Este é um livro, ou mesmo um projecto, ambicioso, bem-vindo e com boas intenções. A área da história, apreciação e crítica da ilustração em Portugal está ainda, e em grande medida, por fazer. Existem já alguns bons gestos, se não mesmo cabais, na apreciação de artistas a título individual (com catálogos, biografias, ainda que mais trabalhos expositivos do que críticos), outros ainda dedicados a áreas específicas dessa história – por exemplo, a gravura pombalina, certos usos na publicidade, a caricatura de imprensa –, e outros ainda pequenos mas fulcrais contributos no entendimento do que faz a história recente desta área no nosso país (catálogos de exposições, volumes antológicos, outros sobre artistas em particular). O gesto de Theresa Lobo não é feito, portanto, num vazio total. Não obstante, a investigadora prevê uma atitude diferente, que é a da síntese histórica, a do balanço, a da consideração dessa mesma área como um todo, mais ou menos concebido e conhecido. Porém, tendo em conta que o processo de diástole ainda não está completo, o de sístole pode ressentir-se dessa incompletude. Ainda assim, como disse, é bem-vinda a tentativa de procurar estabelecer princípios de síntese e balanço dessa mesma história.
A autora tem dedicado os últimos 20 anos da sua vida ao estudo, levantamento de fontes, estudo comparativo, compulsão das publicações, de modo a aceder a um panorama alargado da ilustração, inclusive à escala internacional e, sobretudo, numa sua integração no panorama da História da Arte. Apesar de ter publicado outros estudos anteriores a este, ou ter dado provas deles, este é, discutivelmente, o primeiro contributo que se pretende dirigido a um público mais alargado, e que até possa, penso, servir de subsídio a estudos que o continuem e especifiquem ou que explorem alguns dos caminhos por si desbravados. Uma das suas grandes promessas seria a integração da tradição portuguesa num panorama mais alargado, sobretudo europeu, procurando tornar claro os diálogos existentes desse espectro artístico numa escala maior. A sua edição pelo IADE associa-se ainda a uma dimensão pedagógica, quer da própria investigadora, professora da história da ilustração, quer da própria instituição que a acolhe.
No entanto, o projecto está repleto de escolhos que minam a sua chegada a bom porto. Esses escolhos, como veremos, dizem respeito à integração prometida, à falta de clareza dos seus propósitos e programa, e a aspectos relativos às imagens utilizadas e à redacção.
A autora tem um domínio irrefutável da sua área de estudo, não só no que diz respeito aos trabalhos particulares da bateria de autores sobre o qual o estudo incide, mas igualmente pela leitura exaustiva das publicações que indica, o contexto social e cultural de cada uma, as metástases que se lançam a outras áreas da sociedade de então, e até mesmo a pequenos pormenores que cartografam estas épocas, entre os anos 10 e 40 do século passado. O problema está em que este saber não encontra a forma feliz de transitar por este livro, e acaba por se espraiar numa intenção, mas não num cumprimento. Uma primeira ordem de problemas está no facto de em nenhum momento esclarecer o seu programa, apontando direcções que se pudessem explorar mais tarde e cuja ausência não atenuasse o que é, de facto, apresentado. Qual a razão de, apesar do título parecer apontar à ilustração em termos gerais, haver um afunilamento exclusivo aos “magazines” (na nomenclatura empregue) das décadas apontadas, e nesse foco a um grupo relativamente diminuto e judicioso? Qual a razão de se falar atempadamente do ABCzinho (por óbvia associação ao ABC), mas deixar de fora todas as outras revistas de banda desenhada da época? E porquê focar a amostragem de imagens quase exclusivamente a capas, por um lado, e, por outro, a autores já reconhecidos (Carlos Botelho, Bernardo Marques, Jorge Barradas, Stuart Carvalhais, António Soares), em vez de abrir uma brecha de novos conhecimentos sobre um material mais diverso, até mais obscuro?
Um problema de segunda ordem é a falta de explicitação de alguns dos conceitos abordados. Talvez não seja um abuso esperar que se apresentasse, por exemplo, uma ideia clara do que poderia constituir a ilustração, enquanto conceito operativo nesta investigação, que explicasse as escolhas, o afunilamento do território, as opções. A identificação dos campos de ilustração existentes ou em permanente discussão, isto é, um entrosamento com autores que discutem estes conceitos, seria uma outra vertente expectável (com Michel Melot, Alan Male, outros). Mas isso não é sequer sondado. O que se desdobrará em sucessivos questionamentos possíveis, ao longo que nos cruzamos com o que parecem ser conceitos não explícitos. Por exemplo, que diferença existe entre “sátira”, “ironia” e “galhofa”? Em que medida a fotografia “reproduz o real” de um modo distinto de uma ilustração? Tratar-se-á de uma diferença técnica, de traço, de individualismo (Ph. Marion falaria de “graphiation”) ou de ontologia? Há ou não uma diferença entre ilustração e design? (às vezes, parecemos estar a falar de ambos os campos). Que diferença existe entre uma ilustração “gráfica” e uma outra “temática”? Claro que entendemos a disposição geral destas ideias, mas uma ideia não tem jamais um carácter geral, e uma discussão desta natureza abria espaço a uma escavação mais nítida e segura. Há como que um fantasma de impressionismo nesta abordagem.
A linguagem é por vezes isso mesmo, impressionista, o que por si só não tem nada de grave, e é mesmo uma forma de desencadear toda uma corrente de associações, de conceitos conexos, de direcções que se mostrem esclarecedoras. Só que são impressões dadas de fugida e deixadas por explorar, criando um espaço de mais dúvidas quanto à sua pertinência do que de um certeiro entendimento do artista, do movimento, da publicação. Por exemplo, na página 66, lemos o seguinte, sobre Rudolfo da Cunha Reis: “Rudolfo [sem mais, depois de uma prolongada ausência do nome] apresentava qualidades gráficas inegáveis, especialmente tendo em atenção a pouca idade com que as realizou. Existia uma certa imaturidade em alguns desenhos, mas também surgia uma certa ousadia no tratamento dos pormenores, como por exemplo na estilização das letras que introduziu nos principais parágrafos das crónicas de Fernando Pamplona (...)”. A fonte das imagens é apresentada em rodapé, há que procurar para entender; mas que idade tinha Rudolfo quando as realizou?; em que se consubstancia essa imaturidade e essa ousadia?
Alguns dos nomes dos artistas são citados num qualquer contexto mas sem que se faça grande introdução ou descrição, partindo-se do pressuposto de que os leitores estarão munidos de um prévio conhecimento na história de movimentos, das publicações referidas, do quadro histórico a nível internacional em que as produções se inserem, até mesmo em pequenos pormenores de carácter histórico-cultural específico, como vocabulário específico dos anos 20 ou a importância de uma dada gráfica. Mais uma vez, talvez este seja um problema nosso, um nível pessoal de falta de cultura geral, mas estamos em crer que nestes casos em particular se veria como bom ponto de partida uma generosidade em construir uma maior contextualização, uma mais clara e integrada informação, ou até uma breve nota. Poder-se-á exemplificar essa situação com os nomes de Francisco Valença ou de Roberto Nobre, que não são nomes da mesma envergadura e visibilidade dos de Stuart Carvalhais, Emmérico Nunes ou Carlos Botelho. A ausência de imagens destes artistas “secundários” não abona em favor do problema, e quase que incentiva à sua menorização no interior do discurso global do livro, ou em relação aos outros artistas mais famosos.
Um dos princípios que pensava presidirem a um livro que se presta à discussão da ilustração, provavelmente adicional erro da nossa perspectiva, é o de apresentar, a título de exemplo, de explicitação das teses que se pretendem avançar (de “ilustração”, como soe dizer-se, passe a redundância), leituras mínimas, moleculares, próximas [o que se chama em inglês de close readings], de ilustrações propriamente ditas, com toda a panóplia de instrumentos que se julguem pertinentes conforme o contexto. Ora, isso é cumprido pela investigadora até certo ponto. Utilizando chaves analíticas que dizem respeito à estilística gráfica, à composição e ao design, à história da arte, à descrição técnica e ainda com chamadas a outras disciplinas humanas como a sociologia, a história e os estudos culturais, fazem-se essas leituras mínimas com um punhado de exemplos. Estranhamente, as leituras incidem sobre imagens que não estão disponíveis no próprio livro, estando referenciados nas notas de rodapé. É claro que não se pode esperar que se possam recolher e expor todas as imagens que se desejem, e não é, de todo, um exercício displicente convidar os leitores a fazerem o seu próprio caminho investigativo visitando bibliotecas e hemerotecas para que verifiquem por si mesmos a justeza dessa leitura. No entanto, e de novo incorrendo eventualmente num terrível erro de perspectiva, julgávamos que um dos gestos de trabalhos desta natureza, divulgador e pedagógico, que permitem uma exposição mais alargada, que se pretendem de acessibilidade e conhecimento, deveriam assegurar essa mesma acessibilidade e possibilidade de conhecimento imediato. A menos que possamos encontrar somente nesta forma de o fazer a eleição deste livro enquanto manual da própria instituição, e sirva de fomento a essa investigação arquivística. O problema, ou outro factor de estranhamento ainda em relação a essa opção, é que à medida que essas leituras são feitas, as páginas estão ocupadas por imagens, algumas delas proeminentemente, mas sem serem alvo dessas mesmas leituras. Há um desequilíbrio aqui inoperante, uma oportunidade desperdiçada, uma falta de ancoramento directo. Mais adiante, ainda voltaremos a outros problemas associados às imagens elas mesmas, mas um dos aspectos que podemos já apontar é que esta ausência de imagens leva à situação da autora descrever verbalmente um qualquer cartoon ou gag, reduzindo a eficiência (eventual, pois não temos acesso a ela no livro) do desenho à punchline verbal, minando dessa forma, logo à partida e na ontologia dessa comunicação, a mais-valia da ilustração.
A multiplicação dos instrumentos é sempre produtiva, mas apenas se operarem num conjunto convergente, e não numa fragmentação do discurso. Há uma constante atenção para com os conteúdos das publicações, chegando-se mesmo a resumos de alguns dos escritos, mas não se trata nem de uma análise exaustiva nem de um trabalho de síntese. É dispersão. Parágrafos dedicados às crónicas de X ou Y não parecem ter lugar no projecto, já que não se alia essa leitura à ilustração que a acompanharia, a qual deveria ser o objecto principal. E as mais das vezes as leituras antropológicas ou sociológicas são superficiais, não indo além da nota, da referência por desdobrar.
A dado momento, lê-se o seguinte (pgs- 89-90): “Durante vinte e dois anos estas páginas [fala-se da Presença] foram votadas a grandes variações de estilo. Umas de modernismo inventivo vanguardista, outras no regresso ao desenho pormenorizado naturalista e saturado. As razões podem atribuir-se à participação do fenómeno comum de todo o movimento português deste período, o vanguardismo era frequentemente trocado pelo academismo naturalista e comezinho que provavelmente o ritmo semanal e regular desgastante tornava difícil de fazer face sempre de forma inventiva e criativa”. Para além da construção frásica arrevezada, o cerne desta frase não é claro. É o problema apontado imputável aos autores particulares ou ao próprio projecto editorial, necessariamente heterogéneo? Eis o problema de empregar vários focos ao mesmo tempo, sem a preocupação de os coordenar num instrumento pronto a alternar entre eles sucessiva e rapidamente de modo suave e integrado.
Por estas razões, arriscamo-nos a dizer, roçando o abuso da leitura, que uma separação por artistas (ainda que este punhado reduzido) ou por campos da ilustração (que seria preciso definir com clareza: de moda, publicidade, cartoon, etc.) talvez se revelasse mais estruturante, ou se cada uma destas publicações tivesse sido alvo de uma abordagem mais sistemática. Para um estudo panorâmico, é necessária a análise comparativa e, para esta, é necessário por sua vez seguirem-se elementos ou princípios comuns de modo sistemático. Esse ponto de partida, digamos como que um quadro ou uma grelha aplicada a todos os títulos, não tem de ser apresentado ao público “a seco” (pode sê-lo sob a forma de anexos, todavia) nem de impedir uma óptica atenta às especificidades de cada publicação, que obrigarão a instrumentos e desvios próprios. No entanto, o texto oscila nos critérios (aparentemente) empregues (análise de conteúdos, das circunstâncias editoriais em termos financeiros, políticos, culturais, a própria orquestração das revistas, filiações, protagonismos, etc.), não atingindo coalescências discursivas. Por essa razão, o resultado é algo desigual, desconexo e até mesmo improdutivo, no que diz respeito a vir a servir a trabalhos futuros que partissem do material coligido e estudado neste volume. O facto do “1” do título não ser, em qualquer momento, explicado – o que se seguirá? A ordem cronológica, no interior de revistas? Outro tipo de publicações do mesmo período? Diferenciar-se-á a ilustração da banda desenhada (a referência ao ABCzinho não esclarece)? Procurar-se-ão outros nomes, outros campos, outros modos de produção, outro quadro de referências? O sistema não é explícito – não nos coloca num caminho aberto à expectativa.
Um outro tema interno a este volume, aqui e ali aventado pela autora, é o da representação da mulher, “mundana”, de Lisboa enquanto símbolo ideal dessa mesma cidade na sua existência moderna. O que parecia promissor, e sobre o qual são dados inúmeros exemplos ao longo da obra, não acaba por se juntar numa ideia exacta, jamais sequer transparecendo qual a leitura global e crítica que a autora lhe votaria. Por exemplo, na página 109, refere-se Lobo à representação de “figuras femininas em atitudes modernas mas banais (ao volante, no teatro, ou no palco)”, salientando que é o mostrar das pernas o mais importante objectivo nas ilustrações, e não uma outra maior dimensão. Não se depreende, porém, qual o facto da banalidade, qual o da modernidade. Uma mulher ao volante seria algo banal em 1920? Em Portugal? Não seria essa uma forma de a colocar numa esfera de autonomia possível, para a época? Não poderíamos conceber que, no quadro mental de então, se pudesse imaginar seriamente – não por não ser sério, mas por haver grandes obstáculos ainda a conquistar – numa mulher comandando o exército, ou no papel de primeira-ministra, quando ainda hoje isso seria novidade e motivo de espanto (não obstante a figura de Maria de Lourdes Pintassilgo).
Não é totalmente clara, também, a razão de ter dois capítulos separados, um dedicado às capas das publicações estudadas, e outro à ilustração de moda. No primeiro caso, pois além de se retornar à lista anteriormente percorrida, e tendo em conta que a esmagadora maioria das imagens apresentadas (ainda que não discutidas directamente) são efectivamente de capas, não encontramos nesse afunilamento uma promessa de uma análise mais cabal, integrada, específica, sistemática. Os comentários acabam por se esfumar em brevíssimas notas que teriam todo o lugar nos capítulos anteriores. Não há qualquer diferença de natureza, como se esperaria desta secção. Já no que diz respeito ao capítulo sobre a ilustração de moda, outros problemas ocorrem. Em primeiro lugar, mas herdeiro de algo a que já chamámos a atenção, não há uma procura, não digo por uma definição, mas por uma ideia estrutural do que poderá ou não ser considerado ilustração de moda, para depois a identificar e discutir nos autores portugueses assinalados. A meu ver, um modo de entender a ilustração de moda, algo redutor, sem dúvida, é a de que se trata da criação de imagens que contextualizem uma dada peça de vestuário num contexto gráfico, uma sua ambientação, por assim dizer, com um intuito comercial ou de propaganda de um estilo de vida. As mais das vezes a ilustração de moda é uma tradução de um ilustrador sobre uma peça de design de um estilista, ou uma forma de vestir associada a uma cultura (um olhar de pendor antropológico, como acontecia nos Almanaques até ao século XIX) ou a um movimento (num olhar mais de reportagem cultural). Este seria um eventual modo de abrir essa perspectiva, mais uma vez dando continuidade a vozes da especialidade, como as de Madeleine Ginsburg ou Cally Blackman. No entanto, apesar de se construir um diálogo entre alguns autores portugueses e uma bateria de ilustradores de moda de primeira água destes períodos (Georges Lepape, Paul Iribe, George Barbier, René Gruau), há um novo desequilíbrio, pois todos os internacionais são de facto ilustradores a trabalhar sobre peças de estilistas, também de primeira água, e o caso dos portugueses não é identificado: são apenas vontades gerais de representação da moda nas ruas, cópias dos ecos de Paris, ou um diálogo efectivo com costureiros nacionais? Das 21 imagens desta secção, apenas 12 são de autores portugueses, 9 de Jorge Barradas, 3 de António Soares. De novo, sublinhe-se a ausência da ilustração de um modo efectivo num livro sobre ilustração.
Nesta estranha equação de tantos exemplos estrangeiros num livro sobre autores portugueses, indique-se que o excelente anexo de biografias dos ilustradores (se bem que ocupar o espaço com Almada, Bernardo Marques ou Stuart pareça exagerado, já que não falta matéria disponível sobre esses autores) apresenta 33 nomes, mas com mais 15 de autores estrangeiros, de várias nacionalidades e de vários campos da ilustração (mas não Grosz, o qual se havia citado repetidamente, em comparações directas a alguns autores portugueses, sobretudo Bernardo Marques). Não seria de remeter esses nomes a outras obras mais completas, reservando-se uma maior concentração nos autores portugueses menos famosos, e sobre cujas carreiras há pouca informação? Tendo em conta que a autora teve acesso a alguns ilustradores e/ou suas famílias, esperar-se-ia uma mais palpável apresentação de subsídios novos e organizados.
No entanto, reservamos as últimas duas considerações para os dois problemas mais incontornáveis e espinhosos.
O primeiro diz respeito à redacção do texto, do discurso em si. A organização dos parágrafos é algo confusa, com retornos a ideias anteriormente apontadas, não para inflectir um qualquer pensamento adicional, correctivo, complementar, mas algo que ficara, de facto, fora do local mais correcto. Muitas são as citações (entre aspas) que não têm uma origem clara, já que as notas de rodapé nos conduzem a um número múltiplo das revistas em discussão, ficando na dúvida se se tratam das fontes das imagens referidas ou se da frase citada (mas sem autor, sem contextualização?). Esperar-se-ia também que a bibliografia se visse repercutida nas notas, na sua imbricação com o discurso da autora ao longo do livro, mas a natureza semi-académica do livro não parece prestar-se a isso. São algumas as gralhas, assim como as aspas, chavões, hífens, travessões e outros diacríticos mal-colocados. São demasiadas as vírgulas separando sujeito, predicado e objectos directo e indirecto levando a uma leitura trôpega. Esta sofre ainda com os muitos exemplos de anacolutos, que minam em absoluto a clareza das ideias da autora e, assim, ao estudo cabal deste campo criativo. Vejamos alguns exemplos: “Os personagens dos seus [Bernardo Marques] primeiros desenhos influenciados por Christiano Cruz – ídolo de Bernardo Marques e de toda a sua geração – que se retirou da cena artística quando Bernardo nela se iniciava, deixando atrás de si um rasto de admiração justificadas pela originalidade e rara qualidade da sua obra que inspirou decisivamente o jovem Bernardo” (pg. 31). “Existem nomes maiores e nomes menores nesta lista, mas alguns de grande importância, mas faltando artistas mais conhecidos das ilustrações que então se publicavam em Lisboa, como Barradas e António Soares, capistas excelentes dos Anos 20 e 30, ou Carlos Botelho” (pgs. 90-91). “António Soares foi o principal responsável pelas capas da Ilustração Portuguesa, estava fora em todos estes anos, e em sua 'substituição' aparecia o nome de Jorge Barradas nas capas do ABC, que marcaram o perfil deste magazine” (pg. 106). Quase sempre nos vemos obrigados a ler duas vezes para perceber a ideia subjacente, que poderia ter sido apresentada de um modo mais nítido. Enfim, parece ter havido um pobre trabalho de revisão textual.
Finalmente, retornemos à questão das imagens. Das 110 imagens numeradas e legendadas, apenas 4 delas ocupam uma página inteira (as únicas que sangram a página são pormenores de outras), sendo uma delas de um autor estrangeiro (por mais marcante que tenha sido, como Bakst). Quase todas são de capas, como vimos, e não de exemplos do interior das publicações, citados no texto. Quase todas têm um tamanho minúsculo, quase ridículo para percebermos as ideias avançadas no texto ou apreciarmos a arte (um leitor falou mesmo de “selinhos”). E se estivéssemos perante um projecto enciclopédico e de consulta rápida como o de Johanna Drucker e Emily McVarish ou os de Steven Heller e Seymour Chwast, essa opção talvez se tivesse justificado. Muitas são as imagens cortadas de um modo totalmente aleatório, outras com uma péssima resolução. Não se esperaria de uma história da ilustração um maior relevo das imagens? Poder-se-á ainda dizer que o problema das imagens não é da responsabilidade da autora. É possível.
Todavia, quando no livro se fala de uma investigação com 20 anos e, para mais, se faz uma promessa de colmatar uma falha gravíssima na nossa História da Arte, pouco atenta a este círculo de produção, o domínio visual não é o trunfo deste livro. Mas o discursivo também se apresenta titubeante. A bateria imensa de informações é incrível, e aprende-se muito com este livro, factos e dados, mas também – o mais importante – uma nova forma de pensar esta arte e as relações estabelecidas entre esta e outras áreas da criação, quer em Portugal quer num contexto maior, e entre os ilustradores. A autora procura levantar o tipo de discurso possível sobre a ilustração, assegurando-lhe um lugar de destaque na cidadania na História de Arte, prosseguindo o trabalho de alguns historiadores e críticos que se dedicaram a nomes particulares desta área criativa, e conseguindo ir muito além de repositórios de datas e listas, que é o que passa(va) por História da Ilustração entre nós. Os instrumentos são correctos, estão presentes e apontam na direcção feliz. O problema está no veículo composto com essas informações, o qual se torna por vezes confuso, ao ponto de não transmitir essas lições da melhor maneira. Esperemos que o segundo volume repare as falhas que este apresenta, e o projecto se venha a tornar cada vez mais nítido.
Nota: livro pertencente à Biblioteca da ESAP-Guimarães, após uma permuta com a Directora da Biblioteca do IADE, a quem agradecemos (tendo sido nós a servir de ponto de contacto). Além do mais, são muitas as pessoas a quem nos sentimos na obrigação de agradecer, pela tremenda aprendizagem que temos feito ao longo destes últimos anos em torno destas questões da ilustração. Algumas apontando livros, outros desvendando o seu trabalho, técnicas e saberes, outros ainda obrigando a pensar de um modo mais amplo. O trabalho nunca se faz sozinho, e a eles agradeço.
15 de fevereiro de 2010
Ilustração Portuguesa I, 1910-1940. Theresa Lobo (IADE)
Publicada por Pedro Moura à(s) 10:19 da tarde
Etiquetas: Academia, Ilustração, Portugal
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1 comentário:
Este livro é um verdadeiro desastre.
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