Janus
centra-se numa personagem feminina que se encontra protegida do
“mundo real” por várias camadas: em primeiro lugar, pelo seu
isolamento espacial no apartamento em que vive sozinha; pelos
contactos esporádicos que parece manter pela internet e, de quando
em vez, com saídas junto a amigos ou maiores aventuras em festas com
estranhos; a mais estranha, por viver dentro de uma pele sintética,
ou um fato e máscara que a cobrem por completo (um pouco como La
piel que habito, de Almodóvar) e que serve de mecanismo maior à
sua pessoa; e finalmente pelas fantasias que a fazem cobrir-se de
ondas do mar, separando-a do plano da realidade tangível.
A
narrativa tem início desde logo num nível que imaginamos ser real –
numa praia? - mas que em retrospectiva compreenderemos que é muito
possível que se trate de uma fantasia, de uma fuga psicológica. A
protagonista vive nessas máscaras sucessivas para se proteger a si
própria, mas também para poder projectar uma nova oportunidade de
subjetificação. Um projecto que a permite aproximar-se de um homem,
de uma ideia de desejo, mesmo sexual, mas que rápido tomba num
território difícil de destrinçar se de facto ou se de fantasia. Um
projecto, até certa medida, falhado, pois o hábito que a segunda
pele cria congela-a não numa superfície sempre virgem e pronta a
ser re-habitada e re-inventada, mas já “naturalizada”.
Um
diálogo com uma amiga, no final, revela muitas destas questões,
ainda que jamais se faça uma apresentação cabal e normalizadora da
história. Esta amiga pergunta-lhe se haverá realmente uma diferença
entre ser-se real e pensar-se que se é real? A protagonista avança
a ideia de que seria o “controlo” aquilo que marcaria a
diferença, mas ela sente também que o está a perder.
Lala
Albert parece centrar-se em personagens cuja identidade está em
permanente crise, onde a possibilidade de dissolução não é apenas
uma imagem algo vaga e de contornos psicológicos, mas onde se passa
do campo da metaforização para a da concretude dos corpos. Ainda
que, como já indicámos, as partes em que a protagonista mergulha em
marés crescentes e vazantes tenha uma dimensão onírica (ou mesmo
de tradução directa do desejo sexual e da fuga) que complica essa
outra distinção.
Impresso
a duas cores em risografia, preto e azul, a primeira serve de
arcobotante, absolutamente sólido e decisivo, para uma intervenção
de superfícies e texturas segundas, mas igualmente para impressões
fantasmáticas: existem aplicações de um “pó” que não parecem
ter funções representativas propriamente ditas, mas de uma espécie
de eco da passagem das personagens, ou de uma aura que perdura e
provoca sensações de segundo grau sobre elas. Se fará parte da
percepção do real, ou projecções, apenas a leitura o decidirá.
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