Segundo atividário - magnífico neologismo que convida os leitores
a sê-lo da melhor forma possível - de Henriques e Letria, depois do Mar,
é agora o Teatro a substância estudada. E que coincidirá como seu lançamento
hoje, dia mundial do teatro, com exposições simultâneas e a presença dos
autores no Maria Matos. (Mais)
"O teatro é sempre irrepetível", lemos no verbete Momento. Também poderíamos dizer, “o
teatro só é possível na sua contínua repetição”. Mas neste caso, as duas
palavras similares partiriam de duas posições diferentes. No primeiro caso, os autores
pretendem dar conta de que todo e qualquer gesto de teatro é sempre novo, está
plenamente associado à sua duração presente, à sua performance, e que todos os elementos que contribuem para um acto
de teatro (o texto, os actores, os que trabalham nos bastidores, o público, os
objectos que rodeiam esse acto, tudo) se recombinam sempre de modos diferentes,
podendo chegar a resultados diferentes mesmo quando tudo parecia igual.
No segundo caso, o que pretenderia sublinhar é a possibilidade de
recorrermos à palavra francesa para “ensaio”, répétition, a qual permite pensar nas pequenas diferenças de grau,
e por vezes, de natureza, que ocorrem precisamente pela ideia de repetição. Os
leitores de filosofia moderna entenderão que as pistas lançadas por Deleuze
estariam aí escondidas, mas fiquemo-nos por uma actividade mais simples.
Sigamos os conselhos deste livro em alguns passos para, através de “um fazer de
conta” chegarmos se calhar a uma realidade mais profunda.
Uma vez que muito dos instrumentos de Teatro são similares aos de Mar,
remetemos os leitores a essas notas anteriores, onde os discutimos: a saber, a
cuidadosa relação entre as imagens e o texto, a disposição alfabética deste
para criar um protocolo de leitura livre e enciclopédico, o burilar da
linguagem para ser agudo aqui, mais descontraído ali, e sem nunca, nunca ter
medo de citar conhecimentos especializados e “palavras difíceis”. Na verdade,
este livro, se está construído para leitores mais jovens, seguramente que terá
a ensinar a muitos adultos também que se interessem pelo teatro. E
desenganem-se aqueles que pensam estar perante uma espécie de “introdução leve”,
em que apenas se aborda pela rama esta arte e se visitam somente os seus
aspectos mais comuns, banais e patéticos, os quais usualmente servem para
alimentar aqueles mitos incompletos de quem fala de “talento”, “bichinho do
teatro”, ou outras expressões que revelam um caminho pouco trilhado. Mesmo que
tenha nascido de uma encomenda e apoio de várias salas nacionais, não se
encontrará aqui uma abordagem didáctica redutora e bem-comportada (o teatro não
pode ser isso).
Fala-se de Gil Vicente, Moliére e Shakespeare, é certo, mas também
Grotowski, Nietzsche e Séneca. Ensinam-se as várias maneiras de abrir a cortina
e a diferença entre “Merda” e “Merdra”. Há “palcos para toda a obra” mas
ficam-se a conhecer alguns com nome próprio. E navegam-se águas um pouco de
todo o mundo, mesmo que haja uma maior concentração na tradição ocidental. As
palavras “subsídio”, “política”, “superstição” não se evitam. Do Absurdo a Zola, falam-se de todos os géneros, assim como de muitas técnicas,
objectos, processos, expressões, acumulando-se uma multifacetada, complexa e
rica noção do que o teatro pode ser. E há depois as páginas com várias
actividades, para fazer máscaras, chapéus e engradados.
Fazer, ensaiar, repetir.
Nota final: agradecimentos à editora, pela oferta do livro. Imagens cedidas pela mesma.
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