10 de abril de 2005

Poulet aux Prunes. Marjane Satrapi (L'Association).


Marjane Satrapi vai saindo de si mesma. Até ao momento, as suas histórias centravam-se naturalmente – pelo seu projecto – na sua vivência pessoal ou imediatamente relacionada consigo, sobretudo a vida das mulheres iranianas. As várias experiências pelas que tem enveredado – colaborações, ilustrações de contos persas, versões de contos tradicionais – tem-lhe permitido talvez explorar outras escritas.
A estória de Poulet aux Prunes é relativamente simples (mas a estória só é importante para titilar as superfícies das mentes de quem não quer mergulhar fora de pé...o que importa é o modo que a eleva). Um músico, Nasser Ali, dado que a mulher lhe quebrou o instrumento sem preço – um tar ofertado pelo mestre – resolve morrer, deixando-se definhar na cama durante oito dias até que Azrael, o anjo da Morte, o venha buscar. Mas o que parece ser superficialmente linear torna-se uma revisitação das possíveis pulsões que o levam a essa decisão: o divórcio entre um verdadeiro amor e a sua concretização, as escolhas que lhes são impostas pela ordem social, a típica incompreensão a que os (verdadeiros) artistas são votados. Satrapi não deixa, porém, de nos apresentar os significados políticos da época (final dos anos 50), sobretudo um certo desencanto de uma esquerda progressista, enamorada de alguns valores do Ocidente – os enormes seios de Sophia Loren parecem carregar não só a única ponta possível de vida e erotismo para Nasser, como uma espécie de porto de abrigo aos conturbados tempos da vida política. E é precisamente pela apatia de Nasser face às revoluções permanentes – já exploradas em Persepolis e Broderies – que vamos ganhando algum contorno no conhecimento da situação da época. Em relação aos outros livros, parece haver algum avanço em termos técnicos, já que se trata de um récit contínuo (ainda que subdividido em capítulos) e parece haver uma maior experimentação nos enquadramentos (vinhetas distintas para o presente e as memórias, maiores manchas a negro). Isto é, Satrapi vai descobrindo aos poucos novas formas de completar o seu projecto político e, ao mesmo tempo, explorando as possibilidades de pensamento sobre a condição de autor através destes outros avatares, que são as personagens. Posted by Hello

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