6 de agosto de 2013

Uma palavra sobre webcomics.

No blog de banda desenhada Comix Pouf! apresentam-se regularmente pequenos cartoons ou sequências que devem ser lidas como críticas da banda desenhada: de obras, dos prémios, de situações significativas, sobre colegas ou críticos, etc. Quase sempre com humor, pertinência e acertadas. Numa das sessões brevemente apresentadas, surgiu “A história da banda desenhada digital desde ontem aos dias de hoje – esperando por amanhã”, e numa das partes (a 5ª), mostravam que “um blog de bd com sucesso” significava a edição do seu material num formato livro. Este é um problema que realmente afecta grande parte da produção de banda desenhada online, que tem de batalhar com o desenvolvimento das plataformas digitais quer em termos de divulgação, de especialização de público, até mesmo de ferramentas materiais de trabalho e de formas de expressão, ou de mistura e contaminações com outros meios mas acima de tudo em termos de sustentabilidade económica. O mesmo ocorre com bandas desenhadas cuja vida se prende a plataformas digitais (desde os agora obsoletos CD-Roms aos actuais conteúdos para tablets, e imaginando-se futuros desenvolvimentos). 

De facto, será um trabalho qualquer criado em plataformas digitais (sobretudo o tumblr, cada vez mais empregue por uma certa área de produção alternativa) obrigado a ter uma forma publicada em papel para lhe assegurar o sucesso? Ou será para chegar a mais público? Não estará essa responsabilidade, de leitura e recepção do lado dos que o lerão? Ora, neste último aspecto, o lerbd assume mais uma vez a sua quota-parte de culpa e ignorância. As desculpas seriam mais ou menos expectáveis: pertencer a uma geração que não nasceu com a internet e estar ainda arreigado a certos comportamentos e rituais de leitura, que passarão decerto por variados graus de fetichismo materialista, coleccionismo anal, e vaidade de possidente, já para não falar de falta de tempo e atenção, desconfiança da qualidade e mesmo natureza dos trabalhos, cegueira. As palavras que se seguem demonstrarão a falta de familiaridade.

Gostaríamos de tecer algumas notas de leitura, sem grande grau de organização, em torno de projectos muito diversos entre sim. Em primeiro lugar, um trabalho desenvolvido parcialmente online, apesar do autor ter publicado algumas das histórias na famosa antologia Flight ou outros títulos, ou aí terem encontrado soluções de produção, nomeadamente ter sido suportado através do Kickstarter (que já serviu muitos títulos e autores). Mas falaremos também de outros projectos que apresentam aspectos que dificilmente os “traduziriam” em edições de papel, e coisas muito diferentes entre si…

Suspenderemos, para já, a discussão sobre o que poderá diferenciar uma banda desenhada em papel e aquelas de outras plataformas digitais, usualmente acessíveis online (legalmente ou não, já que os torrentes e downloads poderiam levar a outra discussão diferente). Desde a existências de “meras” tiras postadas na net a motion comics, desde o Marvel app a páginas no tumblr, desde uma navegabilidade aumentada ao hipertexto à integração de movimento, como através de simples gifs (como os de Kerry Callen), sons de luz e animação, há todo um complexo espectro que melhores investigadores que nós saberão distinguir, tipificar, explicar. O exemplo de Parker, para todos os efeitos, não apresenta diferenças substanciais entre as versões online e em papel, ao contrário de outros projectos (Meanwhile, de Jason Shiga, é um modelo recorrente), mas existem aqueles também que nem sequer podem ter versões em papel sem que seja “destruída” a sua estrutura, navegabilidade e mesmo significado. Essas notas extremamente basilares poderiam dar azo a princípios definidores de webcomics, mas rapidamente nos viríamos a defrontar com aporias e becos sem saída. Poderíamos dizer que haveria uma obrigatoriedade em ser desenhado? Impediria isso de incluirmos fotografia, colagens digitais, manipulação ou moldagem digital, e clips fílmicos ou quejandos, no interior do que chamaríamos “desenho” e a estruturação formal mais usual na banda desenhada? Teria de ser apresentado numa plataforma digital, usualmente online, que não pudesse ter “passagem” para o papel? E a ausência dessa passagem deveria ser considerada por razões de vontade artística, oportunidade comercial ou especificidades técnicas do trabalho?

O uso de links ou de hipertexto, por exemplo, pode ser empregue de forma a adicionar informação, mas é algo que, ao nosso ver (limitado, decerto), funciona melhor em bandas desenhadas educativas/informativas (como esta de Leonard Rifas) do que como método narrativo. Mas talvez o possa vir a ser, se se der o caso, e o projecto de Shiga já faz pensar nisso. De resto, Scott McCloud, no seu site, apresenta toda uma série de experiências em que tenta tirar partido dessas possibilidades de legibilidade, direccionalidade e navegabilidade. Mas alterará de uma forma profunda a ontologia narrativa da banda desenhada, ou simplesmente apresenta uma fórmula ligeiramente diferente? É aí que as questões têm de ser colocadas e exploradas.  

Não vamos prestar atenção a projectos que se desenvolvem no twitter, em plataformas interactivas e de animação mas que se afastam de uma ideia (essencialista?) de banda desenhada, etc. (existindo coisas incríveis, como “Malária”, de Edson Oda), mas no fundo isso acontecerá de forma a disfarçar mais uma vez ignorância e falta de tempo, e não por uma hierarquia de gosto ou por uma edificação necessária de valores intrínsecos a esses trabalhos…


The Antler Boy and Other Stories. Jake Parker (auto-edição)
Esta é uma antologia de histórias curtas (de 4 a 20 páginas), quase todas independentes umas das outras (apenas a saga de Hugo Earhart aparece em dois episódios coordenados), e todas elas atravessando ligeiras diferenças estilísticas, não tanto no que diz respeito a figuração ou composição (linear, legível, cute), mas em termos cromáticos e de “decoração”, oscilando entre lápis suaves a colorações próximas da animação tradicional, usando “células”. A experiência profissional de Parker, que compreende desenvolvimento de personagens para animação e jogos de computador, assim como ilustração, coloca-o num campo perfeitamente identificável e “legível” nos seus instrumentos, como por exemplo a simplificação dos corpos e das suas partes, imaginando-se que a sua transposição para a animação seria exequível, simples e económica. E cada uma das histórias é quase sempre acompanhada de uma imagem solitária, antes e depois, que mostra as personagens. Além disso, o seu interesse no desenvolvimento de equipamentos e conceitos de ficção científica ou fantasiosos são explorados de forma por vezes directa e divertida, como no caso das histórias de “Lucy Nova”, que apresenta secções (cortes) de tecnologia ou de criaturas.


Não deixa este de ser um título de uma banda desenhada relativamente convencional, que bebe de muitos dos princípios clássicos da banda desenhada (figurativos, narrativos, de composição, de género), e trata-se um trabalho descomplexado e dirigido a um público bastante jovem, ou pelo menos passíveis de serem lidos por um público jovem. De facto, não estamos perante uma problematização de que nível for da banda desenhada, mas é isso sinal necessariamente de conquista dos objectivos a que se propõe? Claro que não. Nada disto significa que não haja aqui alguma qualidade; bem pelo contrário, imaginamos que estas sejam histórias curiosas para leitores jovens, uma vez que não procuram moralidades fáceis nem lições sobre seja o que for, ao mesmo tempo que, explorando géneros convencionais (a aventura, ficções científica, fantasia), provocam pequenas diversões. Algumas das histórias revestem-se de uma natureza de fábula (“The Robot and the Sparrow”, “Checkers”, “The Star Thrower”, “The Antler Boy” e até mesmo “Secret of the Space Cave”, que não é mais do que um desses recorrentes exercícios sobre a confissão da própria arte), ao passo que outras, mesmo que auto-conclusivas, parecem lançar a ideia de um alargadíssimo universo diegético do qual apenas temos acesso parcial, mas criando ao mesmo tempo raízes e linhas de fuga a partir desse in media res (precisamente o caso das histórias de “Hugo Earhart” e de “Missile Mouse”). No entanto, a esmagadora maioria delas são como que pequenos scherzos, que imaginaríamos ter lugar numa qualquer hipotética publicação infantil de grande circulação. A simplicidade e até previsibilidade das intrigas - para o olhar dos adultos - é o caminho certo para que as crianças possam encontrar cartografias simples a partir das quais começarão a navegar estas águas.

De certa forma, até poderíamos imaginar que cada uma das histórias corresponderia a um quadro diferenciado de produção, em que Parker experimenta cumprimentos diferentes de um mesmo propósito geral. Comic books baratos, livros ilustrados, um pitch para uma animação, etc.


The Wormworld Saga. Daniel Lieske. Esta saga, como o título indica, está estruturada em 5 capítulos (até agora), cada um dos quais apresentando-se como uma série de imagens ininterruptas (ainda que se possam “salvar” em jepgs separados nem sempre correspondem a uma “vinheta”) legíveis através de scroll down. Os espaços intervinhetais correspondem a zonas de sombra, vegetação, vinhetas encaixadas. A história é relativamente devedora a toda uma tradição literária do fantástico infantil (que o autor lista no seu site pessoal), com o pequeno Jonas, acompanhado pela cadela Lotti e o gato Wiggins, a penetrarem num universo de fantasia do outro lado de uma misteriosa luz no sótão. Há um uso judicioso de toda uma série de imagens feitas, para começar o “fio cortado” de um labirinto fabuloso, e uma espada, que apetece chamar vorpal… Já para não falar do mundo que Jonas encontra, onde convivem elementos superficialmente colhidos dos tibetanos, dos brasileiros, dos tailandeses, para criar a ideia de uma “espiritualidade natural” ou algo que o valha. E os maniqueísmos costumeiros não demoram a surgir. A forma como ele se entrega às brincadeiras imaginárias na floresta perto da casa da avó ou no sótão criam o pasto para a sua disponibilidade, e basta o pequeno passo fantástico, e a tensão familiar, para lhe realizar os sonhos. O texto inicia-se com discurso retrospectivo, o que incute um certo tom de nostalgia e rememoração no relato a que temos acesso, enquanto “presente”, pelas imagens. Muitas vezes é algo redundante, mas se pensarmos que se dirigirá a leitores mais jovens, essa redundância apenas reforça os significados criados. Já do outro lado do espelho, também se seguem algumas ideias feitas e repetidas, desde uma cultura “antiga e mágica”, até à revelação que Jonas já era esperado e é o “escolhido” para o grande mistério da saga… Mesmo as tentativas do autor moldar mais profundamente Jonas - como quando se explica que a mãe morreu num incêndio, e ele tem fobia ao fogo, sendo o inimigo do mundo fantástico que ele terá de derrotar um deus do fogo, Saur… Unurtha – acabam por cair em categorias e fórmulas já expectáveis, mas percebemos em que direcção também ele pretende dirigir a saga.


Os desenhos de Lieske são competentes, sobretudo no que diz respeito à textura dos espaços e à cor, que dá densidade a uma figuração simples, muito normalizada na ilustração ou banda desenhada infantil convencional. Uma mescla de mangá, Disney-Pixar e character design comercial. O autor revela maior proficuidade na criação da biologia fantástica e as luxuriantes paisagens de uma selva tropical, sobretudo quando se abandona a panoramas longínquos e atmosféricos, compreendendo torres ou templos, mas a escolha das personagens simplificadas justifica-se, mais uma vez, ora pela economia ora pela fórmula de legibilidade. Claro que o facto de ser trabalhado para ecrãs digitais permite efeitos de cor e luz que não seriam alcançáveis com a mesma resolução ou resultado em papel, por melhor que a impressão fosse. E faz imaginar que, num futuro relativamente próximo, de acordo com notícias em fóruns de tecnologia de ponta, poder-se-ia imaginar algum grau de sensibilidade de texturas ao passarmos os dedos sobre a vegetação, ou as pedras, os tecidos, que The Wormworld Saga parece desde logo prever na sua visualidade.

O autor tira partido do scroll down apenas no sentido de por vezes criar um trajecto com a personagem - uma queda vertical, uma travessia linear – e providenciar uma navigabilidade simples. De certa forma, equivale ao abuso de objectos pontiagudos que as personagens do cinema 3D parecem ser obrigadas a manusear.


Thunderpaw,In the Ashes of Fire Mountain. Jen Lee. Esta autora tem um estilo que recordará toda uma produção clássica e contemporânea de personagens zoomórficas e altamente estilizadas, que compreenderá Richard Scarry e séries como Adventure Time ou Regular Show. Desconhecemos se preencherá todos os requisitos para se inscrever na subcultura furry, mas talvez sim, ainda que em Thunderpaw se explorem mais uma ficção de contornos fantasiosos do que o mais típico slice of life (inclusive sexual) daquela categoria. Apelar para a animação faz todo o sentido neste projecto em particular, uma vez que algumas partes (títulos, alguns balões de fala, vinhetas em particular, efeitos de cenário) são precisamente animados, usualmente através de dois desenhos apenas alternados, ou mesmo apenas um pormenor da personagem, mas havendo casos de maior número, e alguns provocando efeitos de rapidez, outros de lentidão (são todos gifs, cuja tecnologia é fácil de dominar e usar). Essa “limitação” é propositada - tal como a paleta de cores extremamente restringida -, e empregue de maneira cuidada. A estratégia de leitura é também a do scroll down, se bem que haja alguns desvios, como a leitura horizontal de uma cena, ou o fundo alterado numa outra, para tirar partido melodramático dessas escolhas.

A inclusão da animação leva a ritmos particularmente conflituosos. A banda desenhada é uma arte que, à partida, não tem uma cronologia de leitura/fruição certa, dependendo do leitor a velocidade com que se atravessa a história. A animação, por seu lado, tem uma velocidade predeterminada (suspendamos as questões relativas às tecnologias videográfica e derivadas, que permitem manipular os filmes) que o espectador não tem outro remédio senão seguir. Nestes casos de mistura, temos um encontro quase imprudente dessas duas velocidades. A visão periférica é contaminada sempre na leitura de uma prancha (ou outra estrutura) de banda desenhada: quando estamos a ler uma vinheta, o olhar está influenciado pelas vinhetas anteriores e as posteriores, assim como pela unidade visível em geral, precisamente aquela relação que Thierry Groensteen chama de hypercadre. O que é importante, pois Thunderpaw explora as questões de composição de página típicas das pranchas de banda desenhada, não obstante o formato e o suporte material. Quando esse campo periférico é constituído por vinhetas animadas, a interferência é mais significativa, e as que se movem quase aumentam a urgência em ler as não-animadas. No entanto, a escolha distributiva dessas técnicas não é de todo displicente da parte de Jen Lee, uma vez que existem trechos, como o que mostramos, que não apresentam qualquer animação, quando o seu “conteúdo” parece pedir por ela. Desta forma, garante-se a responsabilidade de construção da parte do leitor.


A história é, em todos os sentidos, fantástica, não somente por ter como personagens principais rapazinhos zoomórficos, mas antes por os lançar no que parece à primeira vista ser um mundo pós-apocalíptico com referências a um mundo imaginário na cabeça do mais novo, Ollie. Cada episódio, que se apresenta como uma página mais ou menos alongada, termina quase sempre num momento de tensão, e até à data dois capítulos estão produzidos, sem ideia ainda de que tipo de intriga ainda poderá assumir. Estamos perante uma daquelas obras imensas de mangá (minus o ritmo de produção/exposição) em que as primeiras dezenas de páginas servem mais para criar um ambiente do que dar respostas sobre a diegese. Nada é ainda certo nesta saga, mas apercebemo-nos pelo menos de que se trata de uma. A suivre

Curtas de mistério. Horang. Como se sabe, a Coreia do Sul tem uma indústria cultural em pleno crescimento e diversificação interna a todos os níveis – cinema, k-pop, animação, banda desenhada. Abstermo-nos-emos sobre se esses trabalhos têm ou não qualidades idênticas às de outros pólos de produção, como o Japão, uma vez que muitas das vezes a nossa percepção é desde logo afectada por hábitos e expectativas.

Estamos aqui a traduzir “Mystery danpyon”, sendo esta última palavra aquilo que se empregaria numa curta-metragem. Tratam-se de pequenos contos, todos baseados em relatos reais (quer dizer, os relatos são reais, os acontecimentos que eles relatam já levantam dúvidas), e transformados em tiras verticais por vários autores, sendo aqueles que nos interessam – por estarem em inglês e parecerem os mais acabados – os do artista que assina como Horang.

Estas histórias são simples e lineares, mesmo no que diz respeito às suas técnicas visuais e de estruturação. Mesmo assim, tiram partido de pequenas possibilidades técnicas - movimento rápido da passagem das imagens e som, sobretudo – para criar efeitos espectaculares e altamente precisos para os resultados, de uma maneira óbvia, desejados.

Bol. Vincent Giard. Brevíssima anedota, nada teria de particularmente memorável se não fossem os efeitos visuais que provocam num número-chave de vinhetas. Eis uma forma muito curiosa e também simples de tirar partido, contido mas inteligente, das possibilidades das ferramentas e plataformas digitais. Estamos aqui perante um caso quase de arqueologia tecnológica, à la “cinema das atracções”, em que os efeitos descobertos da técnica são espoletadores suficientes de ideias rápidas e exequíveis para uma curta história. Toda ela se ancora nesses efeitos, o que não tem nada de criticável e é um passo necessário a imaginar desenvolvimentos mais abrangentes e transversais sobre todos os factores de uma banda desenhada.

Problem Sleuth. Andrew Hussie. Este trabalho tira partido de todas aquelas estratégias narrativas de livros-jogos que lançavam alternativas de direcções e soluções, mas desmontando essa lógica, em primeiro lugar por não oferecer alternativa nenhuma, e em segundo por troçar de todas essas estratégias de modo derisório. Em termos gráficos, estamos perante aquelas abordagens rudes à Matt Feazel (mas não tão desenvolvido!), que funcionam precisamente como captando os elementos mínimos para criarem as ideias necessárias mas sem um aparente esforço em prestar contas de estilo ou uma mínima qualidade. Em termos narrativos, todos os clichés do hard-boiled são visitados, e depois os de inúmeros outros géneros, e misturados com elementos absurdos, para melhor serem atropelados. O avanço não é nada senão linear, e por vezes leva ao desespero de não se desenvolver em nenhuma direcção particular, mas isso imita igualmente o tipo e entrega a que alguns jogos obrigam. E demora um tempo imenso, que também pode ser fonte de humor. Aconselhamos vivamente que se “grave” a leitura, e se a cumpra aos poucos [ver ainda nota nos comentários].


Muitos outros mecanismos poderiam ser discutidos e debatidos, nesta abordagem extremamente superficial e parcial. Um autor de que gostamos muito, Patrick Farley, não tem mais a sua melhor banda desenhada online, “Delta Thrives”, mas tem outros trabalhos disponíveis. Se incluíssemos os motion comics, abrir-se-ia uma torrente de coisas, que incluiria até mesmo a publicidade, como a “graphic novel” de um Peugeot híbrido (é incrível como o termo é empregue para algo tão delgado em conteúdo, uma espécie de sequência de acção da Scarlett Dream ou algo assim). A navegabilidade e o uso do ecrã podem ser empregues de maneiras curiosas, como no caso de "Pup Ponders the Heath Death ofthe Universe" de Drew Weing, ou os vários trabalhos de Emily Carroll, mas nestes casos é pouco mais do que isso. Na verdade, os “problemas” levantados por essas bandas desenhadas têm a ver com disposição e a passagem para os formatos mais estandardizados de papel levantariam apenas questões de adaptação, e de certa forma o mesmo ocorre quando nas antologias de tiras de jornal, ou nas formas como certos títulos foram adaptados de um formato para outro (de álbum para livro de bolso, de zine para livro, etc.). No caso de algumas das histórias de Carroll, por exemplo, coloca-se ainda a hipótese da escolha de direcção (não tanto a construção de labirintos hipertextuais), mas é apenas mais um factor, isto é, tem a ver com acumulação de factores a adaptar, não de alteração profunda do paradigma de leitura e exposição. Já no caso de (apenas uma das histórias de) de “Subnormality”, de Winston Rowntree, o que se apresenta é igualmente passível de experimentação de formato, mas os ecrãs de computador também oferecem resistência a uma legibilidade “natural” ou lisa. É possível que conforme os browsers diferentes e tamanhos de ecrãs se consigam melhores ou piores resultados, mas se determinada plataforma apenas tem uma acessibilidade limitada a determinados factores, então temos um problema de comunicabilidade, e estaremos talvez afastados de um campo mais aberto, passando a falar-se de algo específico a um meio (como nos casos dos jogos que pertencem a uma plataforma e não a outra).

Voltamos ao problema do início: responder de uma forma é muitas vezes uma maneira de impedir fazer outras perguntas mais pertinentes. Serve este post, portanto, de mera questão propedêutica.
P.S. Agradecimentos a Rui Rafael, pelo incrível tour e insistência, e à comix scholars list, onde muitos destas matérias e informações foram sempre discutidas, apresentadas, partilhadas etc.

1 comentário:

Pedro Moura disse...

Num email recebido do mesmo Rui Rafael que nos apresentou muitos destes projectos, a seguinte correcção: "Algo que não chegou a mencionar, apesar de talvez não ser muito relevante, é que toda a ideia por detrás do MsPaint Adventures é contar uma história cujo seguimento é decidido por utilizadores no Fórum, como uma espécie de jogo interactivo (como disse, daqueles jogos bem antigos de texto; claro que foi feita uma compilação com as melhores respostas). Problem Sleuth é o mais famoso, concluído pelo menos, que começou com uma brincadeira parva, eventualmente transformando-se numa "história". Creio que ele usava as respostas mais engraçadas e criativas, antes dele próprio criar algumas próprias para orientar a narrativa. Em todo o caso, foi um trabalho colectivo.
"Isto acabou por influenciar mais gente a fazer do mesmo: abrir um fórum, desenhar, e deixar os utilizadores decidir, dentro do que o autor permite, o futuro da personagem. Creio haver bastantes até, mas não apanho todos senão os que me saltam em cima, tal como o mais recente do próprio Andrew Hussie, Homestuck, que por acaso nunca continuei, mas é certamente viral. Brinca mais com o mundo da Internet, eu creio."
É muito relevante, por isso fica aqui numa nota.
PM