25 de agosto de 2019

A Piscina. JyHyeon Lee (Orfeu Negro)


Porque é tão fascinante quando mergulhamos na água? Trata-se de uma memória da espécie, ou do nosso desenvolvimento ontogenético, ou uma mera sugestividade devida a tantos mitos? Dever-se-á à alteração das percepções e capacidades físicas, do incrível equilíbrio entre os limites impostos e as novas liberdades? Em A Piscina, de JiHyon Lee, encontraremos esses encontros, descobertas e possibilidades. (Mais) 

Tem sido recorrente o trabalho de artistas do desenho, sobretudo aqueles que o organizam enquanto instrumento narrativo, em torno de piscinas. Bastien Vivès com Le goût du chlore, Leanne Shapton e o seu Swimming Studies, e o recente livro de Klaus Kremmerz publicado pela Stolen Books, Swimmer.Claro, também poderíamos recorrer à obra de Hockney, argumentando que a sua série de pinturas se poderiam coalescer numa narrativa fantasmática, mas mesmo que não o fizéssemos, notar-se-á que este tema convida à ideia de uma espécie de isolamento primordial do ser humano. A densidade da água, que a um só tempo permite toda a liberdade e suavidade de movimentos e implica um amplexo apertado de uma matéria diferente da do corpo, o convite a um silêncio muito particular, o regresso de uma memória ante-parto que é bem possível que ainda exerça o seu fascínio, e até mesmo a tranquilidade que o azul nos traz...

Desprovido de matéria verbal, mas não de texto e/ou narrativa, A Piscina segue o percurso e o feliz encontro de dois jovens nadadores sob a superfície de uma piscina pública, bem no fundo da água, abaixo das muitas pernas saracoteando-se das inúmeras pessoas que ali se juntam... E o que descobrem é um mundo bem profundo, vivo, cheio de criaturas marinhas, prontas a nadar com eles nesse passeio.



Pelo formato grande do livro, e o uso quase sempre contínuo de spreads com as imagens a sangrar na página, tudo convida à necessária imersão na leitura, mimando a da água. A cor, suavemente depositada pelos lápis de cor inclinados, segue sobretudo famílias de azuis, com jogos de apontamentos localizados de vermelhos, brancos e outros momentos. E a expressividade, seguida por linhas de diferente espessura, e com o emprego de texturas diversas, muitas vezes não-naturais, nas criaturas, torna estas paisagens num carrossel divertido.

O livro está construído de forma simétrica. Apesar de estar apresentado de forma convencional – capa/contra-capa, guardas diferenciadas e depois o convite à linearidade do folheamento, é bem possível imaginar uma leitura “ao contrário”, seguindo antes o percurso da menina. Retoricamente, portanto, A Piscina apresenta toda uma série de jogos especulares que permite repetidas descobertas.



Livro de estreia – aliás, projecto final do seu curso – da jovem autora sul-coreana, este é mais uma excelente adição ao cada vez mais volumoso catálogo acessível em Portugal de álbuns ilustrados para a infância que permitem igualmente prazer a todos os outros leitores pelas suas qualidades visuais, gráficas e narrativas, convidam à presença de temas sociais estimulantes e progressivos, e vêm contribuir para um entedimento bem alargado do que significa pedagogia, descartando normatividades didácticas.

No excelente blog Picture Makers, encontrarão uma entrevista cheia de esboços, estudos, que nos permitem estudar o processo de criação da autora deste mesmo livro, um privilégio para aumentar o prazer da leitura.
Nota final: agradecimentos à editora, pela oferta do livro.

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