Das várias definições de Calvino, um clássico pode ser "o que tiver tendência para relegar a actualidade para a categoria de ruído de fundo, mas ao mesmo tempo não puder passar sem esse ruído de fundo". O ponto importante é o pólo "actualidade-ruído de fundo"; Calvino não explicita se se refere à nossa (leitores actuais) contemporaneidade ou à da obra. Seja como for, é justo que na (desiquilibrada) colecção Classiques a Casterman inclua este álbum dos anos 80 do autor de Barbarella. Como todo e qualquer livro, este também tem a sua dimensão de virtuosismo técnico, de propósitos estéticos e de âmbito político, mas talvez não sejam muitos os livros de banda desenhada que alcancem este equilíbrio interior desses propósitos que parecem claros e por isso mesmo mereça esse nome de "clássico". Superficialmente, é a história de um jovem rapaz, Jules (quase-andrógino, nas feições e nos comportamentos), e as relações tempestuosas com uns (a mãe, os "inimigos"), cúmplices com outras (o pai, o velho Original), e outras ainda mais dúbias (com Lili Tambour, uma "andrógina"?). O que se busca é compreender o jovem? Ou os caminhos desaparecidos de uma Europa feita de canais? O por que razão um pássaro de cabeça de vidro pode significar algo mais que um sonho concretizado? Uma obra contida, textualmente densa e de temporalidade curiosa, mas ainda assim uma interessante reminiscência de um tempo que não se dá como perdido.
(publicado em Mondo Bizarre no. 20)
17 de setembro de 2004
Enfants C’est L’Hydragon qui passe. Jean-Claude Forest (Casterman)
Publicada por Pedro Moura à(s) 6:46 da tarde
Etiquetas: França-Bélgica
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário