Porque é tão fascinante
quando mergulhamos na água? Trata-se de uma memória da espécie, ou
do nosso desenvolvimento ontogenético, ou uma mera sugestividade
devida a tantos mitos? Dever-se-á à alteração das percepções e
capacidades físicas, do incrível equilíbrio entre os limites
impostos e as novas liberdades? Em A Piscina, de JiHyon Lee,
encontraremos esses encontros, descobertas e possibilidades. (Mais)
Tem sido recorrente o
trabalho de artistas do desenho, sobretudo aqueles que o organizam
enquanto instrumento narrativo, em torno de piscinas. Bastien Vivès
com Le goût du chlore, Leanne Shapton e o seu Swimming
Studies, e o recente livro de Klaus Kremmerz publicado pela
Stolen Books, Swimmer.Claro, também poderíamos recorrer à
obra de Hockney, argumentando que a sua série de pinturas se
poderiam coalescer numa narrativa fantasmática, mas mesmo que não o
fizéssemos, notar-se-á que este tema convida à ideia de uma
espécie de isolamento primordial do ser humano. A densidade da água,
que a um só tempo permite toda a liberdade e suavidade de movimentos
e implica um amplexo apertado de uma matéria diferente da do corpo,
o convite a um silêncio muito particular, o regresso de uma memória
ante-parto que é bem possível que ainda exerça o seu fascínio, e
até mesmo a tranquilidade que o azul nos traz...
Desprovido de matéria
verbal, mas não de texto e/ou narrativa, A Piscina segue o
percurso e o feliz encontro de dois jovens nadadores sob a superfície
de uma piscina pública, bem no fundo da água, abaixo das muitas
pernas saracoteando-se das inúmeras pessoas que ali se juntam... E o
que descobrem é um mundo bem profundo, vivo, cheio de criaturas
marinhas, prontas a nadar com eles nesse passeio.
Pelo formato grande do
livro, e o uso quase sempre contínuo de spreads com as
imagens a sangrar na página, tudo convida à necessária imersão na
leitura, mimando a da água. A cor, suavemente depositada pelos lápis
de cor inclinados, segue sobretudo famílias de azuis, com jogos de
apontamentos localizados de vermelhos, brancos e outros momentos. E a
expressividade, seguida por linhas de diferente espessura, e com o
emprego de texturas diversas, muitas vezes não-naturais, nas
criaturas, torna estas paisagens num carrossel divertido.
O livro está construído
de forma simétrica. Apesar de estar apresentado de forma
convencional – capa/contra-capa, guardas diferenciadas e depois o
convite à linearidade do folheamento, é bem possível imaginar uma
leitura “ao contrário”, seguindo antes o percurso da menina.
Retoricamente, portanto, A Piscina apresenta toda uma série
de jogos especulares que permite repetidas descobertas.
Livro de estreia –
aliás, projecto final do seu curso – da jovem autora sul-coreana,
este é mais uma excelente adição ao cada vez mais volumoso
catálogo acessível em Portugal de álbuns ilustrados para a
infância que permitem igualmente prazer a todos os outros leitores
pelas suas qualidades visuais, gráficas e narrativas, convidam à
presença de temas sociais estimulantes e progressivos, e vêm
contribuir para um entedimento bem alargado do que significa
pedagogia, descartando normatividades didácticas.
No excelente blog
Picture Makers, encontrarão uma entrevista cheia de esboços,
estudos, que nos permitem estudar o processo de criação da autora
deste mesmo livro, um privilégio para aumentar o prazer da leitura.
Nota final: agradecimentos
à editora, pela oferta do livro.
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