Este texto serve para dar conta de um dos livros que a Chili
Com Carne & a Mmmnnnrrrg lançaram de catadupa, por ocasião,
parece-nos, do Amadora BD, reunindo este pequeno caderno uma pequena selecção
das histórias das personagens incómodas e delirantes do autor australiano Simon
Hanselmann. Há quase três anos certos demos conta de uma leitura por atacado detoda uma série de publicações desse autor, explorando o seu universo temático,
os seus ambientes, um paradoxal misto de humor negro, aventuras de desenhos
animados e desespero urbano. Pouco tempo depois, a Fantagraphics agregaria a
esmagadora maioria dessa produção num volume imponente. Este volume, mais modesto, não deixa ainda assim de ser um
decisivo contributo para a disponibilização, em Portugal e em português, de
material digno da “gente bruta” anunciada pelo selo editorial. (Mais)
A tradução,
acinte e acerba como deve ser, de André Pereira, torna a linguagem viva e
acutilante destas personagens num português de guna, o que torna o seu deleite
ainda mais particular. De certa forma, as aventuras da bruxa Megg, com o seu
animal de estimação ou roommate ou amante ou companheiro de chuto Mogg e o roommate
triste Mocho, e ainda mais um punhado de amigos de más-boas ondas, criam pequenas
situações de humor que parecem sair da mistura alucinada de uma dessas séries midbrow
de burguesia protegida, tipo Amigos ou Foi assim que aconteceu,
com a miríade de “reality shows” nas mais díspares variações existentes. Há uma
espécie de prazer doentio em estarmos presos a este exercício de voyeurismo
sobre a auto-destruição massiva das suas personagens, ao mesmo tempo que há uma
espécie de sedução por essa vida livre e uma repulsa (burguesa, confessamos)
dos perigos a que se entrega. A simpatia para com o Mocho, por exemplo,
dependerá dessa inscrição social.
Esta é uma banda desenhada cuja verve e força só pode ser
compreendida no momento em que se fecham as suas capas e em retrospectiva se
compreende a estranha poesia de asfalto que ela promete. Haverá algo de
redentor e transfigurador na maneira como Megg vai demonstrando as formas como
é capaz de sentir amor pelas outras personagens? E na forma como se tentam
disfarçar para ultrapassar as percepções que os outros têm de si? E num passeio
de bicicleta? Se atingir um arco-íris, não será já suficiente?
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