
26 de setembro de 2012
BD ao Forte: dois workshops

Publicada por
Pedro Moura
à(s)
6:46 da tarde
3
comentários
Etiquetas: Academia, Ensino, Experimental
24 de setembro de 2012
Curso de História da Ilustração na Oficina do Cego
Serve o presente post para informar que estão abertas as inscrições para um curso de História da Ilustração, que terá lugar na Oficina do Cego entre os finais de Novembro e se prolonga até Janeiro, e que será dado por este vosso criado.
Este curso de longa duração pretende servir de introdução ao conhecimento da ilustração, quer de um ponto de vista histórico quer de um ponto de vista ontológico. Para além das questões de origem, serão identificados os vários campos e tipos de ilustração, aprofundando-se o estudo histórico de algumas dessas áreas.
Começando na pré-história e na questão da emergência das imagens, abordar-se-ão as várias tecnologias centrais do desenvolvimento da ilustração: o advento da escrita, o aparecimento e desenvolvimento do livro (do rolo ao codex), a emergência do "esquema", o advento da imprensa, e as tecnologias mais recentes. Serão abordadas ainda questões de distribuição e papéis sociais das várias formas de ilustração. Em relação às áreas, falar-se-á das áreas mais divulgadas da ilustração infantil e da literária (quais os pontos de convergência e quais as distinções), mas também da ilustração de imprensa e a editorial, o cartoon e a caricatura, a infografia, a ilustração científica, de moda, e outras.
Para mais informações, consultem aqui.
Imagem: uma das duplas páginas do Göttigen Musterbuch [fols. 3v-4r; ca. meados do xéc. XV], mostrando como fazer desenhar e pintar folhas de acanto para as ilustrações da época.
Publicada por
Pedro Moura
à(s)
4:02 da tarde
0
comentários
Etiquetas: Ensino, Ilustração
20 de setembro de 2012
Como as cerejas. Portugal/Bologna 2012. AAVV (INCM)
Esta publicação é tão-simplesmente o catálogo que acompanhou a exposição de ilustradores que esteve patente na Feira do Livro Infantil de Bolonha (possivelmente o mais importante certame da Europa, sobretudo em termos editoriais, comerciais, isto é, onde se fecham negócios e se lançam ou multiplicam tendências editoriais), por ocasião da presença de Portugal enquanto país convidado. No entanto, na sua existência autónoma, ele torna-se igualmente, como as publicações afectas ao Ilustração Portuguesa ou ao Ilustrarte, ou gestos congéneres internacionais, próxima de um balanço e de um directório desta área artística - não o sendo, porém -, ainda que numa categoria exclusiva (o livro infantil), no Portugal contemporâneo. A responsabilidade de comissariado esteve a cargo de Ju Godinho e Eduardo Filipe, cujo trabalho é reconhecido e consolidado nesta mesma área. Esta é portanto, uma confirmação da importância e valor dos gestos continuados desta dupla. E as repercussões da exposição poderiam certamente significar uma nova sinalização dos nossos criadores no mapa geral de referências internacionais, do qual estamos usualmente arredados. Perguntamo-nos se essa “missão” é cumprida, no entanto. (Mais)
Publicada por
Pedro Moura
à(s)
11:40 da manhã
0
comentários
Etiquetas: Antologias, Exposições, Ilustração, Infantil, Portugal
17 de setembro de 2012
Projections. Jared Gardner (Stanford University Press)
Publicada por
Pedro Moura
à(s)
11:36 da manhã
0
comentários
14 de setembro de 2012
Tarefas Infinitas. Exposição/Catálogo (F. C. Gulbenkian).
Não será surpreendente que, apesar de este ser um espaço que quase exclusivamente se dedica à leitura crítica e analítica da banda desenhada (e, por vezes, da ilustração e da animação), e que de quando em vez incursa por territórios contíguos – do desenho às artes do livro, das teias que associam o gesto do escritor ao do desenhador, ou as formas como a ilustração traduz ou diz, mais do que complementa -, encontre na exposição Tarefas Infinitas. Quando a arte e o livro se ilimitam (patente no Museu Gulbenkian entre 20 de Julho a 21 de Outubro deste ano, sendo uma co-organização do Museu com a Biblioteca de Arte) um momento de aprendizagem, reflexão e inflexão de muitas das questões que sempre atravessam as nossas abordagens. A exposição é comissariada por Paulo Pires do Vale, filósofo, investigador e dedicado a muitas das linhas de força que encontram nesta exposição a sua presença mais moldada: o livro, a arte, a tarefa a que ambos obrigam o pensamento, o espaço social que os comporta, as disciplinas que complicam. Para além do próprio gesto curatorial e a exposição em si, temos acesso a algumas das desdobragens das ideias nos textos do catálogo-companheiro, objecto belo em termos gerais, ainda que visualmente repetindo com precisão, sem grandes rupturas ou desvios produtivos, a exposição. As considerações que se seguem não são sistemáticas, mas nascem de uma resposta à disposição dos objectos, dos livros, e aos textos. E, sobretudo, à forma que tudo isso fabrica: a forma com que ficamos após a visita à exposição, o manuseamento dos livros disponibilizados na Biblioteca, a leitura dos textos do catálogo. (Mais)
Publicada por
Pedro Moura
à(s)
2:50 da tarde
2
comentários
Etiquetas: Exposições, Territórios contíguos
Fun Home. Alison Bechdel (Contraponto)
A banda desenhada não é, de forma alguma, um todo, uma mole constituída pelo número máximo de objectos, textos, obras, cujos elementos constitutivos, por sua vez, seriam totalmente coincidentes. Ainda que seja possível encontrar marcas ou delimitações comuns - que permitem, para começo de conversa, o emprego desse termo composto, “banda desenhada” - existe um particular desenvolvimento histórico, pejado de circunstancialismos, que lança também uma complexíssima rede de diferenciações. Ao longo dessa mesma história será possível encontrar textos que, por uma ou outra razão, são irmanáveis, e houve casos de autores e/ou obras que conseguiram, com os seus instrumentos usuais, tocar as raias da existência humana. Mas não a esmagadora maioria, fechada antes nas mais imediatas preocupações do entretenimento.
É de facto apenas num momento tardio do século XX que alguns artistas de banda desenhada iniciaram um caminho que se afastaria da produção de genéricas aventuras de heróis, inflectindo precisamente na representação da vivência particular do indivíduo. E se podemos encontrar nas experiências de Harvey Pekar e de Robert Crumb uma rebeldia em relação à produção existente do seu tempo através das diatribes ou explorações do si sozinho, já outros autores norte-americanos, de Art Spiegelman a Alison Bechdel, Fabrice Neaud ou Emmanuel Guibert, cada qual do seu modo, partem dessa solidão para atingir as ramificações que estabelecem com o outro, tornado “familiar”.
Esta última palavra deverá ser compreendida num sentido de alguém que nos é conhecido, nos é íntimo. Mesmo que na autobiografia em banda desenhada se encontrem vários graus de relação com os “objectos” dos textos, como nos casos de Emmanuel Guibert, Étienne Davodeau ou Dominique Goblet, usualmente voga-se na proximidade das unidades familiares, em Edmond Baudoin, em David B., em Alison Bechdel. E, como já aventámos antes, a leitura de Fun Home merece ser autónoma, mas ao mesmo tempo coordenada, desde já, ou pelo menos com conhecimento, do novo dedicado à mãe, o que tempera a secundarização dela neste volume agora traduzido para português. O excelente artigo de José Mário Silva, no Expresso, aponta precisamente esse aspecto, mas oculta, de certa forma, os desenvolvimentos para além do livro.
Permitam-nos uma generalização, uma espécie de dicotomia tonta e perigosa, mas que pode ser vir de ponto de partida para um debate ou uma discussão. Uma forma de entendermos, de uma maneira muito geral (generalista, simplória, redutora), a banda desenhada de memórias norte-americana por um lado, e a europeia, esmagadoramente francófona, por outro.

Não queremos, como é de esperar, insistir numa qualquer hierarquia entre trabalhos, para mais sem qualquer análise e simplesmente partindo das circunstância de línguas ou de nacionalidades. É uma hipótese de trabalho. Bechdel poderá eventualmente ser comparada com muitos outros autores pela sua matéria narrativa e estratégias temáticas, com Spiegelman, claro, mas igualmente com Justin Green ou Chester Brown, Debbie Drechsler ou Aline Kominsky, com Craig Thompson ou Marjane Satrapi. Mas nós cremos que Bechdel abdica de todas as estratégias auto-fictivas, delicodoces, fantasistas, projectivas, resolúveis, humoradas, de muitos desses autores, e enfrenta de uma forma mais decidida a sua própria psique e a sua relação com os membros familiares (no caso de Fun Home, é o pai a figura eleita). Isto não quer dizer que não haja estratégias de pequenos desvios ficcionais e fantasiosos, que o livro seja desprovido de humor, que não haja momentos em que se projecta um desejo de resolução - a magnífica cena final, que re-aproxima e sublinha a capacidade de toque entre pai e filha, que faz emergir o toque do pai morto à filha ainda viva.
Acima de tudo, Fun Home pode ser visto como um programa previsto em toda e qualquer autobiografia: a da construção da própria identidade. Este livro é tanto sobre o pai e a sua relação com Alison como a construção dela mesma por ela mesma. Mais, este livro faz parte ainda dessa construção.
Estando ainda a preparar uma apresentação para as Conferência de Banda Desenhada em Portugal precisamente sobre a obra de Bechdel, sobre o uso de cenas de sonhos e de fotografias na matéria dos seus livros, fica esta breve nota, sobre essa outra dimensão da subjectividade na superfície do texto a ler. Todavia, o livro desdobra-se em dimensões de sentido. A atenção que Bechdel dá ao modo como tece as várias linhas de vozes (descritivos, legendas de narração, diálogos, citações de livros), a construção das páginas, tanto aparentemente simples e despreocupadas como extremamente significativas nas suas tensões figurativas e de composição, a sua obsessão arquivística (segundo um estudo de Ann Cvetkovich), a levíssima camada “nevoenta” das aguarelas e o importante design do livro (infelizmente, uma das dimensões em franca perda na edição portuguesa: serão as razões económicas porém compreensíveis? É uma justificação, mas deve ser entendida também como uma franca “perda de texto”). Fun Home é um elegante edifício, cujos elementos devem ser degustados com parcimónia e atenção, numa segunda ou terceira leituras.
Nota: agradecimentos à editora, pelo envio do livro.
Publicada por
Pedro Moura
à(s)
1:29 da tarde
0
comentários
Etiquetas: Autobiografia, EUA
12 de setembro de 2012
King City. Brandon Graham (Image)



Outra das estratégias narrativas (que Graham explora igualmente noutros seus trabalhos) são as inúmeras referências a aventuras passadas que expandem o enquadramento ficcional deste mundo (algo que é cumprido por muitos outros gestos autorais, senão todos, de modos sempre diversos, mas que ganham aqui um peso substancial no imaginário).

Aliás, a Image, com títulos tais como Saga ou The Bulletproof Coffin, têm contribuído para essa tendência. É como se se tratasse de um regresso às suas origens enquanto gesto de autonomia económica, que foi precisamente o que levou vários artistas da Marvel a fundar a Image, mas onde uma nova geração fosse mais criativa, original e com um sentido de pundonor nas suas criações, em vez de tombar em narrativas genéricas e pouco inteligentes, onde a imagem (claro!) tinha mais importância – mas uma imagem desligada de um dinamismo mais apropriado à banda desenhada, e antes próximo ao iconicismo estático da ilustração, do pin-up, da commission. Se se seguir Prophet, que discutimos adiante, também escrito por Graham, vemos uma explicitação muito clara de como esta nova geração emprega os materiais deixados pelos fundadores da Image, e se tornam “seus” e “mais pessoais”.


Muitos dos aspectos figurativos e estilísticos de Graham recordam autores como Taiyo Matsumoto, Jamie Hewlett, Jim Mahfood ou Paul Pope, com os quais as afinidades são evidentes. Se bem que seja verdade que as “fontes” explícitas pelo autor apontem antes a Moebius e Otomo (ou outras referências europeias e japonesas que vão surgindo ao longo das páginas), há com esses outros autores, sobretudo norte-americanos - e pensamos em Mahfood em particular - a mesma partilha de estratégias visuais e escolhas temáticas. O mesmo tipo de cool, por exemplo, e o foco particular numa certa forma de estar urbana, atenta quer a modas de vestuário quer a culturas musicais (tantas vezes umas intimamente relacionadas com as

Apesar de termos falado de uma missão central, é curioso notar como a personagem acaba por rondar o evento principal, e com ele, os leitores. Essa acção continua a desenrolar-se, mas nós estaremos mais próximos do que Joe tem para fazer. Isso não pode deixar de ser entendido como uma pequena subversão da economia usual deste tipo de aventuras, que não a nega totalmente, mas procura seguir um caminho ligeiramente diferente. Tudo isso contribui para o prazer inegável na leitura deste livro.


[Nota: imagens da web]
Publicada por
Pedro Moura
à(s)
10:55 da manhã
0
comentários
Etiquetas: EUA, Mainstream
Prophet. Brandon Graham et al. (Image)
Se se reduzirem os elementos desta(s) história(s) a palavras-descritores, encontraremos, de certa maneira, uma repetição do que está previsto em King City: o regresso de um herói a um local de onde estava afastado, um futuro distante na Terra, a subversão de uma missão, mistura entre tecnologia e magia, metástases ficcionais a partir de narrativas cristalizadas, etc.
Num hipotético, remoto e pouco familiar futuro, John Prophet acorda. Apesar de ser sempre complicado lançar mão a elementos culturais ou físicos que sejam tão estranhos que não encontrem qualquer tipo de reflexo ou analogia nos humanos, Graham faz com que o seu protagonista surja num momento tão futuro sobre a terra que quase não há sinais da civilização humana. Esta expandiu-se através do universo mas depois se apagou, deixando apenas destroços de tecnologias, paradoxalmente, futuras - para nós - e arcaicas - para o presente da narrativa -, e todos os seus habitantes – várias espécies alienígenas, quer inteligentes quer de “animais”. A missão que John Prophet tem é conseguir reactivar as redes de comunicação, que permitam por sua vez “acordar o Império Terra”.
Mas tal como a personagem original atravessava vários momentos na História da Humanidade, também esta se fragmenta a si mesma. John é uma espécie de clone ou equipamento repetido e espalhado nesse universo, e paulatinamente seguiremos as pisadas de vários “Johns Prophets”. A série é constituída por vários “arcos”, alguns dos quais totalmente desligados uns dos outros, e histórias paralelas.

Essa estrutura remete mais uma vez, como dissemos a propósito de King City, a práticas editoriais de outras plataformas. Recordam-nos aquelas histórias curtas, concisas e por isso mais reverberantes, ainda que obscuras, que se liam em revistas tais como a Métal Hurlant, a Heavy Metal, a 2000AD, a Mundo de Aventuras, ao longo das décadas de 1970 e 1980. Precisamente um quadro de referências importantes para Graham.
Haverá, seguramente, muitos outros trabalhos com os quais poderíamos fazer comparações, em quase todos os momentos e palcos em que se produziu banda desenhada de ficção científica (e literatura, e cinema, e teatro). Não seria totalmente disparatado encontrar ora ecos ora afinidades com P. Christin e J.-Cl. Mézières, Bryan Talbot, Carla Speed McNeill, Matt Howarth, Ricardo Delgado (Hieroglyph) e a clássica Alien Legion no sentido de tentar criar - com menor ou maior sucesso - culturas complexas e verdadeiramente outras, em vez se simples projecções das culturas terrenas actuais num contexto científico-ficcional.

De tom bem diverso de King City, mais soturno, não deixa porém de ter uma leveza muito salutar.
[Nota: imagens todas da web]
Publicada por
Pedro Moura
à(s)
10:20 da manhã
5
comentários
Etiquetas: EUA, Mainstream
10 de setembro de 2012
Monologues for Calculating the Density of Black Holes. Anders Nielsen (Fantagraphics)
As figuras esquálidas, aparentemente desenhadas ou mesmo rabiscadas a esferográfica, não precisam de ser mais moldadas do que são para surgirem como sinal ou marca de presença das vozes que depois se articulam. Como as obras anteriores – com a excepção talvez da narrativa mais nítida (e estaremos a exagerar) que atravessou o centro de Big Questions – de Nielsen, o que temos aqui são sketches, pequenas cenas que tanto poderemos ler como isoladas e auto-suficientes como pedaços que se articulam entre si. Quer num caso quer no outro, porém, os sentidos são tão banais e corriqueiros como profundos, e por isso sempre elusivos. Imaginamos mesmo que estamos perante uma espécie de notação para impromptus teatrais (corroborado por o autor empregar a palavra “acto”), a partir dos quais uma troupe de actores poderia lançar-se à sua própria pesquisa de como transmitir o mesmo tipo de paradoxal “passional apatia” destas personagens. Em algumas passagens, vemos a súbita presença de uma sombra, um outro corpo, como se fossem a ideia de algo de que depois se desistiu, ou, para continuarmos a transposição metafórica teatral, como se fosse um outro actor que se enganasse no momento da entrada ou que procurasse estes efeitos de estranheza precisamente por não cumprir um programa de causalidade, naturalidade, narrativa.

Quem são estas personagens? Sofredoras de mitomania, até ao ponto de acreditarem serem seres divinos? Vítima patéticas de um sistema social incomensurável, que nos obriga a provar a nossa própria identidade através de uma série de documentos e actos registrados? Personagens criadas pelo autor lançadas em situações que depois de atravessarem todo o deserto do desespero se tornam caricatas? Os rostos riscados ou as personagens que negam permanentemente a sua identidade, ou a não controlam ou possuem, os erros de comunicação, a alteração física que por vezes ocorre a várias personagens ao longo das suas histórias, etc., tudo isso contribui para essa ideia.


Publicada por
Pedro Moura
à(s)
10:35 da manhã
0
comentários
Etiquetas: EUA
7 de setembro de 2012
Sobrevida. Carlos Pinheiro e Nuno Sousa (Imprensa Canalha)
Uma descrição formal e quase exaustiva de cada “metade” deste livro a dois providenciar-nos-á com os elementos necessários a uma sua leitura interpretativa. A parte que se apresenta em primeiro lugar intitula-se “A noite” e é assinada por Carlos Pinheiro. São 23 páginas com três ou duas vinhetas rectangulares, ainda que de contornos irregulares, de formato e tamanho idênticos, com a excepção da primeira, maior, e que parece ser um breve establishing shot. Todas as vinhetas são desenhadas a linha preta, a esferográfica (Pilot 0.4, precisa o autor), num trabalho intenso e paciente de tramas para criar sombras, texturas e vários planos. As vinhetas como que “flutuam” na página, mas sobre uma vaga estrutura ortogonal, e quando as pranchas apenas se compõem de duas vinhetas, o espaço que estaria reservado à terceira está ocupado por uma breve linha de texto, com uma caligrafia segura e clara. Estas frases são sucintas e nunca estão pontuadas, com a excepção da última (“fim.”). Curiosamente, estão todas na primeira pessoa do plural, sem qualquer procura de individualidade, quer textual quer visualmente, uma vez que vemos um grupo de nove pessoas, de homens e mulheres, sem nunca haver uma individuação repetida ou suficiente para identificarmos um (ou uma) protagonista destacado. Diegeticamente, desenrola-se aqui uma estranha ou leve fantasia, em torno de um grupo de comensais envolvidos em pequenos jogos após o jantar, alguns dos quais revestindo-se de contornos de violência urbana: virar contentores de lixo, partir montras à pedrada, atear fogueiras nas ruas, ocupar praças e as suas estátuas.


No espaço intervalar que estas duas partes criam no objecto-livro, há uma distância suficientemente alargada para que a reflexão surja. Uma possível temática comum é a angústia social em que se habita hoje em dia no nosso país. Sendo os autores do Porto, e assinalando-o textualmente no fim do livro, quase a jeito de assinatura, perguntamo-nos até que ponto será relevante essa informação para a leitura e fruição de Sobrevida? (reconhecemos a Praça D. João I, em frente ao Rivoli, mas possivelmente já atravessamos as paisagens curtas da parte de Sousa). As paisagens urbanas que vemos nesta obra não são totalmente reconhecíveis, podendo confundir-se com as paragens urbanas ou suburbanas de várias cidades, mas haverá uma atenção particular para uma moral em vigor na cidade do Porto? Seria possível ler este livro à luz, não apenas dos gestos anteriores destes autores (por moto próprio, no Senhorio, ou através de projectos de camaradas, pela Mula), mas também do projecto transversal do Buraco? Haverá aqui um entrosamento de preocupações políticas, de uma luta através da aflição, do desespero, da espera entediante de uma resolução que sabemos ou tardar obscenamente ou que jamais virá, e as preocupações criativas recorrentes dos autores? Poderemos ler este livro tormentoso como um gesto de resistência a esse nível? Até que ponto pode Sobrevida ser lido como ficção, como estranho retrato da actualidade ou como acto poético? E porque não algo que amalgamasse esses três feixes de sentido?
Não deixando de encontrar aqui alguns dos princípios que sempre pautaram as preocupações do trabalho de ambos os autores – quase sempre buscando um diálogo com o mundo social das artes plásticas, buscando como que apontamentos de instalações e performances de maneira a integrarem pequenas ficções onde vários géneros são facilmente reconhecíveis, como o humor (Pinheiro) ou uma estranha ficção científica (Sousa) -, ao mesmo tempo sentimos uma qualquer inflexão ou mudança, para um território mais intimista, mais emocional, que arreda parte do humor anteriormente presente. Se a “parte” de Nuno Sousa poderá dar indícios, se não de autobiografia (pois não há quaisquer dados que possa corroborar essa hipótese, não sendo suficiente a primeira pessoa do narrador), pelo menos de um maior grau de realismo, e até mesmo de realismo social, a de Carlos Pinheiro preenche essa afectividade de uma maneira mais disseminada, não apenas por se tratar de um grupo orgânico mas também pelas emoções serem variadas, como se fossem experimentando várias paixões, da apatia à raiva, até descobrirem qual a mais adequada às suas pessoas (ou mesmo pessoa colectiva, reforçando sempre essa ideia de conjunto).


Queixas de um utente
Pago os meus impostos, separo
o lixo, já não vejo televisão
há cinco meses, todos os dias
rezo pelo menos duas horas
com um livro nos joelhos,
nunca falho uma visita à família,
utilizo sempre os transportes
públicos, raramente me esqueço
de deixar água fresca no prato
do gato, tento ser correcto
com os meus vizinhos e não cuspo
na sombra dos outros.
Já não me lembro se o médico
me disse ser esta receita a indicada
para salvar o mundo ou apenas
ser feliz. Seja como for,
não estou a ver resultado nenhum.
Nota final: agradecimentos ao editor, pela oferta do livro, e aos autores, por algumas informações e as imagens.
Publicada por
Pedro Moura
à(s)
2:01 da tarde
1 comentários
Etiquetas: Portugal
5 de setembro de 2012
The Twelve. J. Michael Straczynski e Chris Weston (Marvel)

Até por estar associado a Straczynski, The Twelve não pode deixar de ser lido em comparação com outra “série” de 2009, Red Circle. Tal como The Twelve, cada um dos títulos centra-se numa das personagens “ressuscitadas” - a saber, The Web, The Hangman, Inferno e The Shield - mas neste caso a estrutura é menos concentrada. Todas estas segundas personagens eram ou são marcas registadas da Archie Comics, uma companhia fundada nos fins de 1939 (conhecida sobretudo pela sua personagem Archie, e todo o seu universo de suburbana americana, vincado depois nas décadas de 1950 e 60 graças ao novo ímpeto visual trazido por Dan DeCarlo, e pela razão de explorar temas assegurados por outras frentes da cultura popular de então, acima de tudo veiculados pela televisão). A Red Circle era uma linha dessa companhia que produziu super-heróis, nas décadas de 1970 e 80, mas nada de grande monta ou interesse, igualmente. Esta segunda série de Straczynski seria uma forma da DC permitir integrar no seu “universo” (a tal rede ficcional que permite fazer cruzamentos entre as personagens-marcas registadas que possui) estas personagens, para as quais adquiriram direitos de exploração, tal como ocorre em First Wave de B. Azzarello et al. (DC Comics) ou o recentíssimo Mystery Men de D. Liss et al. (da Marvel). Todavia, é de notar como o projecto Red Circle acabaria num outro limbo editorial e judicial.

É assim que Mystery Men e The Twelve podem ser lidos. E reparem-se nos factores. As máscaras estão lá, as capacidades físicas, místicas ou fantásticas estão lá, e até os modos de transformação, desde a vingança ao amuleto. Todavia, o fundo temático e profissional é ainda herdeiro de outras paragens: o detective e o homem forte (recordemo-nos de que quer Super-homem quer Batman começaram as suas aventuras em revistas precisamente com essas referências, Action Comics e Detective Comics), mas também, certas classes profissionais quase encontram aqui representadas: o aviador, o médico, o arqueólogo, o prestidigitador de vaudeville. Estilística e narrativamente, porém, Mystery Men é bem mais pobre, para não dizer medíocre, do que The Twelve, ainda que se encaixando na perfeição do actual “housestyle” da Marvel, sobretudo pelo denominador comum das cores “oleosas e sombrias”, para repetir uma expressão de Christopher Dony que já havíamos citado noutra ocasião. Esta série ainda teve a reedição de dois comic books que coleccionavam histórias originais com todas as personagens, para que o leitor contemporâneo pudesse rever, ou mais provavelmente descobrir, essa mesma matéria (uma felicidade são as histórias de Rockman, desenhada pelo magnificente Basil Wolverton, outra as do Fiery Mask por Joe Simon), de forma análoga ao que se passou com Batman: The Black Casebook, quando da série de Morrison, Batman: R.I.P. & etc. São formas materiais e comerciais, então, de implicar toda essa tal recuperação e integração.
Uma das possíveis linhas de análise desta saga, portanto, é a de entender até que medida algumas das figuras “arqueológicas” dos super-heróis – os tais homens fortes e os “mystery men” dos pulp, os swashbuckler da literatura e do cinema, as criaturas da ficção científica – conseguem re-integrar-se nesse contexto e com eles se relacionar. Repetem-se mesmo toda uma série de fórmulas narrativas já tipificadas deste género, precisamente para entender como funcionaria uma sua versão (como discutimos a propósito de Batman, e como Straczynski explorou em Bullet Points).
A diferença entre toda a tipologia de personagens que acabaram por ser integradas no universo Marvel é mesmo matéria de discussão das histórias (sobretudo no spin-off Spearhead, escrito pelo próprio Weston). Temos os homens-mistério, que não têm propriamente poderes, mas utilizam qualquer tipo de uniforme distintivo e colorido, afectos aos pulps, os soldados (como os Howling Commandos de Fury) e os super-heróis, desde os mais famosos – porque “sobreviventes” ao longo da história da Atlas-Timely-Marvel – aos mais obscuros.
Seja como for, reitera-se assim aquela noção introduzida no início de que estes gestos significam tão-somente uma estratégia das companhias voltarem a lançar no mercado as suas marcas registadas. Pô-las a render. Começa-se com um autor relativamente interessante, capaz de lançar uma personagem numa qualquer premissa nova ou num ambiente contemporâneo cultivável, e espera-se que se possa espremer até ao fim. Por vezes, esse fim é rápido, independentemente das razões que levaram até ele: compromissos dos autores, falta de interesse dos investidores, vendas baixas, alteração de direcção comercial. Foi o que aconteceu ao newuniverse, de Ellis et. al, e é o que ocorre agora com Before Watchmen.
Straczynski, obviamente, tal como Bendis ou Brubaker em alguns dos seus trabalhos, é um autor que está preocupado em moldar o mais complexa e densamente possível as suas personagens, abrindo espaço a largos monólogos, momentos de intimidade quer solitário quer em companhia, e que revelam as partes mais dolorosas possíveis dessas mesmas pessoas: memórias, arrependimentos, enganos, paixões, preconceitos, desentendimentos, incompreensões e todas as dívidas e pecados que os tornem pesados perante as suas vidas (como o fez, a nosso ver perfeitamente, em Supreme Power). Pelo contrário, alguns outros autores (por exemplo, Mark Waid em Irredeemable e Incorruptible) procuram antes estabelecer a história através da acção, da intriga, o mais rápida e dinamicamente possível. Todos estes autores trabalham sobre um ponto de partida fundado por muitos autores na história dos super-heróis (“o que se passaria se eles existissem mesmo no nosso mundo?”), que pode ser encontrado até mesmo nas suas origens, mas que foi encontrando, a cada momento, novas inflexões mais ou menos interessantes (com Mark Gruenwald, ou a série New Universe da Marvel, por exemplo), mas com grande destaque para Alan Moore, cuja obra foi extremamente influente em termos de estilo e amplitude (sobretudo Miracleman, Swamp Thing e Watchmen). Todos estes títulos trabalham no seguimento desse novo território, mas há aqui uma curiosa inversão de expectativas. As séries de Waid e o Project Superpowers, da equipa da Dynamite, são projectos pessoais, nos quais haveria toda a liberdade para fazerem o que bem entendessem, sem preocupações de “manchar” as personagens-marca registadas e, por isso, de perigar o seu sucesso comercial; Straczynski, por seu lado, em ambos os projectos, tem uma missão que é re-introduzir e re-valorizar aquelas personagens para que possam ser novamente exploradas comercialmente. Porém, os primeiros acabam por construir sobre ideias feitas, pequenos nódulos de acção mais ou menos expectáveis, e sem grandes rasgos de criação ou fundação de novos temas a partir dos velhos. São projectos sofrivelmente comerciais, sem outras dimensões. O segundo, ainda que não procure reinventar a roda, cada


A figuração sombria, bulbosa e austera de Chris Weston encontra-se aqui quase sempre co-adjuvada por um dos seus melhores arte-finalistas, Garry Leach (artista de mérito próprio). Poderíamos dizer que a estruturação das páginas é convencional, ou clássica nos seus desvios, mas uma segunda leitura revela que esses usos, ainda que normalizados, servem bem o propósito de cada passo, tal como as cores, usadas de modo ora dramático ora semioticamente realçado. Diga-se de passagem que a primeira metade da série é mais coesa que a segunda, em que algumas fases parecem recorrer a soluções simplistas e até de uma qualquer imitação (há um trecho no volume 7 que parece ter sido desenhado por John Ridgway, e não Weston, por exemplo).
Como não podia deixar de ser, The Twelve tem momentos em que integra a memória da banda desenhada dela mesma No número 5, dá-se um acontecimento que parece ser uma versão condensada (mas esvaziada do impacto psicológico e histórico) de The Master Race, uma famosa banda desenhada curta de A. Feldstein e B. Kriegstein. Claro que, estando no Universo Marvel e falando-se de personagens que atravessam, com suspensão criogénica ou não, dos anos 1940 até à actualidade, há oportunidades para revisitar ou mencionar muitos dos famosos episódios da Casa da Ideias. Contudo, e repetindo uma ideia anterior, parte do prazer da leitura destes títulos está mais na nossa própria acção de cerzir através dos pormenores a história presente a todas as anteriores do que à circunferência somente do texto em si…
Publicada por
Pedro Moura
à(s)
10:42 da manhã
1 comentários
Etiquetas: EUA, Mainstream
3 de setembro de 2012
Homunculus. Hideo Yamamoto (várias edições)


O jovem médico, quando revela no terceiro volume o significado das estranhas visões de Nakoshi através da noção e teoria do homúnculo (ancorada uma parte em ciência real, para tornar plausível a parte da fantasia), dá o mote principal dessas mesmas visões fantásticas, que são connosco partilhadas. É que as formas fantásticas não são tanto o “verdadeiro eu” das pessoas, mas sim uma equação que combina a maneira como elas se vêem a si próprios e os filtros do visionário, apontando a uma inter-relação, uma interpenetração das pessoas. A memória dos eventos que desencadearam essa forma é portanto vista como uma “prática social material, mais do que uma faculdade mental, e a qual é inerente a processos inter-mentais, mais do que intra-mentais”, para citar uma descrição afecta à investigadora Constantina Papoulias. Uma feixe que mistura memória, afecto, discursividade, representação e interrelacionamento está envolvido, portanto, nesta série. A qual se tornará muito significativa no particular contexto histórico, geográfico e cultural japonês, que terá seguramente diferenças das do mundo ocidental, ou do nosso português em particular, mas que não teremos nem os conhecimentos nem os instrumentos para analisar. “As distorções dos homúnculos são minhas distorções”, diz Nakoshi (vol. 7). Uma grande parte do interesse desta trama está na tensão que existe nas descobertas que ambos fazem juntos (ainda que nem tudo seja partilhado honestamente), acrescido do “mistério” sobre a identidade de Nakoshi, a qual vamos descobrindo também aos poucos. É evidente que essa economia só é permitida pela própria condição de produção da banda desenhada japonesa, que permite que se explorem com mais parcimónia e vagar as micro-acções e reacções morais das personagens, ao invés de se ver obrigado a saltar de acção em acção, como ocorre nos projectos do mainstream ocidental. Exemplo maior nesta série, talvez, será o volume 5, totalmente dedicado ao diálogo e relação que se estabelece entre Nakoshi e uma jovem adolescente.

A discussão no volume oito com Ito, antes da segunda intervenção cirúrgica, por exemplo, cria sequências magistrais desse movimento para trás e para diante entre as percepções “normais” e as “visões”, levando a um complexo, intenso e hipnótico ballet. São momentos como este que trazem alguma disrupção a certas ferramentas de análise da banda desenhada que se pretendem universais. Se as transições entre vinhetas, de acordo com as lições de McCloud, são de momento-a-momento ou de acção-a-acção, isso não será suficiente para descrever as travessias de significado presentes nessa cena. Isso tem implicações também a nível narratológico, que se vai complicando. Se o facto de ser-nos tornado possível observar também o que Nakoshi vê, mas somente nesses momentos, e sempre na “proximidade” dessa personagem, a narrativa leva-nos a imaginar um narrador (ou meganarrador, englobando o visual) que se mescla com a percepção do protagonista. Mas no volume 10 é-nos dada a possibilidade de acompanhar as memórias embaralhadas de Ito e do seu pai, para nos ser revelado o segredo “do peixinho da infância” (esta referência, asseguramos, é claríssima na sua leitura), aumentando o grau de omnisciência. Yamamoto tira partido, portanto, dos vários regimes possíveis, conforme isso o ajuda a tornar a intriga mais impactante a nível não só da informação, digamos em termos policiais, como a nível emocional. Se há uma complexa inter-relação emocional entre as duas personagens, uma espécie de ping-pong constituído por curiosidades e desconfianças mútuas, um instável jogo entre o que cada um revela ao outro de si mesmo, esse brusco movimento quebra-lhes a distância, fazendo mostrar as possibilidades (mas até ao fecho da série pode haver mudanças dramáticas) da interdependência. A qual, diga-se de passagem, é a estrutura basilar da narrativa, como havíamos já apontado. Em termos de agência, não se pode considerar Nakoshi ou Ito, individualmente, como os facilitadores das acções, ambos precisam um do outro.
Nalguns momentos, as visões – sendo sempre necessário recordarmo-nos que as transformações fantásticas são fruto apenas da perspectiva de Nakoshi, não pertencendo à “realidade” da diegese, e por isso mesmo constituindo matéria do fantástico tal como descrito por Todorov – acabam por ganhar uma proeminência assustadora, recordando o terror biológico de um Junji Ito ou de um Shintaro Kago (mas sem cair na abjecção e no asco),ou de Charles Burns ou Al Columbia (sem o desespero).

Uma das grandes linhas de força interessantes deste livro é que, apesar da sua dimensão fantástica, é ao mesmo tempo um olhar atento à sociedade japonesa. Aliás, a talvez até esse olhar se torne mais significativo precisamente por não se reduzir a uma abordagem realista, mas um gesto de contornos de pesquisa psicológica através do fantástico que vemos raramente empregue (como por exemplo em Zil Zelub, de Buzelli). A mera presença de sem-abrigos, dos vários tipos de prostituição ou actividades próximas da prostituição entre adolescentes, das cirurgias plásticas e a importância que isso revela naquela sociedade (e até associando-se aos modelos figurativos clássicos da mangá, de certa forma, mostrando aí, e noutros momentos breves, uma capacidade de metalinguística), as questões do desprezo que existe entre as classes sociais, são alguns dos elementos que demonstram a atenção social de Yamamoto.
Pela dimensão fantástica, pela ciência-limite, pela densidade psicológica, pelo jogo tenso entre as duas personagens, pela intriga, pela espelho semi-distorcido que pode dizer algo de nós, Homunculus é uma obra capital da cena da banda desenhada japonesa contemporânea.
Nota final: falámos de edições várias, uma vez que lemos sobretudo parte da edição brasileira (Panini Comics) e francesa (Tonkam), mas ainda alguns dos volumes numa edição pirata em scanlation – o que só em si merece toda uma atenção especial enquanto fenómeno entre a demanda comercial e o trabalho dos fãs - da edição original (Big Spirit Comics) em língua inglesa. Agradecimentos a José Marmeleira, pelo empréstimo do primeiro volume.
Publicada por
Pedro Moura
à(s)
10:28 da manhã
0
comentários
Etiquetas: Japão