27 de janeiro de 2015

6 livros académicos sobre mangá e animé, por Ana Matilde Sousa.

Nota inicial: até há recente período, o Lerbd procurava ter alguma capacidade de ir dando conta da bibliografia académica especializada. Jamais sem a veleidade de ser completa, claro está, até pela impossibilidade de aceder a todos os livros publicados, conhecer as línguas ou mesmo compreender o alcance de alguns dos projectos, integrando-os e contextualizando-os correctamente nas suas áreas. Todavia, havia uma possibilidade de ir lendo um volume ou outro, com cuidado, rigor a atenção, por vezes providenciando uma entrevista que permitisse uma maior aproximação. Mas o ritmo de publicação, sobretudo em língua inglesa e francesa, na área cada vez mais consolidada dos Estudos de Banda Desenhada tem conhecido acelerações progressivas, tornando essa tarefa impossível de realizar com segurança, muito menos de modo individual. 

Querendo, ainda assim, contribuir para uma divulgação em Portugal, dessa linha de trabalhos, damos início hoje a uma série de posts em que daremos contas de alguns títulos, mas com uma abordagem bem diferente da usual, mais concentrada.

Mas a de hoje, alargada e rigorosa, passa por um convite estendido, e aceite, à investigadora e artista Ana Matilde Sousa, que se encontra a terminar o seu doutoramento, com um projecto em torno da banda desenhada e a cultura popular japonesas sob ângulos críticos propostos pela arte contemporânea. O que se segue são notas de leitura de uma série de seis livros sobre banda desenhada e animação, mas não só, japonesas, cada qual com o seu foco e disciplina. Agradecemos à autora não apenas ter aceite o convite mas também por ter providenciado um nível de qualidade imerecido deste espaço. Agradecimentos também às respectivas editoras, pela oferta dos livros. (Mais)

Dani CavallaroCLAMP in Context: A Critical Study of the Manga and Anime. Jefferson, Carolina do Norte: McFarland (2012).
Deborah Shamoon. Passionate Friendships: The Aesthetics of Girls’ Culture in Japan. Honolulu: University of Hawaii Press  (2012).
Natsu Onoda Power. God of Comics: Osamu Tezuka and the Creation of Post-War II Manga. University Press of Mississippi. Jackson, Mississípi: University Press of Mississippi (2009).
Jennifer Prough. Straight From the Heart: Gender, Intimacy, and the Cultural Production of Shōjo Manga. Honolulu: University of Hawaii Press (2010).
Marc Steinberg. Anime’s Media Mix: Franchising Toys and Characters in Japan. Minneapolis: University of Minnesota Press (2012).
Masao Yokota e Tze-yue G. Hu, eds. Japanese Animation: East Asian Perspectives. Jackson, Mississípi: University Press of Mississippi (2014).

O presente texto passa em revista seis livros académicos, publicados entre 2009 e 2014, que apesar da amplitude temática se inserem na crescente família dos Manga and Anime Studies (investigação dedicada à banda desenhada e animação japonesas). Dentro desta, abordam assuntos tão diversos como a história, estética e indústria do shōjo manga (Passionate Friendships e Straight From the Heart), monografias sobre autores incontornáveis da banda desenhada japonesa como o colectivo CLAMP e Osamu Tezuka (CLAMP in Context e God of Comics), e perspectivas diversas sobre os contextos e as estratégias do anime enquanto meio (Anime’s Media Mix e Japanese Animation). Apesar de maioritariamente dirigidos a investigadores dentro da área da banda desenhada e animação, os seus temas e linguagem poderão torná-los atraentes para um público mais geral interessado na evolução e ramificações da cultura popular japonesa do século XX e XXI.


Straight From the Heart (2010, University of Hawaii Press), de Jennifer Prough, e Passionate Friendships (2012, University of Hawaii Press), de Deborah Shamoon, são dois estudos académicos que contribuem para a investigação, não só do shōjo manga (banda desenhada para raparigas) no sentido mais estrito, como da chamada girls’ culture (cultura feminina) japonesa em geral, incluindo da (gigantesca, intensiva) indústria cultural que a orbita. Ambas as obras são metodologicamente robustas – combinação de trabalho de campo antropológico, pesquisa etnográfica e análise de conteúdos – e entusiasmantes no seu argumento, oferecendo perspectivas oportunas e complementares sobre a shōjo bunka (“cultura das raparigas”). Como quaisquer estudos neste campo, as questões de género estão em primeiro plano: como é que as imagens da “adolescência feminina” se construíram e continuam a construir, negociar e disseminar na esfera da imprensa para raparigas no Japão.


Passionate Friendships: The Aesthetics of Girls’ Culture in Japan (2012) é um clássico instantâneo do eternamente emergente campo dos Girl Studies, oferecendo uma visão transversal e transtemporal da shōjo bunka, nas suas continuidades e descontinuidades, abarcando discursos paralelos que concorrem para a sua criação. Tomando como objecto de estudo revistas e banda desenhada para raparigas, Deborah Shamoon traça uma genealogia da shōjo (“jovem rapariga”) como conceito persistente e central na modernidade japonesa. Desde o emergir da school girl na Era Meiji, passando pelo Takarazuka Revue e as revistas para raparigas no pré-guerra, até à revolução nos anos 70 do chamado Grupo do Ano 24, Passionate Friendships investiga a estética narrativa e visual destas publicações, situando-as no contexto mais amplo da constituição de uma comunidade de leitoras adolescentes.

A autora identifica dois discursos fundamentais e paralelos: por um lado, o discurso sobre a shōjo fabricado por e dirigido aos homens adultos – a shōjo enquanto ameaça, objecto de atracção e repulsa – e, por outro, o discurso sobre a shōjo dentro da própria “cultura de raparigas” – assente nas chamadas “relações S” e no amor espiritual, ou ren’ai (traduzindo-se em ligações arrebatadas entre raparigas, nas revistas do pré-guerra, e entre rapazes, no manga do pós-guerra). Evitando leituras políticas maniqueístas (que polarizem um ou outro discurso como só normativo-opressivo ou só subversivo-libertador) a autora desconstrói uma complexa teia afectiva entre produtores, mediadores e consumidores (incluindo a importância que as comunidades de fãs assumem imediatamente a partir dos anos 30) reunida em torno das revistas e banda desenhada. Pelo meio, rebate a ideia, ainda em circulação, de que o Osamu Tezuka inventou o shōjo manga com Ribbon no kishi (Princess Knight, na tradução inglesa), estabelecendo uma ascendência alternativa que liga artistas do pré-guerra (Kashō Takabatake nos anos 20, Junichi Nakahara nos anos 30), a Makoto Takahashi nos anos 50, ao Grupo do Ano 24 nos anos 70.

No capítulo “The Revolution in 1970s Shōjo Manga”, Passionate Friendships toma The Heart of Thomas (1974), de Moto Hagio, e The Rose of Versailles (1972-73), de Riyoko Ikeda, como casos de estudo paradigmáticos da “Idade Dourada do shōjo manga”, debruçando-se sobre os conteúdos e inovações na gramática do shōjo manga nos anos 70. Kaze to ki no uta (“The Poem of The Wind and the Trees”), de Keiko Takemiya, é mencionado de passagem juntamente com Tooma no shinzou, mas fica-se com vontade de ver mais das breves comparações que Shamoon traça entre estas duas magna opera do shōjo manga – ou, mesmo, de outras obras influentes, mas negligenciadas, como From Eroica with Love. Porém, a ausência mais sonante é Mari Mori, autora da trilogia de novelas que precedeu o Grupo do Ano 24 na fundação do shounen ai enquanto género (Koibito tachi no mori, Nichiyoubi ni boku wa ikanai e Kareha no nedoko, escritas entre 1961 e 1962). A falta de menção a Mori é tanto mais estranha tendo em conta que o mesmo não acontece a propósito da literatura para raparigas no pré-guerra, em que refere e analisa a escritora Nobuko Yoshiya.

Straight From the Heart: Gender, Intimacy, and the Cultural Production of Shōjo Manga estabelece com Passionate Friendships inúmeros paralelos, já que em ambos se abordam a shōjo bunka como, por um lado, uma comunidade homossocial fechada e protegida dos adultos e, por outro, um espaço (pelo menos em parte) regulado e explorado comercialmente por homens. Contudo, o foco de Straight From the Heart é o passado recente – assente no trabalho de campo realizado pela autora Jennifer Prough entre 2002-2003 e 2007 –, oferecendo-nos um vislumbre original do modus operandis da indústria do shōjo manga e explorando as suas construções afectivas em relação com os mecanismos de produção, distribuição e consumo.

Convém salvaguardar que, apesar do título apontar para âmbito mais alargado, Prough centra-se exclusivamente na facção mais “ortodoxa” da indústria do shōjo manga: a banda desenhada para raparigas distribuída comercialmente pelas grandes editoras (Kodansha, Shogakukan, Shueisha e Hakusensha), no seu conteúdo mais generalista e mainstream. A opção é mais do que justificada (uma vez que este espaço estava, até ao momento, virtualmente em branco nas publicações ocidentais); apesar disso, constituiu um limite ao estudo, deixando de fora tanto o circuito dos doujinshi (o manga amador ou auto-publicado) como o subgénero do boys’ love (ambos mais presentes na literatura de língua inglesa).

Não obstante, Prough conduz uma análise etnográfica detalhada e cativante do shōjo manga enquanto indústria cultural, investigando como as “relações humanas” (ningen kankei) entre consumidores (as raparigas adolescentes), produtores (as autoras) e mediadores (editores das revistas de banda desenhada) se manifestam em diversos palcos: o local de trabalho, as revistas e a banda desenhada em si. Esta natureza polifónica, colocando na arena as vozes dos diferentes intervenientes e participantes, é uma das maiores forças de Straight From the Heart, oferecendo perspectivas e narrativas diversas em torno de uma fantasmática pergunta: o que querem as raparigas? – que, como a autora demonstra, se traduz verdadeiramente num balanço delicado entre “o que as raparigas querem”, “o que as raparigas deviam querer”, e “o que vende”.

Adicionalmente, Straight From the Heart examina toda uma cultura material e imaterial que circunda a banda desenhada em si. Por exemplo, Prough debruça-se sobre os conteúdos “extra” nas revistas de shōjo manga (suplementos, serviços de encomenda por correio, prémios de sondagem, páginas dos leitores e o sistema da Escola de Manga), examinando-os como estratégias que fidelizam públicos, incentivam a participação e asseguram a renovação de autores. Noutro capítulo, destaca a estrutura corporativa da indústria do shōjo manga, investigando as relações (de poder, de género, geracionais) entre os directores de edição e autoras no seio das editoras. E ainda dedica uma leitura ao manga Gals! de Mihona Fujii, em relação com a subcultura kogal e o pânico moral do enjo-kōsai (“compensated dating”). A escolha – sendo tudo menos óbvia (é uma banda desenhada mediana e relativamente desconhecida do público ocidental) – produz uma discussão interessante sobre as representações da sexualidade feminina num status quo do shōjo manga que, simultaneamente, reflecte, assimila e enforma as ansiedades que sempre permeiam construções sociais da “rapariga adolescente”.


Tal como Straight From the Heart e Passionate Friendships contribuem para preencher lacunas visíveis na produção académica ocidental sobre a cultura popular japonesa, também Clamp in Context: A Crititcal Study of the Manga and Anime (2012, McFarland), de Dani Cavallaro, se aventura num território que há muito devia estar preenchido: um estudo abrangente sobre o colectivo de criadoras de manga CLAMP, que têm consistentemente produzido ao longo das últimas duas décadas um dos mais originais, ecléticos e aclamados corpus da banda desenhada japonesa. Neste sentido, CLAMP in Context é louvável e mais do que atempado; infelizmente, fica aquém do desejado, apresentando alguns problemas em termos metodológicos e formais.

Divido em quatro capítulos, presente-se uma certa falta de transparência tanto ao nível da escrita (por vezes barroca) como da metodologia. Entre outras coisas – como a ausência de uma introdução e conclusão informativas e clarificadoras, bem como de um índex completo –, o livro parece desequilibrado em termos do “tempo de antena” de cada série e tema. Por exemplo, várias páginas são dedicadas a Code Gueass (para o qual as CLAMP contribuíram apenas com o character design original), enquanto Legal Drug é apenas nomeado e Clover reduzido a uma página; ou a insistência de Cavallaro em filiar o colectivo num continuum histórica e espiritual japonês, negligenciando largamente outros temas importantes (por exemplo, ligados à sexualidade). CLAMP in Context não deixa, no entanto, de aflorar algumas ideias importantes: a polivalência programática do colectivo (quebrando barreiras demográficas e etárias, e abarcando diferentes géneros narrativos), em “Epic Reinventions”; a sua lendária construção de meta-universos, em “Transworld Migrations”; ou, em “Tecnologies of Subjectivity”, a construção da identidade humana como “resultado instável da intersecção entre a ciência, a fantasia e a política”. Contudo, a impressão geral é de alguma superficialidade na abordagem aos conceitos, deixando em aberto o espaço para uma obra mais aprofundada sobre estas autoras fundamentais.


Continuando neste colmatar de faltas, vale a pena dar nota de um acontecimento raro: o recente Japanese Animation: East Asian Perspectives (2014, University Press of Mississippi), uma antologia de ensaios de investigadores da Ásia Oriental sobre o tema da animação japonesa, editada por Masao Yokota e Tze-yue G. Hu. Apesar de, durante a última década, se ter assistido a um aumento exponencial da produção em língua inglesa no campo dos Manga and Anime Studies, a tradução de estudos académicos japoneses para línguas ocidentais ainda avança lentamente (encontram-se algumas felizes excepções na revista Mechademia, ou nas traduções de obras fundamentais como Otaku: Japan’s Database Animals de Hiroki Azuma, ou Beautiful Fighting Girl de Tamaki Saitō). Japanese Animation dá, pois, um contributo essencial neste departamento francamente sub-representado; e, mesmo notando-se que não foi pensado de raiz enquanto todo conexo, o mero facto de permitir aceder a estes textos constitui um notável serviço público.

O foco da antologia é a animação japonesa numa acepção geral, não limitada ao anime como o conhecemos hoje. Como tal, encontram-se textos com objectos tão diversificados como as animações japonesas da primeira metade do século XX (de autores como Noburō Ōfuj e Kenzō Masaoka), os filmes com marionetas de Kihachirō Kawamoto, clássicos do pós-guerra de Osamu Tezuka ou dos estúdios Ghibli e Toei e projectos mais contemporâneos que vão desde Doraemon e Innocence (sequela de Ghost in the Shell) a Death Note. Encontramos esta mesma abordagem holística na multiplicidade metodológica que atravessa as seis secções do livro, compilando num mesmo volume académicos e profissionais da animação e perspectivas históricas, pedagógicas, teóricas ou biográficas. Adicionalmente, Japanese Animation estabelece bases para a discussão dos contextos geográficos do anime, incluindo a polinização cruzada não só entre o Ocidente e o Oriente, como dentro da própria Ásia Oriental (e.g. a recepção do anime na Coreia do Sul e Hong Kong, ou a recepção de animações chinesas no Japão durante a guerra).



Ainda no território da animação, Anime’s Media Mix: Franchising Toys and Characters in Japan (2012, University of Minnesota Press), de Marc Steinberg, aborda, também ele, um tópico que, apesar da sua centralidade económica e cultural na indústria do manga e do anime, não está satisfatoriamente cartografado. Tal como o título indica, o foco é o conceito de “media mix” – equivalente japonês das expressões “transmedia” ou “cross-media” –, argumentando que o merchandising de personagens, assente numa estratégia de convergência entre diferentes meios (manga, jogos de vídeo, figuras, cartas, novelas, filmes live-action…), é uma característica centralíssima do “anime system”. De facto, a amplitude da “transmediação” de certos anime assume, não raras vezes, contornos de gesamtkunstwerk: é impossível não lembrar, por exemplo, a prodigiosa franchise multimédia e “obra de merchandise total” que é Neon Genesis Evangelion.

Por outro lado, em vez de se concentrar nos meios digitais com os quais o “transmedia” é frequentemente associado, Anime’s Media Mix traça uma genealogia desta convergência que remonta ao aparecimento da animação japonesa serial para televisão no pós-guerra, nomeadamente, com Tetsuwan Atomu (mais conhecido entre nós como “Astro Boy”). Segundo Steinberg, apesar dos antecedentes, Tetsuwan Atomu representa uma mudança de paradigma em que a imagem de um personagem se sobrepõe aos próprios conteúdos do produto a vender (e.g. a seminal campanha Meiji-Atomu, em que chocolates eram acompanhados de autocolantes com o popular personagem de Osamu Tezuka), um aspecto também examinado a propósito da editora Kadokawa Books.

Devido à centralidade e sofisticação do media mix no Japão, Anime’s Media Mix contribui não apenas para o campo dos Manga and Anime Studies, mas para uma compreensão mais abrangente e “glocal” das redes de convergência entre meios na mediasfera e cultura de consumo contemporânea. Balançando a investigação histórica detalhada com uma discussão teórica metódica e ampla (debatendo conceitos dos Media Studies que ultrapassam o contexto japonês mais estrito), Steinberg situa o media mix num âmbito de continuidades e transformações mediáticas e culturais, assente em eixos como a imobilidade da imagem, a mobilidade do kyara, a media-comodity, ou a relação personagem-mundos. É certo que, em alguns pontos, as relações conceptuais empregues poderiam beneficiar de maior clareza, ou que algumas pontas que poderiam adensar a discussão ficam, naturalmente, soltas (e.g. relativamente ao fan labor). Porém, no cômputo global, Anime’s Media Mix estabelece-se como uma obra de referência para a investigação no campo da história e ecologia do transmedia, dentro e fora do Japão.


Finalmente, o último livro que apresentamos é sobre uma figura incontornável (para o bem e para o mal) da cultura popular japonesa: Osamu Tezuka. Tezuka é um herói nacional japonês e um dos mais traduzidos, adorados e estudados autores clássicos da banda desenhada e animação japonesa – tantas vezes ao ponto da distorção histórica e do negligenciar de outros autores igualmente importantes e inovadores. Mais um estudo sobre o Tezuka não parece, portanto, uma prioridade no campo dos Manga and Anime Studies; e o título deste livro de Natsu Onoda Power, God of Comics: Osamu Tezuka and the Creation of Post-War II Manga (2009, University Press of Mississippi), é de todo em todo cringeworthy (foi parodiando esta divinização de Tezuka que o teórico crítico Gō Itō chamou Tezuka is Dead ao seu polémico livro de 2005). Pondo de parte problemas ideológicos, God of Comics é uma boa introdução à vida e obra (o manga e o anime) de Tezuka: abrangente, bem articulado, ancorado numa vasta bibliografia em língua japonesa mas dirigido de raiz ao público ocidental (uma dimensão quase “missionária” assumida pela autora).

Para além de situar a figura de Osamu Tezuka no contexto histórico e cultural de onde emergiu (com ênfase no Japão, minimizando influências externas), o quadro conceptual deste estudo assenta no conceito de intertextualidade, explorando as intersecções, citações, empréstimos e adaptações de que Tezuka fazia uso estratégico na sua obra (e.g. a influência da Takarazuka Revue em obras como Princess Knight). God of Comics é, assim, uma monografia com os seus momentos teóricos (sobretudo na discussão em torno das personagens de Tezuka que constituiriam um “star systemà la Hollywood, discutida no capítulo “Stars and Jokes”), cobrindo adequadamente o gigantesco corpus que é a obra de Tezuka – desde os blockbusters como Black Jack e Buddha a títulos menos conhecidos do público ocidental, como Monster of the 38th Parallel ou The Curtain Remains Blue Tonight. Não obstante a necessidade de exames igualmente detalhados sobre todo um panteão de mangaka tão meritórios como Osamu Tezuka, o estudo de Power não deixa de ser uma adição bem-vinda à literatura em língua inglesa sobre este gigante japonês.


No conjunto, os seis livros revistos demonstram bem a actual vitalidade dos Manga and Anime Studies, quer a nível temático, quer metodológico (visível na multidisciplinaridade das abordagens presentes nos vários livros). Apesar das variações de qualidade, todos respondem e procuram colmatar carências na literatura em língua inglesa dentro desta área de investigação, apresentando argumentos originais, entusiasmantes e diversos que contribuem, cada um à sua maneira, para o alargamento e aprofundamento do campo. Esperemos que assim continue, daqui para frente.

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