Taiyo Matsumoto é conhecido dos ocidentais pelas edições americanas e francesas de No. 5, Blue Spring e Black & White (ou Tekkinkinkrito). Esta última trilogia foi depois adaptada ao teatro. Matsumoto é indubitavelmente um dos filhos da geração pós-Garo, a famosa revista de banda desenhada japonesa de vanguarda, uma aposta forte numa linguagem menos normativa, menos derivativa, mais arriscada até. Talvez se possa fazer uma comparação, salvas as distâncias, com o papel que a Métal Hurlant cumpriu nos anos 70, em França. As influências de uma certa banda desenhada europeia está patente nas obras de Matsumoto, também aqui ecoando a comparação feita, pois Moebius exerce uma sombra sobretudo em No. 5.
Esta nova leva de artistas japoneses influenciados por uma certa produção de banda desenhada europeia não levantará grandes surpresas, tendo em conta por exemplo a revista de curta duração Error, que tanto publicava trabalhos de autores locais como de franceses (Sfar, Peeters & Schuiten, Guibert, etc.), e cujo logo foi desenhado por Jean “O grão-M.” Giraud, ao passo que a Morning editou trabalhos inéditos de franceses contratados para o efeito, com natural destaque, da minha parte, para E. Baudoin. E ainda não será displicente indicar o trabalho tu-cá-tu-lá com o Japão de Frédéric Boilet. Cereja no topo, é o facto de que Matsumoto viajou pela França precisamente com o intuito de crescer artisticamente, depois de ter desistido de uma carreira desportista. O seu objectivo, nas suas próprias palavras (numa entrevista à Pulp) será aliar o “cool” dos comics norte-americanos, o aspecto “intelectual” da bd europeia e a “leveza” da mangá.
Talvez ele o tenha conseguido com Hanao, ou “Flores”. Esta é uma obra diferente na sua produção, pois foi escrita ao mesmo tempo para ser dramatizada no palco. Trata-se, tal como em No. 5, de uma história intricada entre várias personagens, neste caso de uma família que esculpe máscaras rituais. O filho mais velho do escultor Kiku, Yuri, tem receio de sair de casa, pois sente medo de tudo, do vento à chuva... Porém, é ele quem é capaz de escutar os espíritos que sopram à noite. Seu irmão, Tsubaki, também faz máscaras rituais, mas são desprovidas de “alma” e pouco servem aos propósitos da vila. Segue-se a necessária rivalidade entre irmãos, em que um não compreende o outro, mas sem que exista um conflito aberto. A busca por uma máscara realmente poderosa para um casamento – do “dançarino da chuva” – levará à instalação da crise, que termina com a morte do pai, um homem já velho e frágil, e a decisão de Yuri esculpir essa última encomenda e depois partir para ver o desejado mar... Ele parte, mas acompanhado pelos tais espíritos, como se deixassem de ser tutelares da vila para o acompanhar mais particularmente.
Algumas das páginas reverberam com as influências ocidentais, como as páginas 21 a 24, com o mesmo panorama da sala de jantar onde entram e saem, sentam-se e levantam-se os vários membros da família. É óbvio que também se poderiam citar algumas das composições de pranchas de Tezuka, mas este mesmo foi influenciado por certa estruturação ocidental. As personagens possuem fatos que tanto podem recordar trajes tradicionais nepaleses, como de outras culturas, e os totens em madeira recordarão mais um punhado de culturas diferentes (japonesa, coreana, africana, inuítes, alguns povos ameríndios, etc.), e o ambiente geral é também devedor de um certo ambiente europeizado. Mas há soluções deslumbrantes, como a forma paulatina em que os espíritos vão surgindo pela história – de fantasmas de formas fluidas até se erguerem como austeras árvores no leito de morte do pai – e a página em que o velho moribundo fala do mar ao seu filho Yuri, composta apenas de palavras, sem imagens, em vinhetas cortadas em diagonais bruscas, talvez recordando os sinais que esta “tribo” usa nos rostos ou as linhas que a goiva faz na madeira.
Também as imagens parecem, apesar de serem a tinta, cruzadas sobre o papel com o mesmo violento ímpeto que o gesto do gravador, para sublinhar nos seus ângulos fortes a humanidade deste pequeno drama familiar, o qual passa pelos elementos da descoberta de um jovem das suas próprias potencialidades criativas e, logo a seguir, a sua abdicação, apesar das forças que o apoiam se conservarem ao seu lado. Pouco importará fazer hierarquias dentro dos vários textos de um autor, mas se bem que não me parece ser este o mais acessível livro de Taiyo Matsumoto (ainda sem tradução em línguas ocidentais), é talvez sem dúvida o menos espectacular, e por isso mais humano.
4 de maio de 2005
Hanao. Taiyo Matsumoto (edição japonesa)
Publicada por Pedro Moura à(s) 5:27 da tarde
Etiquetas: Japão
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3 comentários:
Caro senhor:
Foi com gosto que reparei nos enormes textos que escreve sobre essas publicações que parecem nada ter a dizer.
Fiquei preocupado, pois reparei também que ninguém comenta o seu blog, por isso aqui ficam estas palavras de incentivo, para continuar esse trabalho de mérito.
www.1140tv.blogspot.com
Caro Pedro-Aziz, Esta capa promete algo diferente.Estarei enganado? Não conheço o autor.
muito bom. é fato que poucas pessoas conhecem a arte de matsumoto mas quem connhece sabe a qualidade de seus quadrinhos. black and white lembra muito jorge amado e é uma das hq que mas curto.
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