Temos de discordar do autor, ou autores, do posfácio, quando se fala desta banda desenhada como sendo “sem texto”. É um erro comum, ou um entendimento reduzido do que significa “texto” de um ponto de vista semiótico. A ausência de matéria verbal, neste caso de um sistema de escrita simbólico convencional que transmita informação ou significado – e é discutível que isso suceda, uma vez que temos título, símbolos de música, sinalização verbal na paisagem urbana, e até balões “de fala”, mesmo que contendo mais informação visual, etc. – , é absolutamente secundário aos mecanismos de percepção, cognição e interpretação que o leitor fará da organização das imagens que vão sendo oferecidas ao longo da leitura. Não apenas as vinhetas isoladas em si, mas as suas coordenações sucessivas em sequência, prancha, livro... Ou seja, texto, há sempre. E ele é lido.
Apesar de termos em conta os limites através dos quais Hugo Teixeira controla o desejado na figuração das suas personagens, notar-se-á sobremaneira o maior domínio que tem sobre as aguadas nesta obra, assim como a maneira mais delicada com que contorna o que consegue cumprir, tornando a sua criação imagética mais sólida ao longo destas páginas. Mais, a variação de planos, por vezes de forma dramática, a atenção para com a variedade de composição, traz toda uma solidez às estratégias de storytelling visual (quem sabe debatidas a pormenor com o argumentista), que tornam Pássaro uma leitura a pedir atenção. Aliás, é precisamente nessa dimensão que o livro procura precisamente uma maneira elegante, ainda que não necessariamente inédita ou refundadora, que as imagens signifiquem o máximo. A maneira como a composição é pensada, as próprias molduras das vinhetas, os modos de encaixe destas umas com as outras e ou se formam as páginas e, por vezes, os spreads, não pedem somento uma “leitura dura” dos desenhos. Não estamos a ver somente uma “árvore cortada”, nem cenas do périplo da menina na vila - não, a vinheta demonstra o acto da árvore a ser cortada, e as vinhetas do périplo enclausuram cada acção na inconsequência que têm para a sua libertação ou conforto.
Pequeno conto ilustrado e célere, os próprios autores convidam a uma participação verbosa mas que nos parece também inconsequente e desnecessária, já que nenhumas palavras precisas poderão colmatar as dores e as perdas que são exploradas no texto do livro.
Nota final: agradecimentos aos autores, e editora, pela oferta do volume.
Sem comentários:
Enviar um comentário