1 de maio de 2007

C'est bon anthology. AAVV (cestbonkultur)


Não pretendo alongar-me sobre esta publicação, somente desejando dá-la a conhecer a quem porventura a deixe passar abaixo do seu radar. Trata-se de uma excelente revista, com uma inteligente e equilibrada e diversa escolha de trabalhos de banda desenhadapor artistas de variadíssimos quadrantes, desde o nosso Pedro Nora ao finlandês Marko Turunen, passando por outros nossos conhecidos como Jyrki Heikkinen ou Danijel Zezelj. E depois, uma mão-cheia de desconhecidos, e agradáveis surpresas entre eles. A editora apresenta ainda outras publicações, umas delas mais apelativas que as outras, pois tudo, inclusive esta revista, está sobre aquela patina de militância da banda desenhada enquanto arte, mas querendo com isso respirar um mesmo ar de arte como corresponde àquelas ditas "altas", "grandes", "de galeria e museu", e não propriamente construindo um discurso que procure o espaço próprio que a banda desenhada - contaminada ou não, contaminando ou não - pode ocupar por si mesma.
A Cestbon inclui um texto de Paul Gravett precisamente sobre esta questão, partindo da exposição havida nos EUA e cujo livro-companheiro foi aqui debatido. Mas depois entra em pequenos erros de interpretação, subjectivismos e impressionismos fáceis, e pouca justificação sustentada. Uma piscadela de olho à auto-intitulada vanguarda da banda desenhada? Uma pequena pancadinhas nas costas de amigos? Para uma sustentada assunção da banda desenhada como uma linguagem passível de uma força estética própria mas capaz de exercer a sua influência sobre a sociedade como outras artes o fazem (estas mais, aquelas menos), só há um caminho: o do fazer, e o do fazer bem para ser mais específico. Tudo o resto são circunstãncias flutuantes.
É a esse propórito que se deve sublinhar a presença de Pedro Nora, o qual apresenta uma pequena banda desenhada de 21 pranchas, "sem texto", com mais uma história da sua colaboradora Jessica Khane, mas que nos poderá recordar de um dos mais famosos episódios do América, de Kafka. No entanto, a torção exercida sobre essa personagem de Kafka é idêntica àquela que Orson Welles fez sobre o protagonista de O Processo. Onde a angústia e a impotência se alimentam mutuamente em Kafka, nestes dois autores que constroem versões, a liberdade apresenta-se com uma felicidade conquistada pela acção extrema. Conjuntamente com mais um episódio da saga doméstica de Alien, de Turunen, estas revelam-se os trabalhos mais fortes e consistentes de toda a antologia.
Mais, e ainda que deva confessar não conhecer antes Aleksandar Opacic (cujo site ou colectivo é este; divirtam-se a procurar), estou ainda a tentar descortinar o valor e a força exercida pela sua banda desenhada, de cinco pranchas de regularíssimas 16 vinhetas, todas preenchidas pelo que parece ser a leve passagem de um punhado de cinzas. Assim se constrói na indefinição uma paisagem, várias personagens reconhecíveis na sequência, cenas de combate entre cavaleiros, anjos e demónios, uma princessa salva? Não pode haver certezas algumas, os olhos tentam fixar as imagens, mas perde-se rolando nessas fátuas figuras e matéria difusa.
C'est ça.
Nota: agradecimentos a Isabel Carvalho, pela oferta.

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