Claramente a autora tem algum interesse por questões de biologia. Quer dizer, nada é muito explícito, e não seriam apenas as contínuas representações - vasculhe-se o seu site- de mulheres com três olhos, mescla de Lobsang Rampa e alienígenas “clássicos”, mas o facto dela mostrar estas criaturas a suar, chorar, sangrar, babar-se, corar, inchar, etc., criando imagens a um só tempo fascinantes e belas (ou de uma forma intrigante, como quem observa meio às escondidas pornografia “desviante” ou coisas piores) e repulsivas (o que não deixa de ser redundante). Em suma, Albert cria mulheres – são quase sempre figuras femininas – que induzem a um frenesim do olhar. As suas opções de figuração, cor, composição e até materialidades, apenas vêem sublinhar essa velocidade e impressão.
Na continuidade da constelação que estamos a querer construir, Albert faz confluir na sua obra toda uma série de referências a um só tempo detectáveis na sua individualidade e perfeitamente vazadas no pano inconsútil que essas imagens criam. Vemos ficção científica e fantasia, e até terror, por um lado, mas há uma sombra de mangá, também, e de ilustração de moda (profissionalmente, Albert cria tecidos).
O próprio tratamento gráfico, em que o corpo da rapariga-fantasma parece flutuar sobre o do homem, cria uma dimensão espectral mas que instala a ambivalência entre o maravilhoso – estes eventos acontecem mesmo na diegese – e o fantástico – são apenas uma projecção do protagonista, mas nós mimamos a sua perspectiva. Se nalguns casos a impressão a amarelo torna nítida a escolha de que camada existencial representa, noutros casos essa ambivalência mantém-se, sublinhando antes as dúvidas ou incertezas, mais do que garantir uma decisão sobre a “história”. A forma como divide as vinhetas, com apenas uma finíssima linha da mesma espessura que as figuras, e a distribuição fluida das cores contrastando com a representação rectilínea dos azulejos ou da colcha, cria uma série contrastiva de texturas que dá uma certa “espessura” ao seu trabalho, e que se reflecte nas possibilidades narrativas.
A criação destas várias camadas – ao nível da representação: o corpo, a água; também ao nível da narratologia: os espaços determinados, os tempos distintos; e até da materialidade do texto, o papel, das tintas, as cores distintas e as manchas mescladas – levar-nos-ia a dizer que é Albert a artista que mais perto constrói algo equivalente às imagens-cristal que Deleuze discutira na área do cinema. Imagens onde o virtual e o actual se entrosam mutuamente, onde o passado e o presente co-existem, onde um estado anterior interage com o presente. Se poderíamos tecer uma comparação com aquelas composições mais clássicas de Gianni De Luca ou outros, nesses outros casos estaríamos perante experiências subsumidas a um programa narrativo relativamente normativo, em que se incute uma dada dinâmica e liberdade do espaço, sem dúvida, mas não se coloca em crise de uma forma radical as relações temporais e causais do que é representado. Ora, em Lala Albert, porém, não é isso o que se passa. Há mesmo uma criação que dá espaço à ambiguidade, ao perigo dessas distinções serem demolidas, e portanto colocarem em causa a própria condição de possibilidade das categorias do tempo e espaço. Nas palavras de Deleuze, parafraseadas, é como se a autora fosse capaz de uma representação externa de uma imagem do pensamento. E, de facto, tal como fantasma pairando sobre o corpo que assombra, ou as águas desenhando uma pátina sobre o corpo da mergulhadora, a leitura das suas obras mais “narrativas” criam menos um relato de eventos claros do que uma impressão imediata que se funde ao nosso pensamento.

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