8 de dezembro de 2009

A Casa da Mosca Fosca. Eva Mejuto e Sergio Mora (Kalandraka)

Este livro é uma adaptação de um conhecido conto tradicional russo, também conhecido como “O castelo da mosca” (veja-se o recente Myths and Legends of Russia, escrito por Aleksandr Afanasev e ilustrações em silhuetas de Niroot Puttapipat, na Folio Society), que se presta à estrutura típica das lenga-lengas, em que cada animal tem um qualquer apodo que rime com o seu descritivo (Mosca Fosca, Morcego Ralego, Sapo Larapo, e por aí fora), e cuja acumulação permite toda uma série de jogos de prosódia e de todos os elementos paralinguísticos usualmente afectos ao contador de histórias (a cinésica, a proxémica, etc.). Por essa razão, talvez, tenha sido alvo de várias encenações, inclusive uma com fantoches: todos os elementos estão prontos a essa encenação mínima, mesmo que sejam apenas os pais a ler em voz alta...
A estrutura do livro também procura seguir esse ritmo, com a apresentação em sequência de cada um dos intervenientes, respondendo ao aroma que se desprende da festa improvisada que a Mosca preparou em sua casa, e a acumulação dos comensais em torno da mesa em que o bolo vai ganhando cada vez maior protagonismo. Sergio Mora, que faz parte de uma geração de ilustradores que faz convergir a linguagem de redução e simplificação da ilustração infantil contemporânea com os elementos informados de uma nova corrente ilustrativa que responde pelo nome de pop surrealism ou lowbrow art (onde encontraremos nomes como J. Otto Seibold, Tim Biskup, Gary Baseman e tantos outros), e ainda uma qualidade quase táctil da cor (aparentada com a de André Letria) cria aqui ambientes de grande legibilidade – condição sine qua non da ilustração infantil – cruzados com pequenos desvios de alucinação: as perspectivas, a construção do espaço totalmente livre, a figuração das personagens, a pulverização de pormenores divertidos (os cerais “Oskis”, a bengala do Escaravelho Carquelho) ou mesmo escabrosos (o morcego emborcando de um porrón), tornando a acção linear e cumulativa num pequeno exercício de concentração da parte dos ouvintes (já que este livro se presta a ser lido pelo contador – mero meio, intermediário, veículo secundário – e observado pela criança – leitor último e ideal).
O texto em si segue duas direcções: uma espécie de didascália em prosa, sem qualquer exploração de ritmos internos, que servem somente para abrir a entrada em cena de cada nova personagem, e depois as falas em diálogo cumulativo e rimado e ritmado entre elas. Ele deve ser explorado, precisamente respeitando essas duas linhas, pelo contador de forma a que possa transmitir essas duas vivências, às quais cabe ao leitor ideal a união final.
O fim, como soe ser, abrupto, apenas deverá ser acompanhado pelo também brusco fechar do livro com força, imitando o fecho da mandíbulas do Urso Lambeiro... com esse gesto derradeiro.
Nota: agradecimentos à editora pelo envio do livro.

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