9 de dezembro de 2006

Un Ciel Radieux. Jiro Taniguchi (Casterman)


A proximidade da figura de Taniguchi e de Boilet vai dando frutos em termos editoriais, já que se nota por este título a rapidez com que um trabalho tão recente do autor japonês encontra a sua edição francesa. Mas isso não significa que o autor de O Homem que Caminha e da enorme e bela adaptação da saga literária Au Temps de Botchan mantenha sempre o mesmo nível das expectativas criadas por essoutras narrativas. Un Ciel Radieux parte de um expediente relativamente comum na ficção do fantástico no Japão: duas pessoas à beira da morte, e em que a alma de uma ocupa o corpo da outra (o mesmo se verificou num filme intitulado Segredo, de 2000, realizado por Takita Yojiro, em que a alma da mãe ocupa o corpo da filha). Nesta história em particular, essas pessoas são o jovem Takuya Onodera e o pai de família Kazuhiro Kubota, morrendo o corpo deste último no hospital depois de um acidente rodoviário entre os dois. Todavia, a alma ou o espírito de Kubota sobrevive durante algum tempo, comandando mesmo, no corpo de Onodera. Ao princípio, emerge o facto como uma terrível troca, mas quando a consciência do jovem Takuya começa a despertar “lá atrás”, sem grande controlo do corpo, as coisas começam a ganhar outros contornos, de desespero, de entendimento da fugacidade do tempo, das “verdadeiras coisas importantes” e um punhado de outros chavões um bocadinho delicodoces, mas não falsos, da existência humana.
Disse, acima, tratar-se do “fantástico”. Verbalmente, pela introdução e conclusão presentes na narração do próprio Takuya, tudo parece apontar a esse género literário, onde a dúvida dos acontecimentos se mantém suspensa precisamente para criar um ambiente mais forte em termos das pequenas pistas deixadas ao longo da narrativa. No entanto, como se entenderá pela diegese e pela representação, não é dado espaço ao leitor “duvidar” dessa situação: sabemos de modo inequívoco que essa situação (a alma de um homem no corpo de outro) se verifica, não há espaço para dúvidas. Logo, estamos no género do maravilhoso. Essa pequena confusão parece apenas uma questiúncula teórica, mas não é de somenos importância para nos apercebermos do algo deslocado tom de Un Ciel Radieux. Depois, todos os enredos deste tipo são sempre falhados nas suas interioridades, especialmente quando é necessário que as personagens exteriores se inteiram da verdade dessa situação incrível... o autor pretende apresentar crescendos de entendimento até chegar a uma comovedora cena em que a viúva de Kubota entende estar a falar com marido morto através do corpo do jovem; mas esse crescendo não seria necessário se o marido tivesse indicado uma informação qualquer que lhes pertencesse aos dois (e não seria necessário algo de dramático ou explosivo, indicar uma marca favorita de detergente ou lembrar ter perdido o passe social em Março seria tão eficaz como outra coisa qualquer...).
Depois, se no caso do filme citado se lançava uma conturbada rede de dúvidas em torno do incesto filial, aqui o tom positivo de “esperança no futuro” é por demais sentido para que se construa algo de surpreendente ou eficaz em termos humanos. É uma papa feita. Para além disso, se o estilo pouco expressivo e hirto das figuras de Taniguchi serve para as contemplações amenas de um flâneur japonês ou até para tragédias de escala doméstica, não se conduz bem num enredo tão melodramático. Esperemos outro Taniguchi. Posted by Picasa

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