22 de agosto de 2009

Eräänlaisia rukouksia. Ville Ranta (Huuda Huuda)

O que é uma oração? Etimologicamente, a palavra religião é apontada popularmente como derivando do latim religare, re-ligar, criar um novo laço com alguém ou algo, sendo os seus dois termos o homem ou a mulher e Deus, assuma esta última figura a forma que assumir (se for figura). Mas uma raiz mais correcta é a que é apontada em dicionários, através de Cícero, para relegare, reler, ler uma segunda vez, um texto que existe. Mas quem lê quem? O homem relendo o texto que Deus é, passando a ganhar um certo grau de distância que lhe permitirá uma mais profunda interpretação e, assim, tornar esse texto mais “seu”? Ou Deus lendo o homem e, a cada nova leitura, refazendo-o à medida da sua interpretação, transformando o texto passo a passo? Escolhamos uma ou a outra explicação, ambas apontam à ideia de comunicação ou associação entre dois termos que têm de estar necessariamente afastados. A oração é então uma leitura de um telegrama, de uma carta, é telefonema (ponderando aqui se existe ou não comutação). Mas tendo em conta que as comunicações hoje se podem reduzir até à escala do sms ou do twitter (e esperemos pelo momento do retorno do Morse na forma de smileys), a oração pode assumir as mais diversas formas, e cabe a cada um de nós procurar qual a mais apropriada. O autor finlandês Ville Ranta faz essa procura neste brevíssimo livro. Eräänlaisia rukouksia significa “Preces de uma espécie” [esta publicação tem tradução em inglês] e aqui apresentam-se uma mão-cheia de histórias curtas na qual o autor tenta procurar qual afinal a sua própria relação com a ideia de Deus, e de que forma é que se pode re-ligar a Ele, ou relê-Lo. Em 1994, a editora Autrement publicou uma colecção de livros de banda desenhada (“Histoires Graphiques”) com muitos dos autores na vanguarda do momento; um dos volumes intitulava-se Le retour de Dieu, com David B., François Ayroles, Jean-Christophe Menu, Lorenzo Mattotti e Marc-Antoine Mathieu. Todavia, todos eles preferiram apresentar pequenas rábulas humorísticas, derisórias do poder da(s) igreja(s) e do engodo que a religião pode ser/é. Ranta, apesar da aparente simplicidade destas histórias, encontra-se num processo mais sério de ponderar a sua experiência pessoal.
O cidadão cosmopolita urbano de hoje pretende viver na plena certeza do seu ateísmo. Existem, contudo, indícios, de que esse edifício é mais titubeante do que parece. Aquilino Ribeiro, enquanto personagem de David Soares, no seu romance Lisboa Triunfante, a dado momento expressa a sua visão da religião que penso ser aquela de um largíssimo número de pessoas na nossa esfera de vivências, ainda que o não expressassem assim jamais, ou talvez nem sequer desconfiem ser isso o que pensariam, se se atravessem a pensar nisso: “ser apenas agnóstico e não ateu: gostava demasiado de histórias e de acreditar nelas”. A crença nas histórias é o que leva ao exarcebar dito fundamentalista em torno das principais religiões monoteístas (a crença no Arrebatamento dos Evangelistas, toda a hierarquia do Paraíso no Islão), e o crescimento exponencial de sistemas altamente ritualizados e associados a toda uma narrativa, desde o Wicca aos Odinistas, passando até mesmo por culturas como a vampírica ou os Matrixistas.
Ville Ranta não crê em nenhuma história, mas vai explorando aquelas que herdámos – quer na forma das narrativas propriamente ditas da Bíblia quer as que foram sendo construídas pelas igrejas e denominações – para perceber qual o seu caminho, assim como cria as suas próprias histórias, precisamente as dessa busca.
Sem querer fazer um absurdo exercício de redução teleológico, podemos encontrar diversas fases (hoje concomitantes) no desenvolvimento ou história da oração: a rígida e altamente ritualizada praxis dos gregos, a comovida pistis dos cristãos, e o desaguar de todas as formas contemporâneas, “new age”, de crenças informais, pequenos sistemas de ideias e desejos que se pretendem comunicativos com uma ideia de Deus.
A própria praxis da banda desenhada ganha em Ranta contornos informais a todos os níveis, com as vinhetas flutuando como nuvens na página, as figuras e as letras desenhadas em modo de esquisso, ou rápido apontamento, a paleta abafada de cores aplicada num estranho equilíbrio entre um diverso e um estreito espectro, e o rigor da estruturação dos episódios e dos acontecimentos desfarelando-se à medida do momento. Como se procurasse ter criado uma linguagem que lhe permitisse transmitir o pulso à medida que o sentisse, como o sentisse, em quaisquer circunstâncias que o sentisse.
Poder-se-ia dizer, preces de uma espécie, de facto.
Nota: as imagens foram todas retiradas da net, inclusive de um blog que dava conta de uma exposição dos originais de Ranta.

1 comentário:

Carlos Henry disse...

Sou desenhador brasileiro e faço ilustrações de RPG e comics para pequenas editoras dos EUA.
Como desenho vários gêneros (super-heroi,terror,humor,mangá,infantil,aventura..) tenho o sonho à tempos de publicar tiras infantis em jornais,diários,de Portugal.Até mesmo por meio de fanzine,poderia ser,contando que tivese boa divulgação.
Se puderem me ajudar com endereços ou websites de autores e fanzineiros portugueses,agradeceria muito.Procurei no orkut,mas não achei nada!
Fico no aguardo de resposta.Um abraço!