Este título, da colecção Ignatz, não é mais do que a “repescagem” de um anterior volume de Mattotti, de 1997, intitulado L’Arbre du Penseur, da colecção Feu!, da Amok, que aliás a Ignatz praticamente mima. A diferença está em incluir agora mais 10 pranchas em relação à anterior edição. Se se trata de uma edição de um “work-in-progress” análogo ao de Baudoin com Le Chemin de Saint-Jean, ou se se trata de uma simples revisitação de um trabalho anterior com uma coda, não sei. Mas a primeira hipótese não é de todo displicente, tendo em conta na especificidade deste trabalho de Mattotti.
Estamos de volta (ou de lá não saímos?) do Mattotti de O Homem à Janela (Fenda), em que o estilo do italiano se sublima pelo emprego de finíssimas linhas a negro, que apenas auscultam os limites da “linha clara” para logo a adensar num barroco descomedido. Longe do uso generoso da cor como em Bruit du Givre, por exemplo, mas próximo da desmesura narrativa de um Tonino Guerra, começamos com uma abertura textual sobre uma árvore onde outrora um pensador existia, e onde o narrador-sonhador se coloca: abre-se assim o espaço de um sonho, seguro, mas que acompanha as metamorfoses sucessivas de todas as formas e entes do universo, de nuvens em homens, homens em flores, planícies em curvas de mulher, tempestades criadas pelo grito de um ciclope na prisão de um mago, árvores em aves de rapina, vítimas em nós de tinta perdidos nos labirintos dos bosques. Estes labirintos não são de todo inocentes, querendo recordar os exercícios de que Umberto Eco fala, sobre as possibilidades de nos entregarmos ao prazer de nos perdermos na ficção... Há um contínuo complicar e complicar-se e adensamentos de linhas que as torna a elas mesmo vivas e as verdadeiras protagonistas da eventual “estória” contida em Chimère (tornando assim o título o mais verdadeiro e honesto possível). Talvez ainda estejamos a ser testemunhas da transformação do velho “caderno de esquissos” num verdadeiro e coeso laboratório de afecções visuais e forças de sentido.
28 de agosto de 2006
Chimère. Mattotti (Coconino Press/Vertige Graphic)
Publicada por Pedro Moura à(s) 11:08 da manhã
Etiquetas: Itália
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