28 de agosto de 2006

Japon 17. AAVV (Casterman)


Tenho que partilhar o entusiasmo que uma antologia desta natureza me suscita: é toda uma série de aspectos positivos que me fazem indicar esse movimento mais emotivo... desde o facto de ser um projecto bem conseguido que alia um interesse político-cultural (dos Institutos Franceses existentes no mundo; mas o que também nos poderia desviar para um “j’accuse!” de neo-colonialismo cultural – leia-se “dor de cotovelo”) à curadoria ponderada e estética de uma pessoa (Frédéric Boilet), passando pela capacidade dos eleitos em criarem participações muito bem conseguidas, a um só tempo simples e complexas. Está tudo muito bem explicado no texto de apresentação do projecto por isso a ele vos remeto. E sei que se prepara uma nova aventura, desta feita na Coreia do Sul.
O Japão é um país que suscita fascínios. E como já havia dito algures, o fascínio nasce sobretudo da ignorância, mas uma ignorância cujo fruto é uma sensação de maravilha, de espanto. Se se lerem todas estas histórias com atenção, reparar-se-á como as perspectivas dos “forasteiros” se complementam ou por vezes as ideias de um respondem ao fascínio de um outro; ou como contribuem para essa imagem ou a desmistificam as visões dos “nativos” ou ainda o exercício desconstrutivo de Sfar. Há ainda um culto próprio da auto-mistificação, como me parece ocorrer nas histórias de Hanawa (mas que não são mais do que uma continuação do seu trabalho em integrar a mitologia em imaginários mais pessoais) e de Moyoko Anno.
São vários os ecos ao texto de Roland Barthes sobre o Japão (O Império dos Signos), em que por vezes o próprio signo ganha corpo e vida de corpo (Crécy, mas também Guibert, Boilet, Neaud, Peeters e Schuiten, e até Igarashi). É ainda essa referência central da semiologia quem afirmou, a outro propósito, de algo que “se torna explicitamente desenho, torneado por um lado, totalmente vazio por outro” (L’obvie et l’obtus): e esta afirmação, agregando-se com toda uma tradição de origem chinesa, faz com que estejam presentes exercícios dos traços cujo vazio aponta à existência de mundos “cheios” (Matsumoto – de quem se apresenta uma prancha -, Little Fish). É nesse território que se tornam possíveis certas confluências (David Prudhomme) ou ainda inversões: a história de Emmanuel Guibert que transfigura a sua própria experiência nos ateliers que partilhou com colegas para um atelier do Japão dos anos 20, ou a de Étienne Davodeau, colocando-se a si mesmo como curiosa personagem secundária numa narrativa em primeira pessoa.
Outro aspecto interessante é que, não obstante as discrepâncias de estilos e aproximações presentes, desde pequenos momentos intimistas de memória como o de Taniguchi ou de Takahama a um outro tom mais desbragado como o de Aurélia Aurita, passando pelo exercício jornalístico-publicitário da dupla d’As Cidades Obscuras, a um episódio da epopeia diarística de Neaud, o total da antologia cria de facto uma viva imagem de uma série de japões, todos eles reais e todos eles inatingíveis, confirmando a perpétua estranheza que uma cultura que nos é tão distante e alienígena nos causa, mesmo que a atravessemos com os nossos próprios corpos, ou que se mantêm subitamente plasmada à nossa própria existência quando a julgávamo-la absolutamente desagregada de nós mesmos. Japon 17 não é o espaço para nos aproximarmos do Japão pelo pensamento lógico, mas é sem dúvida uma porta de apresentação pela sensação que nos suscitam estes artistas. Posted by Picasa

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