Já nos havíamos cruzado neste espaço com Worcester por
ocasião do volume por si co-editados, AComics Studies Reader, se bem que ele tem trabalhado noutros projectos
associados à banda desenhada (o volume dedicado a Peter Kuper na colecção
Conversations da UPM, um The Superhero Reader,
etc.). Este título é uma auto-edição de toda uma série de pequenos artigos, quase
uma trintena de entradas, que foram publicadas na New Politics (que é
publicada duas vezes por ano) entre 2003 e 2016. Esta secção, intitulada “Word
and Pictures”, permitiu a Worcester uma exploração inclusiva do tipo de
trabalhos abordados, mas sempre sob uma mesma perspectiva. Como explica na
introdução, com vista a uma certa “correcção” em relação ao tipo de objectos
maioritariamente estudados na academia – o círculo dos Estudos de Banda
Desenhada, para o qual ele próprio tem contribuído, afinal -, pretende aqui
focar-se sobretudo em trabalhos de natureza política. Combativa, directa,
endereçada, sejam caricaturas, cartoons
ou banda desenhada (ficcional ou não), toda esta produção visa, como implica o
título do livrinho, “agitar”. (Mais)
Estes artigos consistem em perfis de artistas individuais,
alguns históricos e outros contemporâneos, casos estes em que se incluem
algumas entrevistas curtas mas incisivas, alguns outros sendo antes de
temáticas mais abrangentes - “Cartoonistas iídiches” ou “Cartoons antibelicistas”
-, e outros ainda dedicados a personagens particulares - Robin Hood e Womer
Woman -, muitas vezes partindo da crítica (review)
de volumes publicados sobre esses mesmos temas. Por exemplo, o artigo sobre a
Mulher Maravilha, escrito no Verão de 2015, é um balanço da leitura dos livros
dedicados à personagem de Noah Berlatsky, Tim Hanley e Jill Lepore, que haviam
sido publicados um pouco antes, em sucessão.
Há mesmo casos em que é um autor a participar com uma peça
curta, à guisa de apresentação própria (Greg Cook estreando-se nestas
andanças). Um dos aspectos produtivos e estimulantes desta selecção, quiçá
ditada pelas circunstâncias do momento mas igualmente ditadas por um genuíno
interesse em demonstrar como este diálogo deve ultrapassar fronteiras e
categorias apriorísticas, é que se englobam desde autores particularmente
famosos do cartoon editorial (Art
Young e Carlo, por exemplo) ou da banda desenhada (como Harvey Pekar, Daniel
Clowes e Seth Tobocman), mas igualmente nomes de autores jovens ou estreantes
(então, pelo menos) explorando os mesmos territórios combativos. Essa diversidade
é manifesta igualmente nessa mesma expressão política: “Apesar de muitos dos
contribuintes para este livro se descreverem a si mesmos como socialistas [no sentido americano do
termo, i.e, um sinónimo de “de esquerda”], outros poderão antes preferir termos
como radicais, anarquistas, feministas e/ou marxistas. Alguns até se poderão chamar
a si mesmos de liberais. Alguns são activistas, outros cínicos.” (nosso itálico;
pg. 5). Isto poderia levar a um tema constantemente debatido, sobre a destreza
e beleza do cartoon político ser uma esteira da esquerda mais do que a direita,
ideia defendida por Eugene Debs num curto ensaio final, o que, corroborado por
um número esmagador de mestres nesse sinal e até na eficácia dos gestos
(Daumier, Cham, Nast, os autores de The
Masses, L’Assiette au Beurre, Simplicissimus, etc.) poderá ter os seus
contra-exemplos, mas este gesto editorial aponta sobretudo a essa grande
família.
Se não haverá dúvida de que existem critérios estéticos que
julgaram as escolhas (sobretudo as dos autores mais jovens, onde não existe o
apoio do consenso de recepção), a verdade é que o valor maior das obras “descobertas”
se prende à da liberdade política. Isto é, à do posicionamento dos autores
perante a realidade, seja ela na apreciação da história desse mesmo combate (a
biografia de Frank H. Little feita por Nicole Schulman, ou a de Isadora Duncan
por Sabrina Jones, já uma veterana, ou The
Adventures of Unemployed Man, de que também falámos na altura) ou na
leitura do tecido social hodierno (How to
Succedd at Globalization e El Fisgón, como um excelente ensaio satírico
sobre o capitalismo actual, uma espécie de Dol,
de Squarzoni, mas de uma pespectiva sul-americana e mergulhada no sarcasmo).
Mas depois, com as colagens de Amy Pryor, temos dimensões
radicalmente diferentes, mais “visuais” e “artísticas”, mas que ainda assim
permitem um balanço e recordação de outros nomes que empregaram os seus
precisos e apurados sentidos estéticos para o combate político – um casamento
que nem sempre foi feliz, pois como Jan Baetens diz algures, nem sempre as
agendas progressistas foram servidas por um apurado sentido estético. Sue Coe,
Raymond Pettibon, Barbara Kruger, Jenny Holzer são apenas alguns dos nomes que
servem de substrato contextualizante à obra de Pryor, e ao mesmo tempo serve de
filtro a uma compreensão da criação de imagens com um propósito político de uma
forma muito alargada.
Os textos são bastante curtos e servem mais de brevíssima
introdução à vida e carreira dos autores. No caso dos autores vivos, são
excelentes introduções e enquadramentos dos seus trabalhos, cujos exemplos
incluídos são suficientemente claros para compreender a sua natureza e, quem
sabe, incentivar o leitor a procurar mais trabalhos. Não serão certamente
introduções completas e exaustivas, já que o foco é exclusivamente nos
contornos políticos dessa mesma obra, e poderá não mencionar, ou pelo menos
secundarizar, outro tipo de produções do mesmo autor.
Mas, tal como mencionámos a propósito da escrita de
Groensteen no seu último livro, é nos comentários laterais que Worcester vai
demonstrando a sua óptima capacidade de contextualização contemporânea,
comparação histórica, e formas de análise, que sublinham uma qualquer
característica que nos permitirá não apenas ler melhor a obra em questão como
compreender um novo instrumento ao qual devemos estar atentos num próximo
exemplo.
O título em si vem de uma
prática antiga de várias organizações laborais, que utilizavam pequenos
panfletos colados um pouco por todo o tecido urbano, mais tarde autocolantes, e
que prevêem a cultura do stick-bombing
mais contemporâneo, mas sempre com um intuito de divulgação de forças de
resistência (organização sindical, movimentos grevistas, divulgação de crimes
económicos, instâncias ao anti-militarismo, etc.). Se não tem o valor de uma
enciclopédia, é pelo menos uma família estimulante à abrangência desta
expressão.
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