Forma. Conteúdo. Quantas vezes foi debatida a questão dessa dicotomia não levar a um conhecimento profundo da obra apresentada e antes levar a erros de percepção e falácias da inteligência?
Há muitos modos de a combater. Uma delas é através de uma aturada e contínua investigação, buscas mais ou menos balizadas por referências académicas, uma bibliografia tremenda, os passos dos outros. Outro modo é o de Matt Madden (ver aqui também). (Mais)
Este livro reúne os trabalhos que foram sendo apresentados na sua publicação irregularíssima (2 números) A Fine Mess e no seu suporte da internet. A ideia é absolutamente Oubapo: um determinado conjunto de normas restritivas a priori e um trabalho de execução dentro dessas regras. Mas, se isso pode “parecer algo limitado à partida, uma vez que se trabalha dentro de um programa de intenções, de objectivos, ou de ‘regras’ impostas (...) [é, porém,] extremamente produtivo saber utilizar de toda a liberdade dentro desses mesmos limites, liberdade que se torna muito mais libertadora, criativa, exponencial, do que uma liberdade sem limites. É como se a circunferência do trabalho jamais pudesse ser ultrapassada, por isso viramo-nos para dentro desse limite e procuramos ir até ao máximo das suas implicações internas” (de um texto de Clarice fractal, para uma exposição de Teresa Luzio).
Matt Madden fez o que ele chama de template, uma história de uma página, bem simples, e a partir dela começa a experimentar toda a espécie de variações. Essas variações começam com a alteração de pormenores desde o tempo da acção ao foco gráfico, passando por várias técnicas de execução a pastiches de vários géneros de banda desenhada (lembrando o extraordinário Sykoriak nisso), e rapidamente entrando em territórios desvairados e com piscadelas de olhos à direita e à esquerda. Digamos que se de início é como se de facto se tratassem de “variações” no seu sentido musical, Madden passasse a tocar o piano como se fosse um tambor (à John Cage), ou com os pés, ou com um serrote, ou utilizasse outros instrumentos, caixas de papelão, ou se calasse... Experimenta muita coisa (99 modos, precisamente) e o que deixa por experimentar é como se estivesse incluído na promessa do que foi cumprido.
Matt Madden, já o havia dito em relação à sua “graphic novel” Odds Off não é propriamente um autor que rasga novos caminhos ou forças, mas é um autor de um conhecimento e uma competência tal que sabe perfeitamente quando e como utilizar uma estratégia qualquer, já clássica nesta arte, para melhor conduzir a bom porto o seu objectivo artístico.
Como está escrito mesmo nos elogios a este livro, 99 ways to tell a story poderá, mais do que as experiência de R. Quenau, nas quais se baseou, vir a ser utilizado enquanto bíblia ou pelo menos manual no ensino da banda desenhada, exactamente para demonstrar como não existe algo contido a que se pode dar o nome de “forma”, por um lado, e “conteúdo”, por outro, e que se podem encaixar e desagregar conforme as necessidades ou desejos dos autores, mas antes um holístico modo que altera por completo a percepção e as forças do que é apresentado.
Livro de tese? Sem dúvida. Inaugural? Também. Indispensável na linguagem e arte da banda desenhada? Precisam de perguntar?
30 de junho de 2006
99 ways to tell a story. Matt Madden (Chamberlain Bros.)
Publicada por Pedro Moura à(s) 10:41 da manhã
Etiquetas: EUA
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