Este
texto é, a um só tempo, uma breve leitura de um projecto de Ricardo
Cabral, e um momento de publicidade. Uma vez que se trata de um
projecto feito no seio do curso de auto-edição da Oficina do Cego,
a que pertencemos, é necessário compreender que há um ou dois
gramas de proximidade ao contexto de produção sobre o qual
exerceremos um poder de “venda”. (Mais)
O
curso de auto-edição da Oficina do Cego propõe aos formandos uma
aprendizagem que atravessa várias fases, de exposição a conceitos,
projectos existentes, uma breve história da cultura do livro e do
objecto impresso, assim como a uma série de disciplinas práticas
que são possíveis de fazer no espaço oficinal: serigrafia,
linogravura, tipografia, encadernação e por aí fora. O princípio
condutor, porém, é operado pelos próprios formandos, que
procurarão navegar essas águas com os seus próprios propósitos,
talentos e direcções. No caso presente, Ricardo Cabral criou um
pequeno livro de banda desenhada impresso a serigrafia, a preto, com
uma capa impressa também a serigrafia a duas cores, com badanas, mas
que é na verdade um poster desdobrável, o título feito a partir de
linogravura, e utilizando papéis distintos para a capa, miolo e
guardas, criando assim várias texturas tácteis que poderão ter um
lugar na apreciação, leitura e até mesmo interpretação semântica
de Terrea.
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Há,
sem dúvida, uma narrativa em Terrea, mas é bem possível que
a sua “escrita” tenha obedecido antes a pulsões do próprio
desenho, a uma navegação de ritmos internos pedida pela pesquisa
visual, e menos por um qualquer desejo de absoluta lógica literária.
Temos vários grupos distintos de personagens recorrentes, a que
poderíamos chamar de “ser semi-divino”, ou “Silver Surfer”,
os “viajantes” que atravessam a paisagem do planeta visitado a
cavalo, e o “guia” ou “xamã”, que poderá recordar-nos de um
xamã aborígene australiano, apesar de Cabral misturar vários
elementos de uma forma fantástica (no sentido de fantasiosa). Aliás,
as estruturas que ocupam spreads completos, e também
influenciam a imagem geral da capa, encavalitam elementos tais como
máscaras à la dança topeng (Indonésia) ou Tsam (Mongólia), que
costumam ter características de demónios muito dramáticos e
expressivos, um rosto de mulher tranquilo, mamas, alguns mamilos dos
quais parecem olhos negros, caveiras, garras e presas, e toda uma
série de objectos soltos, como pedras, excrescências vegetais ou
talvez uma espécie de variação de energia à la Jack Kirby. Dessa
maneira, Cabral pretenderá criar um espaço que suscite várias
referências alternativas. Como se desejasse que o leitor começasse
a fazer associações mas jamais se decidisse por um só quadro.
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Se
se trata de um primeiro passo num projecto maior, ou se se tratam
todos estes de elementos que o autor vai criando algo livremente, e
talvez se possa vir a coalescer em algo maior, só o tempo o dirá,
mas os princípios estão lá.
3 comentários:
Por favor, escrevam com o novo português!!
Escreverem com a velha ortografia até causa estranheza. Simplifiquem. Não custa nada!
Caro anónimo,
Este não é o lugar para dar início a uma conversa e argumentação extremamente complexa e que tem tido lugar em locais mais apropriados e competentes. Este blog é escrito apenas por uma pessoa, eu mesmo (fora alguns posts onde há convidados).
Pela sua expressão "velha ortografia", só poderei imaginar que se trate de alguém extremamente jovem, habituado a este português de secretaria, se bem que esta não é uma questão de geração. Trata-se antes de uma consciência profunda das idiossincrasias específicas e históricas da minha língua, e não querer compactuar com um acordo que é muito triste em termos intelectuais. O tempo o dirá, e é possível que seja um "velho do Restelo" (jamais imaginaria!), mas manterei essa posição, com as excepções onde sou obrigado a ela por razões de potência.
Custa, e muito. E caro amigo ou amiga, não tem nada a ver com "simplificação".
Bem-haja,
Pedro Moura
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