A abertura editorial que a
Asa propicia a Ricardo Cabral encontra neste volume a sua
continuidade, mesmo que os projectos agregados neste volume sejam bem
distintos em termos de cronologia, de peso no seu percurso, e até de
nível de complexidade. Se os volumes anteriores demonstravam um
autor interessado em construir uma linguagem algo desimpedida e nova
que mesclava o diário de viagem a uma pesquisa visual, Pontas
Soltas, Lisboa ganha de forma mais nítida a ideia de repositório
de trabalhos desirmanados e sem coerência transversal. (Mais)
Este volume reúne
histórias que datam de 2005 a 2013, remontando portanto quer ao
“princípio” da sua carreira, ainda enquanto aspirante de autor
de bandas desenhadas mais convencionais, até à de ilustrador
plenamente integrado no nosso circuito mais comercial, de maneira a
que conquiste espaço num projecto de grande perfil mediático.
Em relação às primeiras
histórias, é como se estivéssemos “de regresso” ao Ricardo
Cabral que apresentara trabalhos na Blazt magazine e na
Sketchbook, ainda com as visíveis marcas de influência –
expressas textualmente na introdução – de autores japoneses como
Otomo e Masamune, as quais ainda se manteriam na sua “estreia”
com Evereste. De certa forma, estavam ali em semente as
possibilidades de Cabral ter desenvolvido um caminho ficcional
pautado pela fantasia, o feérico, a ficção científica e outras
categorias genéricas mais ou menos bem-comportadas, que o colocariam
na mesma senda de todo um rol de autores, japoneses mas não só,
cultores do conto curto, ou de sagas episódicas.
A História, porém, não
é feita de “ses”, e o autor enveredaria por outros caminhos que
se revelariam de uma maior maturidade, uma constante ainda que
desarmante procura por uma identidade – sem a gravitas de um
Marco Mendes ou a politização de um Ricardo Baptista ou a
fragmentação de um António Monteiro Ribeiro –, as mais das vezes
associadas aos questionamentos proporcionados pelas viagens, o
diálogo com os outros, e algum número de colaborações ou
“encontros”.
Porém, mesmo as histórias
que cria aqui em colaboração, como O Caso Doca 21, criado no
seio de uma campanha publicitária da Samsung, numa história escrita
por Francisco Chatimsky e Mafalda Quintela, e Webtrip, nascido
de um convite do Festival de Lyon, são bem mais leves e
“despachadas” que o usual.
Uma certa paixão pelo
encontro paradoxal entre o movimento e a inércia são marcas do
autor mesmo sob os dois projectos bem diferentes, permitindo-lhe
fazer pequenos retratos locais (de Lisboa, precisamente, elemento
comum entre todas as histórias), observações específicas, mais ou
menos identificáveis, e os momentos de “quadro”, nas pausas de
grandes haustos, fazendo Lisboa brilhar com uma luz gráfica que,
sendo-lhe própria em certos dias límpidos, ganha no processo de
criação de imagens de Cabral um outro nível de clareza.
Existem elementos muito
variados, alguns curiosos e que tecem linhas internas à sua obra
(será o elefante rosa de Webtrip o mesmo que habitara as páginas da
história que havia feito na Polónia?), outras que parecem acenos a
um certo tipo de humor actual no nosso país que deixa algo a desejar
(como o polícia de Doca 21, que parece partilhar a facies com
um “humorista” nacional).
Para além do fito mais
óbvio deste volume – o de coleccionar num objecto comercialmente
mais acessível e de maior circulação de trabalhos “soltos” -,
e o do segundo mais imediato – a possibilidade de “ver” uma
espécie de curva de aprendizagem da sua criação de composições,
figuras humanas, expressividade humana, explorações cromáticas,
capacidade de observação e detalhe – talvez um outro ponto
importante seja o de entender que o caminho do autor é de facto
reforçado, por tais trabalhos mais “leves”, na direcção da sua
pesquisa mais central.
Nota final: agradecimentos
à editora, pela oferta do livro.
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