Nem todos os álbuns, histórias curtas e fanzines de Alex Baladi são sem texto, mas quase apetece dizer que há uma série de características no seu trabalho que o parecem tornar mais apropriado a esse tipo de aproximação à banda desenhada.
Por um lado, a figuração de Baladi presta-se a apresentar personagens que têm uma plasticidade muito forte, na plena acepção da palavra, que lhes incute um movimento em potencialidade, um contorno e volume intuitivo, uma quase maleabilidade (se fossem a três dimensões) que nos remeterá para todo um grupo de autores que, criando sobretudo banda desenhada, ou melhor, que criam uma banda desenhada que está próxima de estratégias visuais de um determinado tipo de animação. Um pouco ao acaso, Luciano Bottaro, Al Columbia, Carlos Zíngaro, Ludovic Debeurme poderiam pertencer a essa família, alguns deles por razões mais óbvias que outros. Essa dimensão material dispensa o recurso ao texto, colocando este Em toda a parte no domínio do que se costuma chamar “banda desenhada muda” (sem texto verbal; e confesso que não entendo a razão pela qual está escrito na capa de trás deste livro que isso é um "caso raro na banda desenhada": isso é falso, não é nada raro, e nem precisamos de ir buscar o "tijolo" de L'Association, onde Baladi também se encontra). Por outro lado, a composição da página, em que as vinhetas se apresentam ora relativamente soltas na prancha ora estruturadas de um modo pouco convencional – mas que o aproxima de autores tão díspares como Chester Brown ou Frédéric Poincelet – e que o autor já havia experimentando em La Main Droite e Nuit Profonde (o primeiro mais experimental) também permite facilmente a que esta narrativa se componha sem palavras. Trata-se de uma linha de acontecimentos algo solta, em que o absurdo não está presente pelo recurso ao excesso de estranheza (aquilo que muitos gostam de disparar cedo de demais como “surreal”) mas sim pela sua perfeita harmonia com a “nossa” realidade, e é a recorrência de um símbolo que se vai tornando cada vez mais ubíquo e invasor (apercebermo-nos de quão invasor é).
Mais, uma quase marca de estilo de Baladi são os rabiscos entrelaçados num complicado novelo que podem surgir como signo de um som indistinto, de aborrecimento e surpresa, consternação e irritação. Esse recurso gráfico, se bem que utilizado antes pelo autor, aqui assume direitos não só de cidadania, como concorre junto à criatura icónica que está por toda a parte. Internamente ao livro servirá quer de contraponto quer de ambientador. A sua aliança aos balões icónicos ou figurativos não são mais do que outras estratégias para evitar a inclusão de texto verbal.
Livrinho de consumo rápido, não terá naturalmente o mesmo efeito sobre o leitor de que, por exemplo, Like a Velvet Glove Cast in Iron, com o qual estabelece afinidades (é nestes casos de facto que se podem utilizar, com toda a correcção, neo-adjectivos como “kafkianos” ou “lynchianos”). No entanto, a presença marcada o suficiente da criatura plasticamente simpática mas psicologicamente assustadora ecoará para além da sua leitura.
Nota: não percebo nada de hortas e muito menos de edição, mas se o design novo da Polvo é sóbrio e bom, a qualidade dos cadernos deixa algo a desejar: as folhas sentem-se perras e o som que fazem é muito desagradável; o mesmo acontece com o Solo de Filipe Abranches. Solo ou não, preferia um concerto mais harmonioso em termos materiais...
4 de novembro de 2006
Em toda a parte. Baladi (Polvo)
Publicada por Pedro Moura à(s) 11:38 da manhã
Etiquetas: Outros países
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