Nota inicial: até há recente período, o Lerbd procurava ter alguma capacidade de ir dando conta da bibliografia académica especializada. Jamais sem a veleidade de ser completa, claro está, até pela impossibilidade de aceder a todos os livros publicados, conhecer as línguas ou mesmo compreender o alcance de alguns dos projectos, integrando-os e contextualizando-os correctamente nas suas áreas. Todavia, havia uma possibilidade de ir lendo um volume ou outro, com cuidado, rigor a atenção, por vezes providenciando uma entrevista que permitisse uma maior aproximação. Mas o ritmo de publicação, sobretudo em língua inglesa e francesa, na área cada vez mais consolidada dos Estudos de Banda Desenhada tem conhecido acelerações progressivas, tornando essa tarefa impossível de realizar com segurança, muito menos de modo individual.
Querendo, ainda assim, contribuir para uma divulgação em Portugal, dessa linha de trabalhos, damos início hoje a uma série de posts em que daremos contas de alguns títulos, mas com uma abordagem bem diferente da usual, mais concentrada.
Mas a de hoje, alargada e rigorosa, passa por um convite estendido, e aceite, à investigadora e artista Ana Matilde Sousa, que se encontra a terminar o seu doutoramento, com um projecto em torno da banda desenhada e a cultura popular japonesas sob ângulos críticos propostos pela arte contemporânea. O que se segue são notas de leitura de uma série de seis livros sobre banda desenhada e animação, mas não só, japonesas, cada qual com o seu foco e disciplina. Agradecemos à autora não apenas ter aceite o convite mas também por ter providenciado um nível de qualidade imerecido deste espaço. Agradecimentos também às respectivas editoras, pela oferta dos livros. (Mais)
Dani Cavallaro. CLAMP
in Context: A Critical Study of the Manga and Anime.
Jefferson, Carolina do Norte: McFarland (2012).
Deborah
Shamoon. Passionate
Friendships: The Aesthetics of Girls’ Culture in Japan.
Honolulu: University of Hawaii Press (2012).
Natsu Onoda Power. God
of Comics: Osamu Tezuka and the Creation of Post-War II Manga.
University Press of Mississippi. Jackson, Mississípi: University
Press of Mississippi (2009).
Jennifer Prough.
Straight From the Heart: Gender, Intimacy, and the Cultural
Production of Shōjo Manga.
Honolulu: University of Hawaii Press (2010).
Marc Steinberg. Anime’s
Media Mix: Franchising Toys and Characters in Japan.
Minneapolis: University of Minnesota Press (2012).
Masao Yokota e Tze-yue G. Hu, eds. Japanese
Animation: East Asian Perspectives.
Jackson, Mississípi: University Press of Mississippi (2014).
O presente texto
passa em revista seis livros académicos, publicados entre 2009 e
2014, que apesar da amplitude temática se inserem na crescente
família dos Manga and Anime Studies (investigação dedicada à
banda desenhada e animação japonesas). Dentro desta, abordam
assuntos tão diversos como a história, estética e indústria do
shōjo
manga
(Passionate
Friendships
e Straight
From the Heart),
monografias sobre autores incontornáveis da banda desenhada japonesa
como o colectivo CLAMP e Osamu Tezuka (CLAMP
in Context e
God
of Comics),
e perspectivas diversas sobre os contextos e as estratégias do anime
enquanto
meio (Anime’s
Media Mix e
Japanese
Animation).
Apesar de maioritariamente dirigidos a investigadores dentro da área
da banda desenhada e animação, os seus temas e linguagem poderão
torná-los atraentes para um público mais geral interessado na
evolução e ramificações da cultura popular japonesa do século XX
e XXI.
Straight From the
Heart
(2010, University of Hawaii Press), de Jennifer Prough, e Passionate
Friendships
(2012, University of Hawaii Press), de Deborah Shamoon, são dois
estudos académicos que contribuem para a investigação, não só do
shōjo
manga
(banda desenhada para raparigas) no sentido mais estrito, como da
chamada girls’
culture
(cultura feminina) japonesa em geral, incluindo da (gigantesca,
intensiva) indústria cultural que a orbita. Ambas as obras são
metodologicamente robustas – combinação de trabalho de campo
antropológico, pesquisa etnográfica e análise de conteúdos – e
entusiasmantes no seu argumento, oferecendo perspectivas oportunas e
complementares sobre a shōjo
bunka
(“cultura das raparigas”). Como quaisquer estudos neste campo, as
questões de género estão em primeiro plano: como é que as imagens
da “adolescência feminina” se construíram e continuam a
construir, negociar e disseminar na esfera da imprensa para raparigas
no Japão.
Passionate
Friendships: The Aesthetics of Girls’ Culture in Japan
(2012) é um clássico instantâneo do eternamente emergente campo
dos Girl Studies, oferecendo uma visão transversal e transtemporal
da shōjo
bunka,
nas suas continuidades e descontinuidades, abarcando discursos
paralelos que concorrem para a sua criação. Tomando como objecto de
estudo revistas e banda desenhada para raparigas, Deborah Shamoon
traça uma genealogia da shōjo
(“jovem
rapariga”) como conceito persistente e central na modernidade
japonesa. Desde o emergir da school
girl
na Era Meiji, passando pelo Takarazuka
Revue e as revistas para raparigas no pré-guerra, até à revolução
nos anos 70 do chamado Grupo do Ano 24, Passionate
Friendships
investiga a estética narrativa e visual destas publicações,
situando-as no contexto mais amplo da constituição de uma
comunidade de leitoras adolescentes.
A autora identifica
dois discursos fundamentais e paralelos: por um lado, o discurso
sobre a shōjo
fabricado
por e dirigido aos homens adultos – a
shōjo
enquanto ameaça, objecto de atracção e repulsa – e, por outro, o
discurso sobre a shōjo
dentro
da própria “cultura de raparigas” – assente nas chamadas
“relações S” e
no
amor espiritual, ou ren’ai
(traduzindo-se em ligações arrebatadas entre raparigas, nas
revistas do pré-guerra, e entre rapazes, no manga do pós-guerra).
Evitando leituras políticas maniqueístas (que polarizem um ou outro
discurso como só normativo-opressivo ou só subversivo-libertador) a
autora desconstrói uma complexa teia afectiva entre produtores,
mediadores e consumidores (incluindo a importância que as
comunidades de fãs assumem imediatamente a partir dos anos 30)
reunida em torno das revistas e banda desenhada. Pelo meio, rebate a
ideia, ainda em circulação, de que o Osamu Tezuka inventou o shōjo
manga
com Ribbon
no kishi
(Princess
Knight,
na tradução inglesa), estabelecendo uma ascendência alternativa
que liga artistas do pré-guerra (Kashō Takabatake nos anos 20,
Junichi Nakahara nos anos 30), a Makoto Takahashi nos anos 50, ao
Grupo do Ano 24 nos anos 70.
No capítulo “The
Revolution in 1970s Shōjo Manga”, Passionate
Friendships
toma The
Heart of Thomas
(1974), de Moto Hagio, e The
Rose of Versailles
(1972-73), de Riyoko Ikeda, como casos de estudo paradigmáticos da
“Idade Dourada do shōjo
manga”,
debruçando-se sobre os conteúdos e inovações na gramática do
shōjo
manga
nos anos 70. Kaze
to ki no uta
(“The Poem of The Wind and the Trees”), de Keiko Takemiya, é
mencionado de passagem juntamente com Tooma
no shinzou,
mas fica-se com vontade de ver mais das breves comparações que
Shamoon traça entre estas duas magna
opera
do shōjo
manga
– ou, mesmo, de outras obras influentes, mas negligenciadas, como
From
Eroica with Love.
Porém, a ausência mais sonante é Mari Mori, autora da trilogia de
novelas que precedeu o Grupo do Ano 24 na fundação do shounen
ai
enquanto género (Koibito
tachi no mori,
Nichiyoubi
ni boku wa ikanai
e Kareha
no nedoko,
escritas entre 1961 e 1962). A falta de menção a Mori é tanto mais
estranha tendo em conta que o mesmo não acontece a propósito da
literatura para raparigas no pré-guerra, em que refere e analisa a
escritora Nobuko Yoshiya.
Straight From the
Heart: Gender, Intimacy, and the Cultural Production of Shōjo Manga
estabelece com Passionate
Friendships
inúmeros paralelos, já que em ambos se abordam a shōjo
bunka como,
por um lado, uma comunidade homossocial fechada e protegida dos
adultos e, por outro, um espaço (pelo menos em parte) regulado e
explorado comercialmente por homens. Contudo, o foco de Straight
From the Heart
é o passado recente – assente no trabalho de campo realizado pela
autora Jennifer Prough entre 2002-2003 e 2007 –, oferecendo-nos um
vislumbre original do
modus operandis da
indústria do shōjo
manga
e explorando as suas construções afectivas em relação com os
mecanismos de produção, distribuição e consumo.
Convém salvaguardar
que, apesar do título apontar para âmbito mais alargado, Prough
centra-se exclusivamente na facção mais “ortodoxa” da indústria
do shōjo
manga:
a banda desenhada para raparigas distribuída comercialmente pelas
grandes editoras (Kodansha, Shogakukan, Shueisha e Hakusensha), no
seu conteúdo mais generalista e mainstream.
A opção é mais do que justificada (uma vez que este espaço
estava, até ao momento, virtualmente em branco nas publicações
ocidentais); apesar disso, constituiu um limite ao estudo, deixando
de fora tanto o circuito dos doujinshi
(o manga
amador ou auto-publicado) como o subgénero do boys’
love
(ambos mais presentes na literatura de língua inglesa).
Não obstante,
Prough conduz uma análise etnográfica detalhada e cativante do
shōjo
manga enquanto
indústria cultural, investigando como as “relações humanas”
(ningen
kankei)
entre consumidores (as raparigas adolescentes), produtores (as
autoras) e mediadores (editores das revistas de banda desenhada) se
manifestam em diversos palcos: o local de trabalho, as revistas e a
banda desenhada em si. Esta natureza polifónica, colocando na arena
as vozes dos diferentes intervenientes e participantes, é uma das
maiores forças de Straight
From the Heart,
oferecendo perspectivas e narrativas diversas em torno de uma
fantasmática pergunta: o que querem as raparigas? – que, como a
autora demonstra, se traduz verdadeiramente num balanço delicado
entre “o que as raparigas querem”, “o que as raparigas deviam
querer”, e “o que vende”.
Adicionalmente,
Straight
From the Heart examina
toda uma cultura material e imaterial que circunda a banda desenhada
em si. Por exemplo, Prough debruça-se sobre os conteúdos “extra”
nas revistas de shōjo
manga
(suplementos, serviços de encomenda por correio, prémios de
sondagem, páginas dos leitores e o sistema da Escola de Manga),
examinando-os como estratégias que fidelizam públicos, incentivam a
participação e asseguram a renovação de autores. Noutro capítulo,
destaca a estrutura corporativa da indústria do shōjo
manga,
investigando as relações (de poder, de género, geracionais) entre
os
directores de edição
e autoras no seio das editoras. E ainda dedica uma leitura ao manga
Gals!
de Mihona Fujii, em relação com a subcultura
kogal
e o pânico moral do enjo-kōsai
(“compensated
dating”).
A escolha – sendo tudo menos óbvia (é uma banda desenhada mediana
e relativamente desconhecida do público ocidental) – produz uma
discussão interessante sobre as representações da sexualidade
feminina num status
quo
do shōjo
manga
que, simultaneamente, reflecte, assimila e enforma as ansiedades que
sempre permeiam construções sociais da “rapariga adolescente”.
Tal como Straight
From the Heart
e Passionate
Friendships
contribuem para preencher lacunas visíveis na produção académica
ocidental sobre a cultura popular japonesa, também Clamp
in Context: A Crititcal Study of the Manga and Anime
(2012, McFarland), de Dani Cavallaro, se aventura num território que
há muito devia estar preenchido: um estudo abrangente sobre o
colectivo de criadoras de manga
CLAMP,
que têm consistentemente produzido ao longo das últimas duas
décadas um dos mais originais, ecléticos e aclamados
corpus
da banda desenhada japonesa. Neste sentido, CLAMP
in Context
é louvável e mais do que atempado; infelizmente, fica aquém do
desejado, apresentando alguns problemas em termos metodológicos e
formais.
Divido em quatro
capítulos, presente-se uma certa falta de transparência tanto ao
nível da escrita (por vezes barroca) como da metodologia. Entre
outras coisas – como a ausência de uma introdução e conclusão
informativas e clarificadoras, bem como de um índex completo –, o
livro parece desequilibrado em termos do “tempo de antena” de
cada série e tema. Por exemplo, várias páginas são dedicadas a
Code
Gueass
(para o qual as CLAMP contribuíram apenas com o character
design
original), enquanto Legal
Drug
é apenas nomeado e Clover
reduzido a uma página; ou a insistência de Cavallaro em filiar o
colectivo num
continuum
histórica e espiritual japonês, negligenciando largamente outros
temas importantes (por exemplo, ligados à sexualidade). CLAMP
in Context não
deixa, no entanto, de aflorar algumas ideias importantes: a
polivalência programática do colectivo (quebrando barreiras
demográficas e etárias, e abarcando diferentes géneros
narrativos), em “Epic Reinventions”; a sua lendária construção
de meta-universos, em “Transworld Migrations”; ou, em
“Tecnologies of Subjectivity”, a construção da identidade
humana como “resultado instável da intersecção entre a ciência,
a fantasia e a política”. Contudo, a impressão geral é de alguma
superficialidade na abordagem aos conceitos, deixando em aberto o
espaço para uma obra mais aprofundada sobre estas autoras
fundamentais.
Continuando neste
colmatar de faltas, vale a pena dar nota de um acontecimento raro: o
recente Japanese
Animation: East Asian Perspectives
(2014, University Press of Mississippi), uma antologia de ensaios de
investigadores da Ásia Oriental sobre o tema da animação japonesa,
editada por Masao Yokota e Tze-yue G. Hu. Apesar de, durante a última
década, se ter assistido a um aumento exponencial da produção em
língua inglesa no campo dos Manga and Anime Studies, a tradução de
estudos académicos japoneses para línguas ocidentais ainda avança
lentamente (encontram-se algumas felizes excepções na revista
Mechademia,
ou nas traduções de obras fundamentais como Otaku:
Japan’s Database Animals
de Hiroki Azuma, ou Beautiful
Fighting Girl
de Tamaki Saitō). Japanese
Animation dá,
pois, um contributo essencial neste departamento francamente
sub-representado; e, mesmo notando-se que não foi pensado de raiz
enquanto todo conexo, o mero facto de permitir aceder a estes textos
constitui um notável serviço público.
O foco da antologia
é a animação japonesa numa acepção geral, não limitada ao anime
como
o conhecemos hoje. Como tal, encontram-se textos com objectos tão
diversificados como as animações japonesas da primeira metade do
século XX (de autores como Noburō Ōfuj e Kenzō Masaoka), os
filmes com marionetas de Kihachirō Kawamoto, clássicos do
pós-guerra de Osamu Tezuka ou dos estúdios Ghibli e Toei e
projectos mais contemporâneos que vão desde Doraemon
e Innocence
(sequela de Ghost
in the Shell)
a Death
Note.
Encontramos esta mesma abordagem holística na multiplicidade
metodológica que atravessa as seis secções do livro, compilando
num mesmo volume académicos e profissionais da animação e
perspectivas históricas, pedagógicas, teóricas ou biográficas.
Adicionalmente, Japanese
Animation
estabelece bases para a discussão dos contextos geográficos do
anime,
incluindo a polinização cruzada não só entre o Ocidente e o
Oriente, como dentro da própria Ásia Oriental (e.g.
a recepção do
anime
na Coreia do Sul e Hong Kong, ou a recepção de animações chinesas
no Japão durante a guerra).
Ainda no território
da animação, Anime’s
Media Mix: Franchising Toys and Characters in Japan
(2012, University of Minnesota Press), de Marc Steinberg, aborda,
também ele, um tópico que, apesar da sua centralidade económica e
cultural na indústria do manga
e do anime,
não está satisfatoriamente cartografado. Tal como o título indica,
o foco é o conceito de “media
mix”
– equivalente japonês das expressões “transmedia”
ou “cross-media”
–, argumentando que o merchandising
de personagens, assente numa estratégia de convergência entre
diferentes meios (manga,
jogos de vídeo, figuras, cartas, novelas, filmes live-action…),
é uma característica centralíssima do “anime
system”.
De facto, a amplitude da “transmediação” de certos anime
assume, não raras vezes, contornos de gesamtkunstwerk:
é impossível não lembrar, por exemplo, a prodigiosa
franchise
multimédia e “obra de
merchandise
total” que é Neon
Genesis Evangelion.
Por outro lado, em
vez de se concentrar nos meios digitais com os quais o “transmedia”
é frequentemente associado, Anime’s
Media Mix traça
uma genealogia desta convergência que remonta ao aparecimento da
animação japonesa serial para televisão no pós-guerra,
nomeadamente, com Tetsuwan
Atomu
(mais conhecido entre nós como “Astro Boy”). Segundo Steinberg,
apesar dos antecedentes, Tetsuwan
Atomu
representa uma mudança de paradigma em que a imagem de um personagem
se sobrepõe aos próprios conteúdos do produto a vender (e.g.
a seminal campanha Meiji-Atomu, em que chocolates eram acompanhados
de autocolantes com o popular personagem de Osamu Tezuka), um aspecto
também examinado a propósito da editora Kadokawa Books.
Devido à
centralidade e sofisticação do media
mix
no Japão, Anime’s
Media Mix contribui
não apenas para o campo dos Manga and Anime Studies, mas para uma
compreensão mais abrangente e “glocal” das redes de convergência
entre meios na mediasfera e cultura de consumo contemporânea.
Balançando a investigação histórica detalhada com uma discussão
teórica metódica e ampla (debatendo conceitos dos Media Studies que
ultrapassam o contexto japonês mais estrito), Steinberg situa o
media
mix
num âmbito de continuidades e transformações mediáticas e
culturais, assente em eixos como a imobilidade da imagem, a
mobilidade do kyara,
a media-comodity,
ou a relação personagem-mundos. É certo que, em alguns pontos, as
relações conceptuais empregues poderiam beneficiar de maior
clareza, ou que algumas pontas que poderiam adensar a discussão
ficam, naturalmente, soltas (e.g.
relativamente ao fan
labor).
Porém, no cômputo global, Anime’s
Media Mix estabelece-se
como uma obra de referência para a investigação no campo da
história e ecologia do transmedia,
dentro e fora do Japão.
Finalmente, o último
livro que apresentamos é sobre uma figura incontornável (para o bem
e para o mal) da cultura popular japonesa: Osamu Tezuka. Tezuka é um
herói nacional japonês e um dos mais traduzidos, adorados e
estudados autores clássicos da banda desenhada e animação japonesa
– tantas vezes ao ponto da distorção histórica e do negligenciar
de outros autores igualmente importantes e inovadores. Mais um estudo
sobre o Tezuka não parece, portanto, uma prioridade no campo dos
Manga and Anime Studies; e o título deste livro de Natsu Onoda
Power, God
of Comics: Osamu Tezuka and the Creation of Post-War II Manga
(2009, University Press of Mississippi), é de todo em todo
cringeworthy
(foi parodiando esta divinização de Tezuka que o teórico crítico
Gō Itō chamou Tezuka
is Dead ao
seu polémico livro de 2005). Pondo de parte problemas ideológicos,
God
of Comics é
uma boa introdução à vida e obra (o manga
e o
anime)
de Tezuka: abrangente, bem articulado, ancorado numa vasta
bibliografia em língua japonesa mas dirigido de raiz ao público
ocidental (uma dimensão quase “missionária” assumida pela
autora).
Para além de situar
a figura de Osamu Tezuka no contexto histórico e cultural de onde
emergiu (com ênfase no Japão, minimizando influências externas), o
quadro conceptual deste estudo assenta no conceito de
intertextualidade, explorando as intersecções, citações,
empréstimos e adaptações de que Tezuka fazia uso estratégico na
sua obra (e.g.
a influência da Takarazuka Revue em obras como Princess
Knight).
God
of Comics é,
assim, uma monografia com os seus momentos teóricos (sobretudo na
discussão em torno das personagens de Tezuka que constituiriam um
“star
system”
à
la
Hollywood, discutida no capítulo “Stars and Jokes”), cobrindo
adequadamente o gigantesco corpus que é a obra de Tezuka – desde
os blockbusters
como
Black
Jack
e Buddha
a títulos menos conhecidos do público ocidental, como Monster
of the 38th Parallel
ou The
Curtain Remains Blue Tonight.
Não obstante a necessidade de exames igualmente detalhados sobre
todo um panteão de mangaka
tão meritórios como Osamu Tezuka, o estudo de Power não deixa de
ser uma adição bem-vinda à literatura em língua inglesa sobre
este gigante japonês.
No conjunto, os seis
livros revistos demonstram bem a actual vitalidade dos Manga and
Anime Studies, quer a nível temático, quer metodológico (visível
na multidisciplinaridade das abordagens presentes nos vários
livros). Apesar das variações de qualidade, todos respondem e
procuram colmatar carências na literatura em língua inglesa dentro
desta área de investigação, apresentando argumentos originais,
entusiasmantes e diversos que contribuem, cada um à sua maneira,
para o alargamento e aprofundamento do campo. Esperemos que assim
continue, daqui para frente.
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