérmica com o seu trabalho, dado os temas que o movem serem aqueles que eu próprio tenho explorado noutras actividades... sobretudo no que diz respeito à memória humana.
Por isso, limitar-me-ei por ora a confessar uma espécie de descorçoamento perante este álbum em particular. Les Essuie-Glaces (limpa-pára-brisas para neve) não são o suficientemente fortes para poder limpar o gelo criado por esta nova incursão de Baudoin nos frios territórios das suas experiências pelo Canadá. Poderei estar enganado, mas a leitura desta viagem de Baudoin com um casal, e mais uma mulher com a qual se relaciona mas sem criar com isso uma paixão duradoura ou pelo menos equilibrada, faz-me pensar em duas obrigatoriedades, que não fazem emergir uma liberdade feliz. Em primeiro lugar, é como se Baudoin sentisse obrigação em terminar este “ciclo” do Quebec, e o “despachasse” com uma viagem que revela pouco dos labirintos da memória em que usualmente o autor nos mergulha; não obstante reutilizar fragmentos narrativos do álbum anterior deste ciclo, Le Chant des Baleines, e os expandir noutras direcções. Em segundo lugar, é como se esse fechamento estivesse relacionado a um projecto editorial com a Dupuis, e se tivesse de cumprir uma pedra de fecho.
Mais, o uso da “cor directa” não parece particularmente feliz, já que há neste trabalho de Baudoin um menor “vazio”. Para quem o lê saberá que há muitas ligações ao pintor chinês e famoso teórico da pintura Shi-t’ao (que ele cita directamente em La Musique du Dessin)... Logo entenderão também que os brancos deste livro são antes de um “entupido” quase atroz, que faz emergir uma estranheza em relação aos seus trabalhos anteriores.
Talvez seja um desvio do seu temperamento habitual, causado pelas dores que o rodeavam (o cancro da amiga, uma mulher que não se entrega à sua sedução, a eminente partida do Canadá), um mergulho num frio (não só metafórico, como real, pelas “obrigações editoriais”?) que não se dissipa.
O "símbolo" que está na capa e ocupa o coração deste livro, um objecto entre os carris e a escadaria, que se desagrega no meio do caminho, pode mesmo não ser uma simples imagem poética, mas uma representação cruelmente verdadeira de uma "crise" criaccional.
25 de maio de 2006
Les Essuie-Glaces. Edmond Baudoin (Dupuis)
Publicada por Pedro Moura à(s) 7:59 da tarde
Etiquetas: Autobiografia, França-Bélgica
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