
Parece-nos
que a força visual da autora reside da sua capacidade de criar
personagens, como se pode ver de algum do seu merchandising,
que costuma vender em feiras, certames ou em conjunto com a música e
animação que produz (como “Moxila”, apresentando temas de
“low-folk” [sou informado, assinalando-se a distância da idade e da capacidade de seguir estas tendências, que se trata de "twee pop"], os quais se compreendem como se associam às
bandas desenhadas; ver aqui e aqui). Mas se essas criaturas nos parecem queridas,
“fofinhas”, afinal de contas, a autora não parece ter qualquer
interesse em nos ofertar universos narrativos seguros e inócuos, e
antes a revelar as fragilidades dessas mesmas fantasias, ou até a
sua incapacidade em responder ao desconsolo da vida mortal.
A primeira
história, sem palavras, mostra uma menina no recreio de uma escola
(primária, jardim de infância?), que se lança numa fuga com a avó
para um dia de vários prazeres, quase todos sensoriais – comer um
gelado, um bolo com creme, ir à praia, andar à chuva e, sem
qualquer contradição, ser baptizada na igreja – para finalmente
ser devolvida à autoridade maternal. Poderíamos ver aí uma espécie
de signo metafórico a comandar toda esta produção? A de pequenas
fantasias infantis que servem de distância de responsabilidades
adultas, informadas por recordações, por sua vez, provindas de uma
qualquer figura familiar protectora? Quase todas as histórias
envolvem uma relação de amor entre os protagonistas e os seus
coadjuvantes, mesmo que sejam amores passageiros ou rápidos, com
outros serem humanos, cãezinhos ou entre criaturas fantásticas.
Os
diálogos, em geral, parecem ser apontamentos escutados de conversas
reais, triviais, sem grande densidade cultural aparente, mas que
encerram toda uma série de tensões, que poderiam sem grande esforço
ser interpretadas de um ponto de vista de poderes sociais. O
desemprego ou o trabalho “aborrecido” e sem sentido é um tema,
as empatias e rivalidades outro, a solidão sem dúvida que é um
baixo contínuo destas peças. Nesse aspecto, há alguma finidade com
a obra de Simon Hanselmann, em que o aspecto visual de fantasia é
apenas uma forma de nos distanciar e amparar os temas mais pesados,
se bem que Pita não mergulhe de cabeça na anarquia emocional e
auto-destrutiva desse autor... Mas se lermos algumas das histórias
com atenção, flutua lá perto...
Lá
fora com os fofinhos tem um total de 12 histórias, tudo
ultrapassando as 100 páginas, num volume a capa dura. Algumas das
histórias são inéditas. Algumas em português, outras em inglês,
mas sempre com a tradução respectiva. Uma vez que alguns dos
trabalhos foram publicados em formatos distintos, ou com esquemas
cromáticos diferentes (a autora varia os materiais riscadores, de
lápis de cor a grafite e marcadores, pintura digital e linha a
preto, fotografia de objectos em papel, etc.), este objecto respeita
essa variabilidade, pelo que o folheamento do livro revelará sempre
flutuações materiais que, em vez de lançarem a confusão, são
pelo contrário iluminadoras das características comuns da tal
coerência do corpo do trabalho.
Sem comentários:
Enviar um comentário