
Até por estar associado a Straczynski, The Twelve não pode deixar de ser lido em comparação com outra “série” de 2009, Red Circle. Tal como The Twelve, cada um dos títulos centra-se numa das personagens “ressuscitadas” - a saber, The Web, The Hangman, Inferno e The Shield - mas neste caso a estrutura é menos concentrada. Todas estas segundas personagens eram ou são marcas registadas da Archie Comics, uma companhia fundada nos fins de 1939 (conhecida sobretudo pela sua personagem Archie, e todo o seu universo de suburbana americana, vincado depois nas décadas de 1950 e 60 graças ao novo ímpeto visual trazido por Dan DeCarlo, e pela razão de explorar temas assegurados por outras frentes da cultura popular de então, acima de tudo veiculados pela televisão). A Red Circle era uma linha dessa companhia que produziu super-heróis, nas décadas de 1970 e 80, mas nada de grande monta ou interesse, igualmente. Esta segunda série de Straczynski seria uma forma da DC permitir integrar no seu “universo” (a tal rede ficcional que permite fazer cruzamentos entre as personagens-marcas registadas que possui) estas personagens, para as quais adquiriram direitos de exploração, tal como ocorre em First Wave de B. Azzarello et al. (DC Comics) ou o recentíssimo Mystery Men de D. Liss et al. (da Marvel). Todavia, é de notar como o projecto Red Circle acabaria num outro limbo editorial e judicial.

É assim que Mystery Men e The Twelve podem ser lidos. E reparem-se nos factores. As máscaras estão lá, as capacidades físicas, místicas ou fantásticas estão lá, e até os modos de transformação, desde a vingança ao amuleto. Todavia, o fundo temático e profissional é ainda herdeiro de outras paragens: o detective e o homem forte (recordemo-nos de que quer Super-homem quer Batman começaram as suas aventuras em revistas precisamente com essas referências, Action Comics e Detective Comics), mas também, certas classes profissionais quase encontram aqui representadas: o aviador, o médico, o arqueólogo, o prestidigitador de vaudeville. Estilística e narrativamente, porém, Mystery Men é bem mais pobre, para não dizer medíocre, do que The Twelve, ainda que se encaixando na perfeição do actual “housestyle” da Marvel, sobretudo pelo denominador comum das cores “oleosas e sombrias”, para repetir uma expressão de Christopher Dony que já havíamos citado noutra ocasião. Esta série ainda teve a reedição de dois comic books que coleccionavam histórias originais com todas as personagens, para que o leitor contemporâneo pudesse rever, ou mais provavelmente descobrir, essa mesma matéria (uma felicidade são as histórias de Rockman, desenhada pelo magnificente Basil Wolverton, outra as do Fiery Mask por Joe Simon), de forma análoga ao que se passou com Batman: The Black Casebook, quando da série de Morrison, Batman: R.I.P. & etc. São formas materiais e comerciais, então, de implicar toda essa tal recuperação e integração.
Uma das possíveis linhas de análise desta saga, portanto, é a de entender até que medida algumas das figuras “arqueológicas” dos super-heróis – os tais homens fortes e os “mystery men” dos pulp, os swashbuckler da literatura e do cinema, as criaturas da ficção científica – conseguem re-integrar-se nesse contexto e com eles se relacionar. Repetem-se mesmo toda uma série de fórmulas narrativas já tipificadas deste género, precisamente para entender como funcionaria uma sua versão (como discutimos a propósito de Batman, e como Straczynski explorou em Bullet Points).
A diferença entre toda a tipologia de personagens que acabaram por ser integradas no universo Marvel é mesmo matéria de discussão das histórias (sobretudo no spin-off Spearhead, escrito pelo próprio Weston). Temos os homens-mistério, que não têm propriamente poderes, mas utilizam qualquer tipo de uniforme distintivo e colorido, afectos aos pulps, os soldados (como os Howling Commandos de Fury) e os super-heróis, desde os mais famosos – porque “sobreviventes” ao longo da história da Atlas-Timely-Marvel – aos mais obscuros.
Seja como for, reitera-se assim aquela noção introduzida no início de que estes gestos significam tão-somente uma estratégia das companhias voltarem a lançar no mercado as suas marcas registadas. Pô-las a render. Começa-se com um autor relativamente interessante, capaz de lançar uma personagem numa qualquer premissa nova ou num ambiente contemporâneo cultivável, e espera-se que se possa espremer até ao fim. Por vezes, esse fim é rápido, independentemente das razões que levaram até ele: compromissos dos autores, falta de interesse dos investidores, vendas baixas, alteração de direcção comercial. Foi o que aconteceu ao newuniverse, de Ellis et. al, e é o que ocorre agora com Before Watchmen.
Straczynski, obviamente, tal como Bendis ou Brubaker em alguns dos seus trabalhos, é um autor que está preocupado em moldar o mais complexa e densamente possível as suas personagens, abrindo espaço a largos monólogos, momentos de intimidade quer solitário quer em companhia, e que revelam as partes mais dolorosas possíveis dessas mesmas pessoas: memórias, arrependimentos, enganos, paixões, preconceitos, desentendimentos, incompreensões e todas as dívidas e pecados que os tornem pesados perante as suas vidas (como o fez, a nosso ver perfeitamente, em Supreme Power). Pelo contrário, alguns outros autores (por exemplo, Mark Waid em Irredeemable e Incorruptible) procuram antes estabelecer a história através da acção, da intriga, o mais rápida e dinamicamente possível. Todos estes autores trabalham sobre um ponto de partida fundado por muitos autores na história dos super-heróis (“o que se passaria se eles existissem mesmo no nosso mundo?”), que pode ser encontrado até mesmo nas suas origens, mas que foi encontrando, a cada momento, novas inflexões mais ou menos interessantes (com Mark Gruenwald, ou a série New Universe da Marvel, por exemplo), mas com grande destaque para Alan Moore, cuja obra foi extremamente influente em termos de estilo e amplitude (sobretudo Miracleman, Swamp Thing e Watchmen). Todos estes títulos trabalham no seguimento desse novo território, mas há aqui uma curiosa inversão de expectativas. As séries de Waid e o Project Superpowers, da equipa da Dynamite, são projectos pessoais, nos quais haveria toda a liberdade para fazerem o que bem entendessem, sem preocupações de “manchar” as personagens-marca registadas e, por isso, de perigar o seu sucesso comercial; Straczynski, por seu lado, em ambos os projectos, tem uma missão que é re-introduzir e re-valorizar aquelas personagens para que possam ser novamente exploradas comercialmente. Porém, os primeiros acabam por construir sobre ideias feitas, pequenos nódulos de acção mais ou menos expectáveis, e sem grandes rasgos de criação ou fundação de novos temas a partir dos velhos. São projectos sofrivelmente comerciais, sem outras dimensões. O segundo, ainda que não procure reinventar a roda, cada


A figuração sombria, bulbosa e austera de Chris Weston encontra-se aqui quase sempre co-adjuvada por um dos seus melhores arte-finalistas, Garry Leach (artista de mérito próprio). Poderíamos dizer que a estruturação das páginas é convencional, ou clássica nos seus desvios, mas uma segunda leitura revela que esses usos, ainda que normalizados, servem bem o propósito de cada passo, tal como as cores, usadas de modo ora dramático ora semioticamente realçado. Diga-se de passagem que a primeira metade da série é mais coesa que a segunda, em que algumas fases parecem recorrer a soluções simplistas e até de uma qualquer imitação (há um trecho no volume 7 que parece ter sido desenhado por John Ridgway, e não Weston, por exemplo).
Como não podia deixar de ser, The Twelve tem momentos em que integra a memória da banda desenhada dela mesma No número 5, dá-se um acontecimento que parece ser uma versão condensada (mas esvaziada do impacto psicológico e histórico) de The Master Race, uma famosa banda desenhada curta de A. Feldstein e B. Kriegstein. Claro que, estando no Universo Marvel e falando-se de personagens que atravessam, com suspensão criogénica ou não, dos anos 1940 até à actualidade, há oportunidades para revisitar ou mencionar muitos dos famosos episódios da Casa da Ideias. Contudo, e repetindo uma ideia anterior, parte do prazer da leitura destes títulos está mais na nossa própria acção de cerzir através dos pormenores a história presente a todas as anteriores do que à circunferência somente do texto em si…
1 comentário:
Excelente texto!!!
Enviar um comentário