12 de setembro de 2006

First & Fifteenth. Pop Art Short Stories (Villard)


Steve Powers começou como um “puto de rua”, grafitteiro e o camandro. Mas como estamos na “Terra das Oportunidades”, e Nova Iorque é onde as modas pegam fogo como em caruma seca, é muito rapidamente que se passa de desconhecido a “sensação da hora”. De certa forma, apesar de ainda não ter acontecido isto a uma escala global com Powers, já se estabeleceu como artista, com o seu próprio estúdio, envolvido numa galeria-centro (a Deitch Projects), presente numa série de exposições nacionais e internacionais, inclusive individuais. A sua obra, como se depreenderá, emprega uma apropriação ou reutilização de toda uma série de elementos gráficos e textuais que estão associados à publicidade e à informação, sobretudo do riquíssimo manancial que se encontra nos “amusement parks” dos Estados Unidos (as grandes referências sendo os de Coney Island, em Nova Iorque, e o Golden Gate Park, de São Francisco), as toalhas de mesa transformadas em menus ou avisos nas montras de “diners”, as matrículas dos automóveis pessoalmente “costumizadas”, avisos de vendas ou saldos ou feiras à porta de garagens, etc.
First & Fifteenth. Pop Art Short Stories, não sendo o primeiro passo de Steve Powers no mundo de papel impresso (editou uma revista em N.I., On The Go), é a primeira em que estrutura um livro com as suas imagens empregues num propósito claramente narrativo.
Reúnem-se aqui oito histórias. Todas elas são curtas, com cada ilustração ocupando uma página, senão duas, como acontece exclusivamente em Waylon Saul – se bem que não se possa dizer estar perante uma “splash page”, uma vez que se tratam de duas tradições diferentes as da banda desenhada clássica e comercial e a direcção ontológica da arte de Powers. Existe uma relação entre texto e imagem, mas os textos, como apontei, encontram-se em toda a espécie de recriações de cartazes publicitários, sinais de trânsito, sinais de vendas, menus de restaurantes, matrículas, vogando no espaço mas sempre com formas típicas de letras mecânicas utilizadas nesses mesmos meios citados. As cores oscilam entre as primárias, não fazendo qualquer concessão à ilusão da realidade, assim como os traços angulosos, quase como se tivessem sido cortados a talhe, que compõem a figuração das personagens e objectos. Tudo recorda a pintura tosca de donos de pequenos negócios que se entregam com vontade, mas sem grande talento (isto é, virtuosismo académico), aos seus propósitos publicitários. Estes pequenos contos versam desde as fantasias que passam pelos indigentes (transformados em super-heróis: o “superfeen”; que vemos aqui representado) a burlas repentinas, passando por um conto magnífico sobre como a força de vontade e a firmeza de personalidade pode ultrapassar qualquer humilhação física que a obrigue a vergar, sem o conseguir (a já citada Waylon Saul).
É possível que este livro apenas se aproxime do universo referencial da banda desenhada como outras obras análogas, desde o Poor Richard de Philip Guston a Um Mês e Um Dia de Ruth Rosengarten, isto é, obras que não teriam como seu fim social fazer parte do corpus crescente da banda desenhada – conforme o escopo e percepção de quem a vê, mais do que em respeito a um qualquer normativismo – mas que nas suas fronteiras se ambientam, por uma convergência de estruturações e estratégias de relação entre texto e imagem, de composição, de modo de produção... E até, de certo modo, First & Fifteenth nem sequer é muito controverso nessa aproximação, já que há todo um conjunto de elementos (o título, o subtítulo, a introdução, o uso de uma personagem que se assemelha a um superherói clássico, a homenagem satírica que se faz à capa de Action Comics #1 - na pior das hipóteses, Powers está a fazer o mesmo que Roy Lichestein: confirmar a banda desenhada enquanto "low brow culture" de onde se pode reciclar os seus elementos formais para serem refigurados, transfigurados em "verdadeira Arte") torna este livro contíguo dessa história, ao contrário dessoutras obras citadas, que dela se aproximam por outra via. Para mais, citam-se duas fontes artísticas para Powers: Ken Lum, o qual trabalha também no mesmo território da reapropriação da linguagem publicitária para objectos artísticos e um tal de Chris Ware, que veio a espacializar a composição da prancha de banda desenhada como poucos, assim como provocar graves crises na linguagem da banda desenhada (daí, potencializando as suas capacidades quer narrativas quer artísticas). Poder-se-ia citar ainda Françoise Mouly, a qual, que me lembre neste momento, utilizou na Raw material pré-existente de publicidade para criar uma nova situação expressiva em banda desenhada. Se nos valesse o tempo, poderíamos procurar fazer uma pequena investigação destes usos e convergências, que não são novos, tendo em contra as origens da banda desenhada moderna e a contiguidade com que viveu com a comercialização e publicitação de vários produtos (relacionados directamente com a obra em questão ou não).
Não sendo este livro presente uma reinvenção no seio da banda desenhada, e muito menos um seu emprego interno para a potencializar enquanto objecto artístico (como acontece com Ware, de facto), é um gesto da parte de um artista visual para se aproximar de um outro contexto de expressão para continuar a sua exploração particular, de um modo ligeiramente diferente. Contudo, por essa mesma razão, contribui ainda assim para a permanente busca e questionamento desta espécie de arte que nos move. Posted by Picasa

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