Os problemas inerentes a esta publicação são os mesmos que stiveram presentes na antologia que imediatamente espelha esta, Corée 12, a que haviam estado presentes também em Chine. Regards Croisés. Os primeiros dizem respeito ao trabalho editorial, o qual, cingindo-se àquele grupo de autores coreanos que têm já uma relação com a editora, não apresentam uma imagem variada e forte da cena contemporânea da banda desenhada coreana, em franca expansão em tempos recentes, quer em termos de produção nacional quer em termos da sua exportação internacional. Também no que diz respeito aos autores franceses há uma procura relativamente limitada por autores capazes de uma resposta satisfatória, rápida e que não apagasse em demasia os jovens autores do país convidado. Mas se em Japon 17 tinhamos ombros a ombros nomes comos de Sfar e Igarashi, Matsumoto e Guibert, Neaud e Hanawa (e todos com histórias que não apenas cumpriam a sua função – dar conta de uma “visita” ao outro país – como expandiam o valor dos próprios autores), aqui temos toda uma série de nomes de segunda linha em várias das suas dimensões. Em suma, todo o perfil geral é já de si relativamente apagado, aumentando a sensação de termos em mãos um projecto que se têm de terminar por razões de marketing e política, mais do que pela subjacente vontade de se expressarem.
De facto, se tivermos em conta apenas as histórias dos autores sul-coreanos, ficaremos com uma imagem muito pobre das suas capacidades: duas histórias (as de Suk, Jung-Hyung e de Kim, Soo-Yong) são praticamente idênticas, colocando frente-a-frente dois campos contrários (representando de forma pouco subtil o olhar ocidental e o oriental) para depois se chegar a um empate ou onde ambos ganham (o prémio da amizade). E se num caso se tratam de dois artistas desenhando-se mutuamente em Montmartre (mais oui!), noutro são dois grupos de B-boys na plataforma de metro a “batalhar”. Kim, Dong-Hwa, cuja trilogia Histoire Couleur Terre (nesta mesma colecção Écritures) se reveste de algum valor em termos de construção histórica da Coreia, de emoção e construção de personagens que sobrevivem, apresenta aqui uma pequeníssima fantasia em torno da pintura Angelus de Millet, que acaba por se tornar uma fraca realização de sonho. Oh, Se-Yong e Lee, Hyeon-Sook mostram-se fascinados com a cultura francesa ou com as associações que ela permite, o primeiro ligando o prazer de tontura do tabaco à visão de Van Gogh, e a segunda com uma fantasia adolescente que mistura as séries históricas dedicadas ao reino de Chosun, na Coreia, e as tramas novelescas da corte francesa em Versailles antes da Revolução Francesa (via Sofia Coppola, claro está). E Doha apresenta uma história curta, não desprovida de estratégias interessantes em termos de ritmo e não-ditos, mas o seu estilo infantil e a homenagem a Hergé fazem demolir a possibilidade que haveria de tornar essa história na primeira pessoa numa experiência transmissível, e acaba por ser mais outra fantasia banal. Ou seja, nenhum deles acaba por realmente demonstrar uma forma de mergulharem de um modo pessoal na cultura a que foram convidados... mas acabam por somente criar pequenas fantasias.
Quanto aos franceses, são apenas quatro. Gabrielle Piquet elabora uma história em torno de um caso de pedofilia, o que não se percebe se é para alimentar a continuidade de uma certa ideia feita se é de facto para criar um espaço de diferenciação do tema – viagem, encontro de culturas, “alguns dias em França”, etc.; Max de Radiguès conta-nos um pequeno episódio de umas férias de Verão, para que se crie as condições de uma nada subtil ideia sobre o preconceito, as diferenças nacionais e as circunstâncias que as podem ultrapassar.
As únicas excepções a esta colheita são Bastien Vivès e Anne Simon, que são precisamente aqueles que têm alguma experiência em fazer contribuir pequenos relatos para antologias mantendo, a uma só vez, as suas próprias vozes criativas e uma capacidade de responder ao desafio específico no “cumprimento do programa”. Apesar de também se inscrever no domínio da fantasia, eventualmente um sonho acordado ou uma projecção mínima, Vivès constrói uma brevíssima e lacónica história de amor interrompido (muito próximo do tipo de humor e surpreendentes desvios das histórias na Ferraille Illustré). Quanto a Simon, e sem querer reduzir a autora a uma autora de banda desenhada feminina por eleger temas “femininos” ou “feministas”, a verdade é que cria o seu relato dedicado a uma mulher negra sul-africana cujo corpo foi preservado no Museu de História Natural, e que era conhecida como a “Vénus Hotentote”. Apesar de se basear numa obra académica, o facto de ter escolhido esta mulher, devolver-lhe o nome, tecer a sua história, colocá-la numa rede de relações, quer as exploratórias quer as de amizade, Anne Simon não procura somente criticar os fundamentos racistas, misóginos e até perversos (sigo uma lista da autora) que pautaram os passos da “primeira antropologia”, como pôr em questão o modo como a identidade francesa (e europeia) foi construía sobre mitos de progresso, cientificidade, e superioridade, e, enfim, como fazer também um gesto de devolver a dignidade a essa mulher.
Em “alguns dias em França” vê-se pouco, mas esperar-se-ia ver-se fundo. O programa prometia, o projecto mune-se dos melhores instrumentos e condições, mas os seus frutos são um tanto ou quanto desequilibrados face às expectativas desse diálogo.
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