25 de julho de 2015

Vacancy. Jen Lee (Nobrow Press)

Quando mencionámos a série de webcomics Thunderpaw, da mesma autora, tecemos uma série de considerações em torno do estilo “furry” (ou “semi-furry”) a que esse trabalho pertenceria, assim como a que territórios deveria algumas das suas características formais e estilísticas. Remetemos a essas breves notas para complementar esta outra breve nota, a um pequeno comic book publicado no programa da Nobrow em providenciar um espaço de expressão, circulação e experimentação a novos e jovens autores, uma experiência que havíamos debatido com Fish, de B. Bagnarelli. (Mais) 

Em muitos aspectos, Vacancy partilhará a mesma contextualização diegética de Thunderpaw. Apesar de não termos acesso a qualquer tipo de exposição decidida, este é um mundo que parece ter sofrido igualmente um cataclismo absoluto, destruindo as cidades em torno. Existem porém algumas pistas, extratextuais e visuais (o nome do protagonista na casota, a corda roída, a distribuição dos papéis e inscrição social por espécie animal), que permitem imaginar que terão existido humanos neste mundo, com as mesmas relações para com os restantes animais, simplesmente estes são antropomorfizados, com roupa e tudo.  

A personagem principal é Simon, um cãozinho jovem, particularmente vulnerável, não apenas física mas psicologicamente. Encontrando-se sozinho, talvez mesmo abandonado na sua casa sozinha, cai em erros de percepção por viver numa esfera até então protegida, a passa a imaginar o “lá fora”, sobretudo a floresta, como um espaço ideal. A sua clausura não é jamais resolvida, bem pelo contrário, ele protela sempre a fuga para um amanhã. Não é de surpreender, então, que tenham de ser causas externas – a pressão de um encontro com duas outras criaturas, uma raposa e um cervo – a colocá-lo nessa senda de exploração.
Podemos dizer que Vacancy explora questões de identidade, de pertença, de inscrição e de negociação social. Existem pelo menos três espaços sociais a serem explorados no pequeno livro: os animais que vivem domesticados, os animais que vivem na selva mas que não são predadores, e os predadores. Simon acredita que tem propriedades que lhe permitiriam aceder imediatamente ao terceiro papel, mas isso revelar-se-á como uma ilusão tremenda. 

Se o livrinho pode ser lido, por um lado, como uma simples narrativa, ou uma alegoria simples, com algum esforço podem descobrir-se outros níveis de interpretação. Este é um estudo sobre os ecossistemas e como eles se complementam ou anexam ou repelem.
A única diferença é que os ecossistemas aqui são também construídos por factores sociais, de distribuição de papéis em relação ao mundo dos humanos, estando-se ou fora ou dentro dele. No mundo “real”, o nosso, essas relações são mais complexas, pois existem animais dentro do mundo dos humanos que são usados (para alimentação ou outros trabalhos), e os de fora podem ter vários pontos de entrada ou interacção, que cria uma hierarquia (entre animais “fofinhos” e “bestas perigosas”), mas se em Vacancy essa distribuição é mais simples, metonimicamente oferece elementos relativos a essa experiência.


A autora domina aqui todos aqueles instrumentos de que necessita.a expressividade das personagens é simples, mas efectiva, as mais das vezes numa contenção subtil e eficaz. O trabalho dos pormenores, dos cenários abandonados, da natureza assaltada, dos resquícios de uma civilização desaparecida, e o trabalho igualmente contido das cores, cria um ambiente perfeito à tensão permanente das personagens, sobretudo de Simon que vai descobrindo um mundo bem maior do que o que conhecia e imaginava). O dinamismo da composição é clássico, legível e cinematográfico, o que não admira para uma autora que é devedora de forma particular a um certo mundo da animação (toda esta nova geração de séries da Cartoon Network, de Adventure Time a Regular Show, Steven Universe, etc.) onde se misturam distribuições simples de papéis, altos níveis de inventabilidade conceptual e estilística, e temas duros, mas passados pela mó da fantasia. 

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